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Para Pattabi Seshadri, especialista em transição energética da Boston Consulting Group (BCG), já é tempo de Portugal tirar partido da vantagem competitiva das energias renováveis e capitalizá-la para promover o seu crescimento económico. Mas ainda há trabalho a ser feito noutros setores: indústria, transportes, agricultura e banca não devem perder o comboio da sustentabilidade.
Qual a leitura que faz do caminho de Portugal na jornada da transição energética?
Portugal já deu um primeiro passo importante ao comprometer-se a atingir a neutralidade carbónica em 2050, estando em linha com vários outros países da União Europeia (UE), como Espanha e França. Encontra-se numa posição privilegiada em relação a outros países, uma vez que tem emissões per capita relativamente baixas e um peso reduzido das emissões de eletricidade face à maioria das economias, devido à maior utilização das energias renováveis. Pode aproveitar esta posição para se tornar um líder em matéria de clima e sustentabilidade.
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Quais os setores onde se nota um maior atraso na implementação de estratégias para a neutralidade carbónica?
Não se trata apenas de uma questão de atraso. Devido à natureza de algumas atividades económicas, estas geram, à partida, um maior volume de emissões, que pode ser mais difícil de reduzir. No entanto, essas indústrias tendem também a estar mais conscientes, a explorar as opções tecnológicas de forma mais proativa e a ser mais pressionadas a agir, por exemplo, através de regulamentação adicional. Energia (16%), indústria (26%), transportes (28%) e agricultura (15%) são os setores mais relevantes para as emissões. Será necessário que todos se transformem.
Atendendo a este objetivo, que contributo podem dar as empresas do país?
Há objetivos do Pacto Ecológico Europeu que se estendem a todos os setores e que podem ser seguidos, como o abandono total do carvão, o aquecimento sem recurso a combustíveis fósseis, construção de edifícios isentos de combustíveis fósseis e compra de veículos elétricos. Estas escolhas podem constituir uma oportunidade para obter novas vantagens competitivas através de tecnologias verdes.
Há vantagens associadas à sustentabilidade?
Já é possível observar que os líderes climáticos obtêm melhores retornos nos mercados quando comparamos com outras empresas mais atrasadas em sustentabilidade. Podem ganhar competitividade através de uma maior facilidade na contratação e retenção de talento (40% dos profissionais procuran empresas orientadas para a sustentabilidade), receitas mais elevadas (crescimento anual de 4 a 25% em vendas para produtos verdes), poupança de recursos e carbono, menores riscos relacionados com a regulação e menores custos de financiamento.
Quais são os maiores desafios que as empresas enfrentam no que respeita à transição energética?
Um tema fundamental são os elevados montantes que terão de ser investidos nesta transição, em particular, para a UE, com os investimentos adicionais cumulativos para uma trajetória europeia net zero até 2050 na ordem dos milhares de milhões de euros, numa vasta gama de tecnologias, tais como infraestruturas de carregamento, combustíveis e veículos elétricos, combustível de aviação sustentável, bombas de calor, energia solar e captação direta de ar.
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Qual deverá ser o papel do governo neste processo?
O papel dos governos é fundamental. Como vimos, os compromissos assumidos a nível nacional são um grande impulso para a atuação das empresas. E, mais uma vez, dada a dimensão do desafio, todos os setores serão chamados a contribuir, quer através da redução de emissões, quer através do aumento da capacidade de prevenção.
Um estudo concluiu que a sustentabilidade e a descarbonização pesam menos de 2% no orçamento das empresas e apenas 31% promovem a eletrificação como forma de descarbonização. Porquê esta aposta tão baixa?
As empresas estão a acelerar a sua transição. À medida que os incentivos se tornem mais claros e se comecem a aplicar regulamentações mais rigorosas, veremos as empresas a agir mais rapidamente e a aumentar os seus investimentos.
Portugal é o quarto país, a nível mundial, na utilização de energias renováveis. Pode ser uma referência para os seus pares?
É uma grande oportunidade para Portugal e uma fonte de vantagem competitiva para o futuro. O país tem de tirar partido desta vantagem e capitalizá-la para promover o seu crescimento económico. Porém, existem outros setores com grande preponderância nas emissões e nos quais Portugal tem ainda um caminho a percorrer, nomeadamente a indústria, promovendo, por exemplo, tecnologias como a captura de carbono; transportes, onde pode aumentar o peso dos veículos elétricos ou fomentar uma maior utilização de transportes públicos; e agricultura. Será também crítico que a banca se ajuste de forma a criar incentivos para que os restantes setores deem passos importantes no sentido desta transição.
O hidrogénio verde, pode ser uma das respostas para um futuro net zero?
Pode ser uma oportunidade muito relevante para Portugal. O país tem características únicas para ser um líder nesta tecnologia, e existe uma vontade de a desenvolver. Agora é o momento de passar da promessa a exemplos concretos. Tem um excelente ponto de partida para se tornar um exemplo na produção e utilização de hidrogénio verde.
E a eletrificação?
Em particular, no que diz respeito à eletrificação, Portugal deve concentrar-se em acelerar ainda mais as suas capacidades e potencial de energia renovável, para reduzir a necessidade de gás natural. Em termos de transportes, a tónica tende a ser colocada na promoção dos transportes públicos, dos veículos elétricos, de uma maior utilização dos biocombustíveis e dos transportes pesados a hidrogénio.
Que exemplos europeus pode e deve Portugal seguir?
A Alemanha é um ótimo exemplo, por ter estabelecido alguns objetivos arrojados que se traduzem em planos concretos por setor – com uma redução das emissões da indústria em cerca de 58% em 2030, face a 1990 – e com grande ênfase na transição energética e na indústria verde, que estão a ser impulsionados para garantir a neutralidade climática até 2045.
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