Convidados para debater o setor das renováveis no horizonte 2030 – 2050 na conferência anual da APREN, que hoje teve lugar em Lisboa, o eurodeputado do PCP, João Ferreira, e o deputado do Bloco de Esquerda, Jorge Costa, acabaram por apontar baterias ao governo, à EDP e à REN, defendendo a reversão do processo de privatização das duas empresas, ambas com participação de capital do Estado chinês.
“Ter um sistema elétrico liberalizado foi desastroso para os preços. É determinante um controlo público por via da criação de uma autoridade que operacionalize um plano estratégico nacional”, defendeu o eurodeputado João Ferreira. Jorge Costa, do BE, também se mostrou favorável à reversão da privatização da EDP e da REN, advogando que “dá-las ao Estado chinês cria problemas”.
Na audiência, Nuno Ribeiro da Silva, presidente da Endesa, apressou-se a intervir para frisar que é uma má ideia voltar a nacionalizar as duas empresas, aproveitando para criticar o governo e o secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches. “Os preços da eletricidade estão altos em todo o lado, não é só em Portugal. O ministro da Economia disse hoje que o solar está a ser um sucesso, mas é um sucesso entre aspas, porque depois têm de ser as elétricas a arcar com a responsabilidade de fazer contratos de compra e venda da energia com os produtores de energia solar, enquanto em Espanha se fazem leilões de aquisição de energia renovável, a preços de mercado mas com uma segurança de retaguarda”, disse Ribeiro da Silva
À margem da conferência, o responsável da Endesa disse que a eventual nacionalização da EDP e da REN “é uma ideia estafúrdia e um cenário um bocadinho esotérico porque o Estado não tem dinheiro para comprar a EDP, e isso não seria aceite pelas autoridades europeias de Bruxelas”. “Garanto-lhe que não é melhor a gestão pública do que a gestão privada”, disse ainda.
Perante uma sala cheia de representantes do setor das renováveis, e num painel de debate formado por responsáveis dos partidos com assento parlamentar, o deputado Jorge Costa do BE voltou a esgrimir alguns argumentos do partido que vão diretamente contra as posições da APREN, nomeadamente no que diz respeito ao sobrecusto das tarifas subsidiadas e à imposição de uma contribuição extraordinária também às energias limpas.
Na visão do deputado, que participa também na comissão parlamentar de inquérito às rendas excessivas, “o modelo de tarifas subsidiadas nas eólicas foi necessário”, com a “fatura energética a ser suportada pelos consumidores, o que ajudou a cativar os investidores”. “Isto deixou de fazer sentido com os novos modelos de financiamento e agora os consumidores. A CESE nas renováveis será fulcral para que consumidores sintam que a aposta no passado foi correta e racional do ponto de vista económico. E para mostrar que as renováveis não servem só para onerar a fatura”, disse Jorge Costa.
Presente na conferência da APREN de manhã, o ministro da Economia Caldeira Cabral recusou comentar matérias orçamentais e não confirmou se as renováveis passarão a ser taxadas com o próximo Orçamento do Estado para 2019, depois da medida ter acabado por cair no ano passado. A APREN defende que o setor das renováveis já é “suficientemente taxado” e contribui para a redução do défice tarifário.
“As renováveis precisam hoje de financiamento duradouro que partilhe os custos com consumidores”, referiu por seu lado Jorge Costa, defendendo que a maior parque dos parques eólicos ficaram amortizados ao fim de 10 anos, mas continuaram a beneficiar de tarifas feed-in muito depois disso. O deputado diz que a APREN deve concentrar-se menos no plano nacional das barragens e mais “num plano para o solar descentralizado e em larga escala”.
Da audiência levantaram-se várias vozes em desacordo, garantindo que “não há sobrecompensação dos produtores nas renováveis nem sobrecustos para os consumidores”. De acordo com dados do governo, já avançados pelo Dinheiro Vivo, entre 2016 e 2020, os portugueses vão pagar 1,2 mil milhões de euros por ano nas faturas só pelas renováveis. As energias limpas pesam 24,1% na conta da luz, diz a ERSE, o equivalente a 11 euros por mês e 132 euros por ano.
António Sá da Costa, presidente da APREN, foi uma das vozes discordantes face ao deputado bloquista, garantindo que “nem sequer metade das eólicas estão amortizadas, o que só acontece ai fim de cerca de 23 anos e não 10”. Por seu lado, Jorge Costa sublinhou que as eólicas instaladas em 2005 deviam ter entrado em mercado em 2020, o que não aconteceu e defraudou as expectativas, apontado às empresas a responsabilidade neste atraso.
Presente no mesmo painel, Adolfo Mesquita Nunes, vice-presidente do CDS/PP, sublinhou a importância da descida dos preços da eletricidade e advogou uma liberalização “real” do setor da energia através de um aumento da concorrência no mercado liberalizado, onde a EDP detém a esmagadora maioria da quota de mercado. “Sem aumentar concorrência na produção de eletricidade e no retalho nunca vão conseguir uma verdadeira liberalização”, disse.
Já Hugo Costa, deputado do PS, também ele membro da comissão parlamentar de inquérito, sublinhou as metas das renováveis já apontadas pelo ministro da Economia na conferência da APREN e defendeu a aposta em novas soluções de armazenamento de energias renováveis, como as baterias de lítio. O deputado do partido do governo desse que as metas da descarbonização e das renováveis têm de ser ainda mais arrojadas para 2050.
É neste ano, a meio do século XXI, que Salvador Malheiro, vice-presidente do PSD que participou na conferência da APREN, quer ver 50% de energias renováveis no mix energético português. “Devíamos ir mais longe nas metas. Vamos mesmo manter as centrais térmicas de Sines e do Pego até 2030?”, questionou, lançando também dúvidas sobre quando serão uma realidade os 1100 MW de energia solar fotovoltaica no Alentejo e Algarve já anunciados pelo governo.
Sobre o sistema energético, não defendeu nem a nacionalização nem a liberalização, mas sim uma democratização, com os consumidores cada vez mais livres para produzir a sua própria energia.
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