//Pedro Amaral Jorge: “Negociações no COP são sempre incrementais e os passos dados sempre pequenos”

Pedro Amaral Jorge: “Negociações no COP são sempre incrementais e os passos dados sempre pequenos”

Pedro Amaral Jorge lidera a Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN) há cinco anos. O gestor esteve na 28.ª Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP28), que se realizou este ano no Dubai, entre 30 de novembro e 12 de dezembro. Defende em entrevista ao Dinheiro Vivo e TSF que se avalie bem o relatório final da cimeira, mas considera haver “boas notícias”. Quanto a Portugal, defende a existência de acordos de regime para as questões climáticas e que o fim da CESE faça parte do debate eleitoral nas próximas eleições legislativas. Considera ainda que a suspensão dos procedimentos do leilão eólico offshore, para a instalação de 10 gigawatts (GW) até 2030, para depois das eleições provocará um atraso “relevante” nas meta definida.

Tivemos nestas últimas duas semanas a Cimeira do Clima das Nações Unidas (COP 28). Como é que encara estas negociações diplomáticas que já duram há 28 anos?

As negociações dentro da Cimeira do Clima são sempre incrementais e os passos que dão em cada ano são sempre pequenos. Já demos alguns passos representativos. Do ponto de vista da energia, há dois pilares importantes que saíram desta cimeira e que estão, no fundo, dentro do enquadramento daquilo que é a esfera que envolve todas as organizações que estão lá. A primeira foi a notícia dizendo que queríamos começar a descer o consumo de combustíveis fósseis, ou seja, além do carvão, também iríamos começar a fazer o phasing out do gás natural e do petróleo – seja ele em crude ou em gás liquefeito de petróleo – essa é uma notícia que é importante e que dá uma mudança clara de direção naquilo que tem acontecido até agora. Ou seja, podemos começar a apontar que o chamado peak oil – o consumo máximo de petróleo -, mesmo com o aumento da demografia e com o aumento da industrialização de alguns países, começa a acontecer.

E o segundo pilar importante?

O segundo é a meta mais concreta para 2030, que foi apresentada pela Global Renewables Alliance, que conseguiu que 120 países subscrevessem o chamado Double Down, Triple Up, ou seja, que duplicassem a eficiência energética até 2030 e que também aumentassem a sua potência instalada de renováveis para a produção de eletricidade também até 2030. Estes dois pilares, do ponto de vista da energia, são boas notícias. Agora é preciso ver o relatório final da cimeira, perceber exatamente o que ficou acordado, o que é vinculativo, o que não é vinculativo, o que depende de metas concretas para implementar, mas penso que estes dois vetores são importantes para nos apontar o sentido em que queremos ir.

Ainda assim, os Estados petrolíferos recusaram definir metas concretas para o abandono dos combustíveis fósseis, apesar do acordo alcançado. É possível um combate às questões do clima com uma agenda global de interesses múltiplos?

Não acho que seja de todo fácil. Temos de ver isso em três perspetivas. Os países que são grandes produtores de petróleo, estamos a pensar ali na zona do Médio Oriente, da Eurásia, a própria Rússia, ou seja, são economias extrativas que, apesar de terem um grande montante de investimento noutras áreas da economia, no fundo a sua grande sobrevivência económica e financeira depende da venda desses elementos energéticos a todo o mercado global. E, obviamente, quem tem a sua economia assente numa venda concreta de um produto, apesar de dizer que vai diversificar, nunca diversifica e há 20 anos tenta diversificar, mas os componentes que diversifica na sua percentagem do PIB são absolutamente insignificantes ainda face ao valor global que tem do produto interno bruto. Acho que vão ter alguma resistência até conseguirem perceber que conseguem ter as suas economias alavancadas em algo mais do que seja a pura venda de petróleo e de gás natural. Portanto, vai demorar mais tempo até que esses países se comprometam com tal questão.

Essa é a primeira perspetiva. Qual é a segunda?

O que vai acontecer é que a Europa e os Estados Unidos representam um mercado muito grande e esse mercado vai poder ter aqui uma ferramenta importante que vem do pacote ecológico do Green Deal, ou seja, do Pacto Ecológico Europeu, que tem a ver com a taxação do carbono à entrada das fronteiras da União Europeia, o chamado Carbon Border Adjustment Mechanism. E isso vai criar um equilíbrio de como é que estas transações vão funcionar e as economias que estão em situação de desigualdade, que exportam para o espaço europeu, e muitas delas que exportam também para o espaço norte-americano – provavelmente, se os Estados Unidos também tiverem este comportamento de taxar o carbono à entrada das fronteiras – vamos conseguir que as indústrias desses países também se desloquem para dentro deste espaço económico. E isso, então sim, vai criar uma dinâmica muito mais forte ou com muito mais impulso para conseguir, efetivamente, que haja uma maior adesão e uma adesão de cada vez mais Estados-membros, referindo-me a Estados nesta ótica de começar a querer descarbonizar.

E a terceira perspetiva?

A nova geração, do entendimento que tenho e das coisas que leio, está muito sensível para a questão das emissões dos gases com efeito de estufa, e os seus comportamentos de compra, pelo menos nas sociedades mais evoluídas e democráticas, vão penalizar muito quem não tenha claramente a descarbonização à vista. E isso é outra questão que nos dá alguma esperança. Acho que há uma adesão muito grande de um conjunto de economias avançadas cujo tecido económico não depende da economia extrativa de combustíveis fósseis e isso vai avançar e vão procurar alternativas energéticas. Isto vai fazer com que o mercado para gás natural e para petróleo também encolha e vai haver um determinado momento em que esses países vão ter de ter outras atividades económicas.

Quando é que essa alteração de paradigma poderá acontecer?

Bola de cristal gostava muito de ter, mas acho que no espaço europeu a década de 30 vai ter uma incorporação muito grande de renováveis, até porque para a Europa não há uma alternativa. Se a Europa se quiser defender de volatilidades de preços energéticos tem de produzir os seus próprios energéticos e produzir a sua própria eletricidade. Vai ter um caminho de dificuldades, vamos ter obstáculos, mas vamos ter de os ultrapassar, porque o modelo de desenvolvimento socioeconómico europeu depende de conseguirmos ser autossustentáveis em energia, como vimos quando aconteceu em 2022 a invasão da Ucrânia com a questão de termos de bloquear a importação do gás natural russo. O resto do mundo, não sei, mas a China e a Índia são elementos importantes do ponto de vista das emissões e, se somados, devem ter neste momento três mil milhões de habitantes e com as projeções que se anteveem, provavelmente quatro mil milhões em 2050. Portanto, essas economias, se não conseguirem dar esse passo, vão ficar fechadas naquele espaço económico. Acho que os Estados Unidos, a Europa, a Austrália e outras economias vão começar a não aceitar a importação de bens que tenham esse conteúdo de carbono. Estamos a falar em dar passos.

Esta semana, o Conselho das Finanças Públicas apontou como um dos riscos orçamentais para os próximos 15 anos o risco climático. O Conselho afirma que Portugal tarda a implementar e executar as ações e medidas propostas, incluindo as metas da Lei de Bases do Clima. É certeiro este aviso?

A Lei de Bases do Clima tem muitas dimensões. Sobre as dimensões com que não lido no dia a dia, como a agrícola ou outros equivalentes, não me consigo pronunciar. Agora, é óbvio que, por exemplo, todo o nosso sistema de recolha de águas pluviais ou de resolução de enchentes e de cheias, porque tal como temos vindo a perceber, cada vez que chove um pouco mais há cheias, o nosso sistema está longe de estar adaptado às alterações climáticas. Temos muita infraestrutura que tem de ser construída por forma a que, do ponto de vista de cheias, do ponto de vista de fogos, todos esses impactos extremos das alterações climáticas sejam mitigados. Quando vemos a capacidade que temos de resposta aos fogos ou a capacidade que temos, por exemplo, na Baixa [de Lisboa] ou em Algés, onde com qualquer pequena chuva ficamos inundados, obviamente temos de resolver esse problema, porque o comportamento climático está alterado. Cada vez temos chuvas menos frequentes, mas cada vez com mais intensidade, ou seja, chover em horas aquilo que normalmente poderia chover num mês e isso vai ter impactos. Não sei exatamente em que dimensões é que o Conselho de Finanças Públicas está a referir, mas o que posso dizer é que, do ponto de vista da energia e nomeadamente na eletricidade, esse caminho está a ser feito. Atualmente, em Portugal, em termos da União Europeia, somos o quarto país com maior incorporação de renováveis na produção de eletricidade e temos uma meta para 2030 que nos levaria a ter 80% a 85% de incorporação de renováveis na produção de eletricidade. E obviamente esse é um grande passo, porque o sistema electroprodutor é um dos primeiros a ter de ser descarbonizado, a par da indústria pesada. E aquela parte que pode ser diretamente eletrificada com fontes renováveis e outra parte não pode, vai precisar de combustíveis renováveis de origem não biológica. Não me consigo pronunciar além das dimensões da energia e destes exemplos de senso comum.

O Conselho de Finanças Públicas adianta também que há um atraso na criação dos chamados orçamentos de carbono que estabelecem limites de emissões de gases com efeito de estufa. Neste sentido, para o país e para cada setor, o que é que acha que vai acontecer para resolver esta situação?

Até há pouco tempo, tínhamos o sistema de comercialização de emissões na União Europeia restrito à produção de eletricidade e a um conjunto de indústrias ou de setores industriais. E o que o Green Deal, ou seja, o Pacto Ecológico Europeu, está a programar é que, para que consigamos ser efetivos do ponto de vista das reduções das emissões de gases de efeito de estufa e de dióxido de carbono. Dentro dos gases de efeito de estufa, temos de alargar a comercialização da licença de emissões (ETS na sigla inglesa) e trazer outros setores para dentro do pagamento de emissões. E os dois setores mais importantes que vamos passar a trazer, não sei se já é em 2027 ou em 2028, é o edificado e tudo o que são transportes. Ou seja, não pagávamos ETS nem no transporte rodoviário, nem no transporte ferroviário, nem no transporte aéreo, não pagávamos ETS de poluição nos edifícios. Pagávamos uma componente de poluição no IUC dos carros, mas isto vai ter um alargamento a outros setores.

Mas esse alargamento está atrasado ou não?

Não, esse alargamento, neste momento, ainda está em linha com o que a Comissão Europeia tinha previsto no pacote de energia limpa para todos os europeus. O que é curioso é que em três anos, ou num espaço de cinco anos, tivemos três pacotes energéticos quando normalmente costumávamos ter um a cada quinze. Começámos a ter o pacote de energia limpa para todos os europeus em 2016. A coisa foi avançando. Em 2020 tivemos a pandemia, e antes já estava a ser desenhado o pacote ecológico europeu. Depois tivemos o Fit for 55 porque começámos a ver que as medidas que estávamos a tomar não estavam a mitigar as emissões na taxa que era necessário. E depois, quando há a invasão da Ucrânia, temos o Repower EU para, a tudo isto, adicionarmos o fator da segurança energética com a independência energética e a autonomia energética. Nesse enquadramento, no fundo, esses programas todos e este alargamento do ETS, na realidade é para forçar a saída do carbono de grande parte da economia e da sociedade.

Mas esse alargamento a vários sectores pode incrementar o desenvolvimento das renováveis?

Vai ter de incrementar, porque o tema é quase uma cadeia de valor. Se efetivamente quisermos descarbonizar, com as tecnologias que temos atualmente para conseguir ter previsibilidade e escala na descarbonização, então temos de produzir eletricidade de fundos renováveis, temos de eletrificar a maior parte dos consumos, ou seja, a mobilidade ligeira tem de passar a ser elétrica. Os eletrodomésticos que temos em casa, que ainda temos fogões a gás ou caldeiras a gás, têm de passar a ser elétricos. Quando começarmos a ter essas medidas todas vamos aumentar a eletrificação e vamos resolver uma parte do problema. Falta uma outra parte do problema, que são os tais setores de difícil transição. Há processos industriais que precisam de energia térmica de elevada temperatura e a eletrificação direta, com a tecnologia que temos atualmente, não supre essa necessidade. Vamos ter de resolver o problema de ter um gás combustível ou um líquido combustível. E para irmos para os gases ou líquidos renováveis de origem não biológica temos de os produzir a partir de processos que dependem de eletricidade renovável. O hidrogénio verde, que é o primeiro passo, através do eletrólise da água, além dos consumos que tenho de eletrificar, se decidirmos produzir hidrogénio para depois conseguir produzir combustíveis sintéticos de origem não biológica ou combustíveis renováveis de origem não biológica, precisamos de estar sempre a aumentar a potência renovável. Vamos precisar de aumentar a potência renovável só para o aumento da eletrificação direta e depois precisamos de aumentar a potência renovável para o que chamo de eletrificação indireta, que é conseguirmos suprir eletricidade de fonte renovável para produzir hidrogénio verde e depois os combustíveis renováveis de origem não biológica.

No âmbito da discussão do Orçamento do Estado para 2024, a APREN pediu uma revisão urgente da chamada Fiscalidade Verde. O que é que está por fazer nesta matéria?

Há três anos, pedimos à Deloitte para fazer uma análise de como poderíamos criar uma fiscalidade que incentivasse a descarbonização sem que onerasse o contribuinte e que não deixasse o Estado em défice fiscal. Primeiro, temos de ter medidas de incentivo e de apoio a quem tem estabilidade económica do ponto de vista fiscal para conseguir mudar comportamentos, de passar de combustíveis fósseis para combustíveis renováveis ou para eletricidade renovável. Também precisamos de começar a criar mecanismos como não penalizar, por exemplo, através da contribuição especial sobre o setor energético. A famigerada CESE, neste momento, não faz sentido ser aplicada a centros eletroprodutores de fonte renovável, porque estamos a fazer uma penalização fiscal quando estamos a ter um contributo indireto para que o país não compre licenças de emissão e que isso seja repassado aos consumidores de eletricidade. Há um conjunto de medidas fiscais que têm de ser efetivamente incentivadas e a filosofia que está subjacente a estas medidas é que consigamos migrar os comportamentos de consumo de fóssil para renovável e fazer isso com uma arquitetura suficientemente inteligente. Está demonstrado através desse estudo que é possível que não se onere a carga fiscal ao contribuinte, que não se onere a estrutura de custos ao consumidor e que consiga, de alguma forma, obviamente, não levar o Estado a criar aqui um défice fiscal para suportar essas medidas. Este é o triângulo que temos de conseguir resolver e depois, obviamente, é necessário criarmos políticas concretas, mensuráveis, definirmos essas políticas, implementarmos e, depois, conseguimos monitorizar anualmente se está a surtir o efeito que pretendemos alcançar.