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Pedro Amaral Jorge lidera a Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN) há cinco anos. O gestor esteve na 28.ª Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP28), que se realizou este ano no Dubai, entre 30 de novembro e 12 de dezembro. Defende em entrevista ao Dinheiro Vivo e TSF que se avalie bem o relatório final da cimeira, mas considera haver “boas notícias”. Quanto a Portugal, defende a existência de acordos de regime para as questões climáticas e que o fim da CESE faça parte do debate eleitoral nas próximas eleições legislativas. Considera ainda que a suspensão dos procedimentos do leilão eólico offshore, para a instalação de 10 gigawatts (GW) até 2030, para depois das eleições provocará um atraso “relevante” nas meta definida.
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Tivemos nestas últimas duas semanas a Cimeira do Clima das Nações Unidas (COP 28). Como é que encara estas negociações diplomáticas que já duram há 28 anos?
As negociações dentro da Cimeira do Clima são sempre incrementais e os passos que dão em cada ano são sempre pequenos. Já demos alguns passos representativos. Do ponto de vista da energia, há dois pilares importantes que saíram desta cimeira e que estão, no fundo, dentro do enquadramento daquilo que é a esfera que envolve todas as organizações que estão lá. A primeira foi a notícia dizendo que queríamos começar a descer o consumo de combustíveis fósseis, ou seja, além do carvão, também iríamos começar a fazer o phasing out do gás natural e do petróleo – seja ele em crude ou em gás liquefeito de petróleo – essa é uma notícia que é importante e que dá uma mudança clara de direção naquilo que tem acontecido até agora. Ou seja, podemos começar a apontar que o chamado peak oil – o consumo máximo de petróleo -, mesmo com o aumento da demografia e com o aumento da industrialização de alguns países, começa a acontecer.
E o segundo pilar importante?
O segundo é a meta mais concreta para 2030, que foi apresentada pela Global Renewables Alliance, que conseguiu que 120 países subscrevessem o chamado Double Down, Triple Up, ou seja, que duplicassem a eficiência energética até 2030 e que também aumentassem a sua potência instalada de renováveis para a produção de eletricidade também até 2030. Estes dois pilares, do ponto de vista da energia, são boas notícias. Agora é preciso ver o relatório final da cimeira, perceber exatamente o que ficou acordado, o que é vinculativo, o que não é vinculativo, o que depende de metas concretas para implementar, mas penso que estes dois vetores são importantes para nos apontar o sentido em que queremos ir.
Ainda assim, os Estados petrolíferos recusaram definir metas concretas para o abandono dos combustíveis fósseis, apesar do acordo alcançado. É possível um combate às questões do clima com uma agenda global de interesses múltiplos?
Não acho que seja de todo fácil. Temos de ver isso em três perspetivas. Os países que são grandes produtores de petróleo, estamos a pensar ali na zona do Médio Oriente, da Eurásia, a própria Rússia, ou seja, são economias extrativas que, apesar de terem um grande montante de investimento noutras áreas da economia, no fundo a sua grande sobrevivência económica e financeira depende da venda desses elementos energéticos a todo o mercado global. E, obviamente, quem tem a sua economia assente numa venda concreta de um produto, apesar de dizer que vai diversificar, nunca diversifica e há 20 anos tenta diversificar, mas os componentes que diversifica na sua percentagem do PIB são absolutamente insignificantes ainda face ao valor global que tem do produto interno bruto. Acho que vão ter alguma resistência até conseguirem perceber que conseguem ter as suas economias alavancadas em algo mais do que seja a pura venda de petróleo e de gás natural. Portanto, vai demorar mais tempo até que esses países se comprometam com tal questão.
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Essa é a primeira perspetiva. Qual é a segunda?
O que vai acontecer é que a Europa e os Estados Unidos representam um mercado muito grande e esse mercado vai poder ter aqui uma ferramenta importante que vem do pacote ecológico do Green Deal, ou seja, do Pacto Ecológico Europeu, que tem a ver com a taxação do carbono à entrada das fronteiras da União Europeia, o chamado Carbon Border Adjustment Mechanism. E isso vai criar um equilíbrio de como é que estas transações vão funcionar e as economias que estão em situação de desigualdade, que exportam para o espaço europeu, e muitas delas que exportam também para o espaço norte-americano – provavelmente, se os Estados Unidos também tiverem este comportamento de taxar o carbono à entrada das fronteiras – vamos conseguir que as indústrias desses países também se desloquem para dentro deste espaço económico. E isso, então sim, vai criar uma dinâmica muito mais forte ou com muito mais impulso para conseguir, efetivamente, que haja uma maior adesão e uma adesão de cada vez mais Estados-membros, referindo-me a Estados nesta ótica de começar a querer descarbonizar.
E a terceira perspetiva?
A nova geração, do entendimento que tenho e das coisas que leio, está muito sensível para a questão das emissões dos gases com efeito de estufa, e os seus comportamentos de compra, pelo menos nas sociedades mais evoluídas e democráticas, vão penalizar muito quem não tenha claramente a descarbonização à vista. E isso é outra questão que nos dá alguma esperança. Acho que há uma adesão muito grande de um conjunto de economias avançadas cujo tecido económico não depende da economia extrativa de combustíveis fósseis e isso vai avançar e vão procurar alternativas energéticas. Isto vai fazer com que o mercado para gás natural e para petróleo também encolha e vai haver um determinado momento em que esses países vão ter de ter outras atividades económicas.
Quando é que essa alteração de paradigma poderá acontecer?
Bola de cristal gostava muito de ter, mas acho que no espaço europeu a década de 30 vai ter uma incorporação muito grande de renováveis, até porque para a Europa não há uma alternativa. Se a Europa se quiser defender de volatilidades de preços energéticos tem de produzir os seus próprios energéticos e produzir a sua própria eletricidade. Vai ter um caminho de dificuldades, vamos ter obstáculos, mas vamos ter de os ultrapassar, porque o modelo de desenvolvimento socioeconómico europeu depende de conseguirmos ser autossustentáveis em energia, como vimos quando aconteceu em 2022 a invasão da Ucrânia com a questão de termos de bloquear a importação do gás natural russo. O resto do mundo, não sei, mas a China e a Índia são elementos importantes do ponto de vista das emissões e, se somados, devem ter neste momento três mil milhões de habitantes e com as projeções que se anteveem, provavelmente quatro mil milhões em 2050. Portanto, essas economias, se não conseguirem dar esse passo, vão ficar fechadas naquele espaço económico. Acho que os Estados Unidos, a Europa, a Austrália e outras economias vão começar a não aceitar a importação de bens que tenham esse conteúdo de carbono. Estamos a falar em dar passos.
Esta semana, o Conselho das Finanças Públicas apontou como um dos riscos orçamentais para os próximos 15 anos o risco climático. O Conselho afirma que Portugal tarda a implementar e executar as ações e medidas propostas, incluindo as metas da Lei de Bases do Clima. É certeiro este aviso?
A Lei de Bases do Clima tem muitas dimensões. Sobre as dimensões com que não lido no dia a dia, como a agrícola ou outros equivalentes, não me consigo pronunciar. Agora, é óbvio que, por exemplo, todo o nosso sistema de recolha de águas pluviais ou de resolução de enchentes e de cheias, porque tal como temos vindo a perceber, cada vez que chove um pouco mais há cheias, o nosso sistema está longe de estar adaptado às alterações climáticas. Temos muita infraestrutura que tem de ser construída por forma a que, do ponto de vista de cheias, do ponto de vista de fogos, todos esses impactos extremos das alterações climáticas sejam mitigados. Quando vemos a capacidade que temos de resposta aos fogos ou a capacidade que temos, por exemplo, na Baixa [de Lisboa] ou em Algés, onde com qualquer pequena chuva ficamos inundados, obviamente temos de resolver esse problema, porque o comportamento climático está alterado. Cada vez temos chuvas menos frequentes, mas cada vez com mais intensidade, ou seja, chover em horas aquilo que normalmente poderia chover num mês e isso vai ter impactos. Não sei exatamente em que dimensões é que o Conselho de Finanças Públicas está a referir, mas o que posso dizer é que, do ponto de vista da energia e nomeadamente na eletricidade, esse caminho está a ser feito. Atualmente, em Portugal, em termos da União Europeia, somos o quarto país com maior incorporação de renováveis na produção de eletricidade e temos uma meta para 2030 que nos levaria a ter 80% a 85% de incorporação de renováveis na produção de eletricidade. E obviamente esse é um grande passo, porque o sistema electroprodutor é um dos primeiros a ter de ser descarbonizado, a par da indústria pesada. E aquela parte que pode ser diretamente eletrificada com fontes renováveis e outra parte não pode, vai precisar de combustíveis renováveis de origem não biológica. Não me consigo pronunciar além das dimensões da energia e destes exemplos de senso comum.
O Conselho de Finanças Públicas adianta também que há um atraso na criação dos chamados orçamentos de carbono que estabelecem limites de emissões de gases com efeito de estufa. Neste sentido, para o país e para cada setor, o que é que acha que vai acontecer para resolver esta situação?
Até há pouco tempo, tínhamos o sistema de comercialização de emissões na União Europeia restrito à produção de eletricidade e a um conjunto de indústrias ou de setores industriais. E o que o Green Deal, ou seja, o Pacto Ecológico Europeu, está a programar é que, para que consigamos ser efetivos do ponto de vista das reduções das emissões de gases de efeito de estufa e de dióxido de carbono. Dentro dos gases de efeito de estufa, temos de alargar a comercialização da licença de emissões (ETS na sigla inglesa) e trazer outros setores para dentro do pagamento de emissões. E os dois setores mais importantes que vamos passar a trazer, não sei se já é em 2027 ou em 2028, é o edificado e tudo o que são transportes. Ou seja, não pagávamos ETS nem no transporte rodoviário, nem no transporte ferroviário, nem no transporte aéreo, não pagávamos ETS de poluição nos edifícios. Pagávamos uma componente de poluição no IUC dos carros, mas isto vai ter um alargamento a outros setores.
Mas esse alargamento está atrasado ou não?
Não, esse alargamento, neste momento, ainda está em linha com o que a Comissão Europeia tinha previsto no pacote de energia limpa para todos os europeus. O que é curioso é que em três anos, ou num espaço de cinco anos, tivemos três pacotes energéticos quando normalmente costumávamos ter um a cada quinze. Começámos a ter o pacote de energia limpa para todos os europeus em 2016. A coisa foi avançando. Em 2020 tivemos a pandemia, e antes já estava a ser desenhado o pacote ecológico europeu. Depois tivemos o Fit for 55 porque começámos a ver que as medidas que estávamos a tomar não estavam a mitigar as emissões na taxa que era necessário. E depois, quando há a invasão da Ucrânia, temos o Repower EU para, a tudo isto, adicionarmos o fator da segurança energética com a independência energética e a autonomia energética. Nesse enquadramento, no fundo, esses programas todos e este alargamento do ETS, na realidade é para forçar a saída do carbono de grande parte da economia e da sociedade.
Mas esse alargamento a vários sectores pode incrementar o desenvolvimento das renováveis?
Vai ter de incrementar, porque o tema é quase uma cadeia de valor. Se efetivamente quisermos descarbonizar, com as tecnologias que temos atualmente para conseguir ter previsibilidade e escala na descarbonização, então temos de produzir eletricidade de fundos renováveis, temos de eletrificar a maior parte dos consumos, ou seja, a mobilidade ligeira tem de passar a ser elétrica. Os eletrodomésticos que temos em casa, que ainda temos fogões a gás ou caldeiras a gás, têm de passar a ser elétricos. Quando começarmos a ter essas medidas todas vamos aumentar a eletrificação e vamos resolver uma parte do problema. Falta uma outra parte do problema, que são os tais setores de difícil transição. Há processos industriais que precisam de energia térmica de elevada temperatura e a eletrificação direta, com a tecnologia que temos atualmente, não supre essa necessidade. Vamos ter de resolver o problema de ter um gás combustível ou um líquido combustível. E para irmos para os gases ou líquidos renováveis de origem não biológica temos de os produzir a partir de processos que dependem de eletricidade renovável. O hidrogénio verde, que é o primeiro passo, através do eletrólise da água, além dos consumos que tenho de eletrificar, se decidirmos produzir hidrogénio para depois conseguir produzir combustíveis sintéticos de origem não biológica ou combustíveis renováveis de origem não biológica, precisamos de estar sempre a aumentar a potência renovável. Vamos precisar de aumentar a potência renovável só para o aumento da eletrificação direta e depois precisamos de aumentar a potência renovável para o que chamo de eletrificação indireta, que é conseguirmos suprir eletricidade de fonte renovável para produzir hidrogénio verde e depois os combustíveis renováveis de origem não biológica.
No âmbito da discussão do Orçamento do Estado para 2024, a APREN pediu uma revisão urgente da chamada Fiscalidade Verde. O que é que está por fazer nesta matéria?
Há três anos, pedimos à Deloitte para fazer uma análise de como poderíamos criar uma fiscalidade que incentivasse a descarbonização sem que onerasse o contribuinte e que não deixasse o Estado em défice fiscal. Primeiro, temos de ter medidas de incentivo e de apoio a quem tem estabilidade económica do ponto de vista fiscal para conseguir mudar comportamentos, de passar de combustíveis fósseis para combustíveis renováveis ou para eletricidade renovável. Também precisamos de começar a criar mecanismos como não penalizar, por exemplo, através da contribuição especial sobre o setor energético. A famigerada CESE, neste momento, não faz sentido ser aplicada a centros eletroprodutores de fonte renovável, porque estamos a fazer uma penalização fiscal quando estamos a ter um contributo indireto para que o país não compre licenças de emissão e que isso seja repassado aos consumidores de eletricidade. Há um conjunto de medidas fiscais que têm de ser efetivamente incentivadas e a filosofia que está subjacente a estas medidas é que consigamos migrar os comportamentos de consumo de fóssil para renovável e fazer isso com uma arquitetura suficientemente inteligente. Está demonstrado através desse estudo que é possível que não se onere a carga fiscal ao contribuinte, que não se onere a estrutura de custos ao consumidor e que consiga, de alguma forma, obviamente, não levar o Estado a criar aqui um défice fiscal para suportar essas medidas. Este é o triângulo que temos de conseguir resolver e depois, obviamente, é necessário criarmos políticas concretas, mensuráveis, definirmos essas políticas, implementarmos e, depois, conseguimos monitorizar anualmente se está a surtir o efeito que pretendemos alcançar.
Falou na contribuição extraordinária para o setor energético. O fim da CESE devia ser uma das prioridades ou devia estar no debate político destas próximas eleições legislativas?
A CESE é um dos elementos de um conjunto de coisas que têm de ser discutidas na campanha eleitoral. Uma delas é efetivamente conseguirmos – uns explicar e outros ter paciência para – entender que todas estas agendas que Portugal está a pôr em cima da mesa são um resultado direto. Estávamos, no fundo, incluídos no espaço da CESE na União Europeia e temos de seguir as diretivas que são aplicadas a todos os países da União Europeia. Neste caso não são só os países do Euro, são mesmo os países da União Europeia. Vamos ter de ter aqui um trabalho de continuidade daquilo que tem vindo a ser feito e estou a falar mais concretamente nos últimos quatro ou cinco anos, porque são aqueles em que estou a olhar para isto mais de perto e que estou envolvido diariamente neste enquadramento. É fundamental que discutamos que futuro energético é que queremos para o país e que, em princípio, será uma política de continuidade, mas o que podemos discutir é como é que vamos lá chegar. E isso é fundamental, porque antecipa-se que venhamos a ter um ordenamento para um quadro parlamentar muito distinto daquilo que tivemos até agora e é preciso que consigamos criar mensagens claras e passar a informação necessária que permita aos partidos políticos terem uma noção concreta de como é que o setor ainda está estruturado. E,, no fundo, que há um conjunto de detalhes que são deixados aos Estados-membros para decidir, mas toda a base, os alicerces da política energética quem a define é a Comissão Europeia e depois implementa dentro do espaço da União Europeia.
Será preciso um compromisso de regime para as questões energéticas?
Tem de haver um compromisso de regime e é um compromisso de regime que não depende só de Portugal decidir autonomamente, não é? Ele está ligado ou dependente daquilo que a Comissão Europeia ou que a União Europeia decida, que depois a Comissão Europeia proponha e que o Parlamento e o Conselho Europeu aprovem e decidam em que tem de ser feito.
Nesse sentido, quais é que deveriam ser as prioridades de um próximo governo do ponto de vista energético?
A grande prioridade que temos de ter é olharmos para as metas e tentarmos perceber que aquelas metas têm de ser exequíveis. Não só por uma questão ambiental, não só porque isso aumenta a competitividade da economia do país, porque atualmente sabemos que as formas mais baratas de produzir eletricidade são através de energia solar e energia eólica e obviamente que toda a cadeia de valor assim se vai comportar. E Portugal, ou neste caso a Península Ibérica, felizmente, possui um portefólio entre ar, sol e água que é absolutamente complementar e que nos coloca numa posição muito favorável face ao resto da União Europeia.
Há cerca de um mês a Deloitte divulgou um estudo que fez para a APREN, em que concluía que as energias renováveis geraram poupanças anuais médias de até 1600 euros na fatura de eletricidade das famílias portuguesas, com consumos até 5000 kWh por ano. Isto relativamente a 2022. Teria feito mais sentido apostar mais nas renováveis do que, por exemplo, no mecanismo ibérico para controlar os preços da eletricidade?
Sim, muito mais sentido, porque o mecanismo ibérico é uma arte de fiscalização do mercado de eletricidade spot. Ou seja, o que é que estou a fazer com o mecanismo ibérico? Estou a pôr um teto no preço do gás natural, independentemente de o preço real do gás natural ser muito acima daquele que está a ser imposto administrativamente e depois alguém tem de pagar esse delta, não é? E esse delta vai acabar por ser pago pelos consumidores. Não faria sentido nenhum ter aumentado a produção de eletricidade renovável com toda a matriz, mas reduzir a sua dependência na formação do preço do gás natural, era o que devia ter sido feito. Ou seja, como é formado o preço horário? No mercado elétrico são feitas ofertas de venda e intenções de compra hora a hora. E cada vez que não tenho combustíveis fósseis, cada vez que entro com o gás, como chegou a estar a 200 euros por megawatt-hora, no mínimo, vou ter de fechar a eletricidade naquela hora, se precisar de fechar com gás natural, a 400, 450. Quanto mais eletricidade de fonte renovável tiver no mercado, menos vou precisar de recorrer a combustíveis fósseis, porque não controlo a volatilidade do preço e sei que vou ter de pagar as licenças de emissão da produção desse megawatt-hora a partir de fóssil, mais barato vai ficar o sistema. É óbvio que deveríamos apostar muito mais na massificação da implementação de potência renovável em detrimento de qualquer mecanismo que limite o preço, até porque isso viola um conjunto de tratados, a menos que seja uma situação absolutamente emergencial em que possamos impor regras ao mercado de uma forma administrativa.
Essa massificação da produção renovável passa muito pela instalação offshore?
Não passa muito, passa também.
Mas estamos a falar de 10 GW que Portugal pretende instalar offshore. É todo um processo que fica parado com este Governo de gestão?
Estes processos de infraestruturas de eólica offshore são projetos que, desde a sua conceptualização inicial até se ter um conjunto de turbinas a operar e a fornecer eletricidade aos sistemas, podem demorar entre sete e dez anos. Estamos na fase em que temos que definir as regras de pré-qualificação das empresas que se podem habilitar a serem operadoras de produção de energia, de eletricidade de fonte eólica offshore, em Portugal, e depois vamos ter que fazer um processo concorrencial de atribuição do espaço marítimo onde essas turbinas vão ficar instaladas e, depoi,s um segundo processo de atribuição de um ponto de ligação à rede, que a lei atualmente determina que tem que ser feito por processo concorrencial e vai ser preciso atribuir um mecanismo de estabilidade de preço a essa tecnologia.
Ou seja, perder aqui seis meses a um ano não é relevante?
Não, é relevante, porque estamos a olhar para a data de 2030. Se estamos a chegar a 2024 e perdemos um ano, é relevante. Se tivéssemos 20 anos para fazer isto, diria que um ano não é crítico, mas num horizonte de seis anos, um ano é muito. Agora, o que temos de fazer é sempre a mesma questão: temos de ser capazes, todos estes stakeholders – entre o setor privado que investe, quem opera as centrais, todo este cluster empresarial e industrial, a modernização dos portos, a industrialização de que Portugal pode beneficiar por instalar a eólica offshore -, tudo isso tem de andar integrada e coordenadamente, porque se não andar vamos ficar sempre por um à espera dos outros. É preciso fazer um planeamento como se estivéssemos a planear a construção de um Airbus A380. Tem de ser com esse nível de precisão.
Relativamente ao licenciamento de projetos de energia renovável em terra, a APREN lançou recentemente, creio que em setembro, um guia para, de alguma forma, acelerar esses processos ou apoiar alguma aceleração nesses processos. Já há algum retorno? Qual tem sido o retorno após o lançamento desse guia?
Deixe-me explicar-lhe a lógica. Vamos ver o retorno para a frente e no que temos de instalar, mas só para termos aqui um número antes de ir aí, estamos com cerca de 17 GW de potência renovável instalada, ou seja, devemos estar com 9 GW de hídrica, 5,6 GW de eólica e cerca de 3 GW de fotovoltaica. Mas as metas que temos para 2030 são 20 de fotovoltaica, dez de eólica onshore, dois de eólica offshore, o que implica quase triplicar para estarmos em linha com o Double Down, Triple Up. Este guia pretende, efetivamente, tornar o processo de licenciamento num denominador comum em que todas as entidades que entram nesse processo interpretam todos os conceitos da mesma forma. Ou seja, a ideia do trabalho conjunto que fizemos com a Agência Portuguesa do Ambiente, com a Direção-Geral de Energia e Geologia e com a Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, foi para o licenciamento ambiental e para o licenciamento elétrico. Sempre que um processo é instruído de uma determinada forma, as entidades concordam com as interpretações que lá estão e esse foi o grande passo que fizemos. E o objetivo, agora, é que a implementação disso para os tais 20 gigawatts, ou 23, 24, quase 30 gigawatts que são necessários instalar até 2030, que essa experiência e esse guia acelerem os processos que vêm daqui para a frente. O guia é um primeiro passo. Vai poder ajudar a definir os processos e os procedimentos das entidades, vai poder ajudar na formação de pessoas de que a interpretação daqueles conceitos jurídicos que estão ali e que têm de ser cumpridos tem de ser aquela. O objetivo é esse. Vamos começar a ver os efeitos do guia se calhar daqui a um ano, um ano e meio, porque um projeto renovável em Portugal demora no mínimo três a quatro anos.
Já aqui falámos na questão dos licenciamentos em perspetiva para a produção de energia renovável. Com tantos licenciamentos em perspetiva, vão ser precisos novos pontos de acesso à rede?
É preciso aumentarmos a cobertura geográfica da rede e é preciso aumentarmos a capacidade da rede. Vamos ter de aumentar a possibilidade de injetar mais potência na rede. Pode ser, entre aspas, em alguns dos mesmos pontos geográficos, reforçando subestações e linha elétrica, mas estou convencido de que é preciso ainda ir para uma área do país que não tem rede, nem transporte, nem distribuição para aproveitar as condições, nomeadamente no Alentejo interior, de radiação solar que têm para contribuir para o mix nacional.
Mas os produtores garantem essa rede, esses pontos de acesso?
Os produtores não têm de garantir a rede de acesso. Voltando ao Decreto-Lei 15 de 2022, tínhamos três formas de ter o acesso à rede. Um era o processo convencional, que já existia antes da publicação de 15/22, e depois tínhamos mais duas modalidades. Um, por um procedimento concorrencial que tem de aguardar pela expansão da rede, e o outro que é os promotores proporem-se a construir e a reforçar eles próprios a rede que precisam para ligar os seus projetos. Diria que do ponto de vista do fotovoltaico, até 2030, grande parte dos projetos vão estar através dos acordos com os operadores de rede de transporte e distribuição. Ainda poderemos fazer alguns leilões, mas efetivamente a rede elétrica tem de ser reforçada.
Com esse reforço da rede elétrica e com mais de 25 GW de licenciamento até 2030, que é a data do fim do Plano Nacional de Energia e Clima, o Estado local e o Estado central vão ter capacidade de licenciamento?
Vamos ter de modernizar e aumentar a capacidade das entidades afetas ao licenciamento. Para o licenciamento elétrico, para o licenciamento ambiental e também para as licenças de construção que estão dentro da competência dos municípios e, portanto, não são só as direções-gerais e as agências que precisam de modernização, de reforço de pessoas, de aumento de capacidades tecnológicas, de sistemas de informação e de uma grande massificação de digitalização. Também os municípios vão ter que, dentro das comunidades intermunicipais se não houver densidade de população que consiga justificar esse acréscimo, ou até com o apoio que possa ser dado em termos nacionais pela Associação Nacional de Municípios.
Como é que exatamente os municípios podematuar proactivamente em benefício de todos estes processos?
No fundo, e a APREN em 2024 vai iniciar esse processo, porque este primeiro guia de licenciamento era só afeto ao licenciamento ambiental e licenciamento elétrico, não entrámos no âmbito do licenciamento de construção. E vamos, obviamente, começar por nos dirigir à Associação Nacional de Municípios, que é a entidade que representa a totalidade dos municípios, e começar a tentar simplificar também estes processos que têm a ver com a licença de construção. As licenças de construção atualmente ainda estão muito baseadas para os centros electro operatórios na construção do edificado. Temos de simplificar isto. Vou-lhe dar alguns exemplos caricatos. Não faz muito sentido pedir um projeto de água e esgotos de uma central fotovoltaica, provavelmente nem de uma central eólica. E esta simplificação é, quando tenho um regime de licença de construção do edificado e estou a fazer aqui uma adaptação para conseguir licenciar, do ponto de vista construtivo, centrais eletro-operatórias renováveis, também vou ter de criar essa simplificação e criar, no fundo, um guia que seja aprovado pelo representante dos municípios e pelos municípios em si, que também dê confiança aos técnicos das câmaras municipais naquilo que estão a aprovar.
Ainda não falámos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que tem um dos pontos-chave à transição climática. Neste aspeto da transição climática e relacionando com as renováveis, o PRR está a ser bem executado?
Não tenho informação para poder dar uma opinião sobre isso. O PRR está muito para o lado do consumo de energia, não está para o lado da oferta da produção de energia. O PRR foi muito direcionado ao lado da procura e não ao lado da oferta. Sabemos que há vários projetos que estão em curso, desde industrializações para a produção de combustíveis sintéticos, a ótica da produção de hidrogénio no local de consumo, temos muitas indústrias que estão a concorrer para ter projetos e dotações orçamentais para aumento de eficiência energética, que é absolutamente relevante para autoconsumos remotos e autoconsumos locais. E essas medidas são as que antevemos que estejam a ser levadas no lado da questão climática e da transição energética, mas estão, diria, 98% delas do lado do consumo, ou seja, do lado da procura e não do lado da oferta.
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