Falta de transparência, pouco controlo e objetivos imprecisos. São estas algumas das falhas que o Tribunal de Contas encontra no Fundo Revita, o instrumento criado pelo Governo para gerir os 7,3 milhões de euros de donativos destinados a reconstruir as casas afetadas pelos incêndios de junho de 2017.
Para os auditores, na constituição do fundo “não foram antecipados os riscos de comportamento não ético ou de fraude e corrupção”.
No relatório de uma auditoria pedida pela Assembleia da República publicado esta quinta-feira, o Tribunal de Contas (TC) conclui que enquanto instrumento de ajuda humanitária, o Revita não se enquadra “numa política coordenada de assistência com base em donativos solidários”. Os auditores afirmam que os sistemas de controlo e de gestão dos riscos éticos do Fundo são “insuficientes”, e que o seu grau de transparência é “não satisfatório”.
A lista de falhas não fica por aqui. Na análise à regularidade da execução do Fundo, o TC diz que apesar de terem sido definidas regras para a concessão dos apoios, estas foram imprecisas e insuficientemente divulgadas. Como tal, não ficou garantido que os apoios “tenham sido concedidos apenas aos beneficiários e situações que cumpriam os critérios da ajuda”.
Os auditores encontraram ainda “vários défices de transparência na utilização dos fundos”. É que apesar de terem sido publicados relatórios trimestrais de execução, “os critérios para a concessão dos apoios não foram claros”, a comunidade afetada foi pouco envolvida, “a lista de beneficiários e apoios concedidos não foi publicada”, tal como as contas prestadas pelos mesmos.
Já no que toca à aplicação dos donativos na reconstrução das casas, o TC reconhece que foi salvaguardada a não sobreposição dos apoios. No entanto, houve “défices de controlo” e a “possibilidade de desvios relativamente ao critério definido”.
Por isso os auditores colocam a hipótese de a ajuda ter sido aplicada de forma pouco eficaz, “embora se tenha observado um grau elevado de concretização dos apoios num tempo razoável e os mesmos tenham sido, em geral, distribuídos para os fins destinados e na proporção das necessidades”, ressalva o relatório.
Propósito dos donativos não foi respeitado
Outra das lacunas detetadas pelo TC prende-se com os apoios dados a quem teve prejuízos agrícolas. Isto porque o Revita foi constituído inicialmente para apoiar a reconstrução de casas afetadas pelos incêndios de 17 de junho em Pedrógão Grande. Mas durante o processo foi decidido que o Fundo também iria apoiar prejuízos agrícolas.
E se a reconstrução das habitações foi alvo de escrutínio, o mesmo não aconteceu nos apoios à agricultura, “na qual nem sequer foi definido o fim a que se destinava o apoio”. O dinheiro destinado à ajuda agrícola já foi todo aplicado, “embora sem qualquer controlo sobre a sua utilização e ajustamento aos objetivos”, destacam os auditores.
Do montante total do fundo, 58%, ou 3,4 milhões de euros, foram aplicados em ajuda aos danos na agricultura. Já 41%, ou 2,5 milhões de euros, foram aplicados na reconstrução de habitações.
Para os auditores, o propósito de que os donativos “teriam como destino específico o financiamento” de habitações “não se mostra integralmente respeitado”. Das 99 casas a financiar pelo Revita, 79 já estão concluídas, 5 encontram-se em execução e 15 estão suspensas, devido a suspeitas de irregularidades.
Há um “montante significativo” de recursos por aplicar
O relatório não deixa passar em claro as irregularidades detetadas nas situações em que se verificou que o dinheiro estava a ser aplicado em casas de segunda habitação. “Embora só futuras decisões judicias permitam dar uma resposta inequívoca a esta questão, o Ministério Público identificou vários casos” em que isso terá acontecido. São 9 casos num universo de 100, que totalizam 596 mil euros de apoios prometidos, dos quais 232 mil euros já foram pagos.
A maior parte do dinheiro foi aplicada em Pedrógão Grande, o concelho mais atingido pelos incêndios. O Revita ainda dispõe de 815 mil euros de fundos por aplicar, numa altura em que faltam equipar 32 casas.
O relatório conclui que “tendo o apetrechamento de 42 casas custado 170,9 mil euros (…) conclui-se que o Fundo dispõe ainda de recursos por aplicar num montante significativo, que não estão destinados”. Se o dinheiro não for usado para o seu propósito inicial, o Governo terá de decidir o destino da sua aplicação.
As recomendações do TC
Da análise do Tribunal de Contas resultaram recomendações ao Governo, à Assembleia da República e à gestão do Revita.
Ao Executivo e à AR os auditores recomendam que “ponderem a elaboração de um quadro legislativo global que regule a ajuda solidária”, sendo de equacionar o controlo público dos donativos, apesar de estes serem quase exclusivamente privados.
O TC recomenda ainda ao Governo que defina um “sistema coordenado de planeamento do auxílio à reconstrução e reabilitação na sequência de calamidades, contemple a definição prévia de procedimentos, divisão clara de responsabilidades e mobilização padronizada de recursos a aplicar”.
Ao Conselho de Gestão do Revita é aconselhado que publique “todos os apoios concedidos e que promova a utilização das verbas remanescentes em favor das necessidades por satisfazer, num prazo compatível com a premência dessas necessidades”.
Deixe um comentário