Os dados são da ATM-Associação de Investidores e Analistas Técnicos do Mercado de Capitais. Ao todo, correm na justiça 16 processos e ações populares de pequenos investidores, relacionados com o setor financeiro e a bolsa. “A maioria dos processos diz respeito a direitos imateriais, como por exemplo a impugnação de deliberações sociais, mas estimamos que os processos em causa possam ter um impacto superior a 4 mil milhões de euros no seu cômputo, considerando as ações populares”, revela ao Dinheiro Vivo Octávio Viana, presidente da ATM. “Resumindo, temos 16 processos, dos quais seis são ações populares e 11 com pedidos de reenvio prejudicial para o Tribunal Europeu”, adiantou.
O último processo que a ATM iniciou deu entrada a 18 de setembro de 2019 e está relacionado com alienação potestativa de ações de um casino. O processo mais antigo tem mais de cinco anos. “Em nenhum país civilizado pode haver justiça quando se espera cinco anos”, lamenta.
Existem quatro processos nos tribunais administrativos e fiscais, de Loulé e de Lisboa, dois dos quais estão relacionados com a venda potestativa das ações da Luz Saúde. Quanto aos outros dois, são relativos à resolução do BES e responsabilidade do governador do Banco de Portugal, tendo sido as primeiras ações populares intentadas. Dos quatro, dois dos processos têm um pedido de reenvio para decisão prejudicial pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) para interpretação da diretiva das Ofertas Públicas de Aquisição (OPA). Três dos processos são ações populares. “Bruxelas já pediu certidões ao processo para o poder acompanhar, pois poderá vir a ser aberto um procedimento contra Portugal por violação da diretiva das OPA”, indica Octávio Viana. Destes processos, dois têm mais de cinco anos, “sendo que num deles ainda nem sequer houve audiência de julgamento”.
Tribunais de Comércio mais céleres
Estão também em curso oito processos nos tribunais de Comércio do Porto, de Lisboa e Coimbra. Destes, “já em tribunais superiores, incluindo no Supremo Tribunal de Justiça e todos eles com pedidos de reenvio prejudicial para o TJUE para interpretação de várias diretivas, nomeadamente das OPA e do direito dos acionistas”.
Segundo Octávio Viana, “os processos nos tribunais de comércio são os que têm andado de forma bastante expedita e sem demoras”. “Os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, quando relacionados com questões desta natureza e principalmente quando caem num coletivo de juízes desembargadores que temos vindo a observar, tem sido de elevada qualidade e cuidadosamente fundamentados, o que contrasta com os tribunais administrativos e fiscais”, salienta o responsável.
Inclui-se aqui um processo contra a Partan, relativa à venda da Tranquilidade. “Perdemos as providências cautelares, quando um fundo de investimento, com providência igual, a venceu no Tribunal da Relação, tendo a garantia da Tranquilidade sendo feita em fraude à lei”, sublinha.
Existem ainda quatro processos nos tribunais cíveis de Lisboa e do Porto, três dos quais ações populares, todos com pedidos de reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia. “Um deles, ação popular, está há mais de um ano no Supremo Tribunal de Justiça sem andamento”, indica Octávio Viana. “Nesse processo discutimos uma prática comercial considerada ilegal (coercive tie selling) praticada pelos bancos”, explica.
A par do processo judicial a ATM apresentou queixa na DG-Competition (Autoridade da Concorrência Europeia) “que ficou sensibilizada para o assunto, mas que por não ser uma pratica generalizada em vários Estados-membros mas apenas circunscrita a Portugal, considerou que a atuação devia ser a nível nacional junto da Autoridade da Concorrência.”
Bruxelas alertou o Banco de Portugal, a AdC e o governo para o desalinhamento da lei nacional com a diretiva europeia em questão, ao ponto de poder ser aberto um procedimento contra Portugal. Em consequência o governo aprovou a lei 57/2020 de 28 de agosto (que entra em força próximo novembro) que altera o DL 74-A/2017 por forma a alinhar-se pela diretiva impedindo tal prática ilegal pelos bancos. “Ou seja, Bruxelas, as autoridades nacionais e o próprio governo agiram mais rapidamente do que os próprios tribunais. Sendo de sublinhar que apesar de ser notório para todos que a prática é ilegal e que a lei portuguesa violava o disposto na Diretiva, o tribunal de primeira instância achou que não, nem era ilegal, nem violava a diretiva”, destaca o presidente da ATM.
Além destes casos, a associação tem dois processos nos Julgados de Paz de Vila Nova de Gaia e Lisboa, relacionados também com essa prática ilegal (coercive tie selling). “Em ambos os processos foi também pedido o reenvio para decisão prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia, o que parece ter sido pela primeira vez suscitado nos Julgados de Paz (que são equiparados a verdadeiros tribunais pela Constituição Portuguesa)”, refere.
Embora estes processos estejam relacionados com as telecomunicações, no caso com a Vodafone, e portanto saindo do escopo da ação da ATM, a associação está a acompanhar e a ajudar, “uma vez que esse resultado pode ser transposto para a esfera dos consumidores de produtos financeiros – como por exemplo investidores com contas bancárias e de gestão de ativos”, conclui Otávio Viana.
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