//Peru, um milagre económico à espera de ser descoberto

Peru, um milagre económico à espera de ser descoberto

Uma vez por mês, José Alvarez Quintero troca o Largo do Calhariz pela Avenida Javier Prado. A primeira diferença entre Lisboa e Lima é que na capital do Peru o administrador da Fidelidade não precisa de beber café. “Atravessar a rua dá-me adrenalina suficiente para acordar”, confessa.

No início do ano, a Fidelidade comprou 51% da seguradora peruana La Positiva por 93 milhões de euros e o caos da mega metrópole passou a fazer parte do dia-a-dia de José Quintero, presidente da holding que gere a parceria. Em entrevista ao Dinheiro Vivo, o gestor não poupa elogios ao país que tornou a Fidelidade uma “pequena multinacional”. Até do caos aprendeu a gostar.

“É o país da América Latina que mais cresceu nas últimas duas décadas, que mais reduziu a pobreza, tem uma inflação controlada, uma dívida pública de 25% do PIB e bons recursos humanos”, explica o administrador da Fidelidade, nas vésperas da visita oficial do presidente do Peru, Martín Vizcarra, a Portugal.

Se os ingredientes estão lá todos, porque é que as relações económicas entre os dois países ainda são tão sumidas? Segundo os dados da AICEP, em 2018 o Peru surgia apenas no lugar 68 na lista de clientes de Portugal, e na posição 72 enquanto fornecedor. Ainda assim, o cenário já foi pior. Desde 2011, o número de exportadoras portuguesas para o Peru mais do que duplicou. A crise terá ajudado os portugueses a atravessar os Andes.

“Há uns anos fomos ao Peru com uma empresa portuguesa, que foi reunir-se com uma grande empresa de engenharia. Ouviram o que tínhamos a dizer e no fim perguntaram: ‘Porque só se lembram de nós quando estão em crise?’.”

A história é contada por Filipe Domingues, secretário-geral do Instituto para a Promoção da América Latina e Caraíbas (IPDAL), uma das organizações que têm trabalhado nos últimos anos para diminuir a distância entre Portugal e os países a sul do Equador. As três visitas que fez ao Peru ajudam o responsável a traçar o retrato do “milagre económico” do Pacífico sul.

“Ainda há muita falta de informação. As empresas portuguesas estão habituadas a ter negócios na União Europeia e nos países de língua portuguesa. É desconhecimento, aliado à falta de interesse por mercados mais longínquos”, sublinha. Mas o potencial está lá, garante. “Quem tem apostado no Peru de forma séria e a longo prazo tem-se saído bem. Veja-se o exemplo da Mota-Engil, que não foi por acaso que começou a sua internacionalização no Peru.”

Lima, 08/11/2014 - Reportagem no Perú, Cidade Machu Pichu - Vale Sagrado ( Leonardo Negrão / Global Imagens )

( Leonardo Negrão / Global Imagens )

Foi há 20 anos que a construtora portuguesa apanhou a caravela em busca do Eldorado peruano. “É um mercado exigente, com elevados parâmetros de qualidade, mas a experiência e a competência têm-nos permitido estar entre as maiores construtoras do mercado. A nossa obra de maior relevância é o empreendimento mineiro de Las Bambas, uma das maiores minas de cobre do mundo”, destaca fonte oficial da Mota-Engil.

Mais recente é o investimento da EDP. No final de 2017, a elétrica, em parceria com a China Three Gorges, investiu 430 milhões na construção de uma barragem. Um colosso que deverá começar a funcionar em 2022, adianta fonte oficial da EDP ao Dinheiro Vivo. “Entre os fatores mais atrativos do país destacamos a estabilidade jurídica e monetária, a capacidade de crescimento, nomeadamente económico, e o consequente aumento do consumo de energia.”

Quem conhece bem o país sublinha que é na falta de infraestruturas que podem estar as maiores oportunidades para as empresas portuguesas. “Estima-se que seja necessário investir 70% a 80% do PIB para recuperar esse défice. Falta desenvolver a rede rodoviária, ferroviária, as comunicações, entre outras”, adianta José Quintero.

Algumas empresas nacionais já estão à espreita. Ao que o Dinheiro Vivo apurou, há concorrentes portugueses na corrida a uma grande obra do setor dos transportes. E há bem pouco tempo, uma empresa portuguesa participou, sem sucesso, num concurso para a instalação de fibra ótica numa região peruana.

Mas na vasta paisagem peruana não há só espaço para grandes empresas. Há mais de um ano que a Casa da América Latina tem vindo a divulgar os Jogos Pan-Americanos, que decorrem em agosto no Peru, e precisam de fornecedores para quase tudo.

“Os organizadores vieram cá e nós juntámos algumas empresas da área do desporto e não só, para lhes dar a conhecer. É quase certo que algumas conseguiram assegurar o contrato. Nomeadamente empresas de consultoria”, conta Cristina Valério, coordenadora da Programação Económica e Empresarial da Casa da América Latina.

Cusco, 09/11/2014 - Perú , Cusco - Ollantaytambo Hotel Aranwa ( Leonardo Negrão / Global Imagens )

( Leonardo Negrão / Global Imagens )

Ter uma sede local, não olhar apenas para a sobrelotada Lima, encontrar um parceiro, comunicar em espanhol, ir sempre representado ao mais alto nível e identificar um nicho de mercado são alguns dos conselhos que Cristina Valério e Filipe Domingues dão às empresas que queiram tentar a sorte a oeste do Brasil. Foi o que fez a PHC, uma empresa de software de gestão que está no Peru desde 2015, e onde mantém desde então “uma aposta forte”.

“Temos sido muito bem recebidos. No ano passado crescemos 170%. Neste momento temos um escritório em Lima, com uma equipa local de cinco pessoas, o software adaptado a especificidades locais e uma comunidade de parceiros certificados em crescimento. Estamos a consolidar a base de operação no Peru para mais tarde expandirmos para outros países da América Latina”, conta Ricardo Parreira, CEO da PHC.

Entre outros casos de sucesso português no Peru destacam-se a Parfois, que está entre as maiores exportadoras nacionais para aquele mercado, em que conta com seis lojas. Mas também a IT People, uma tecnológica que cria soluções de realidade aumentada, que começou a desbravar a cordilheira no final de 2017.

As relações bilaterais entre Portugal e Peru ganharam força em 2014 e 2015, explica Cristina Valério. Foi nessa altura que “muitas empresas foram pela primeira vez ao Peru pela mão dos próprios peruanos, convidadas pelo governo, que levou a grande distribuição portuguesa a conhecer produtores e empresários locais, com o objetivo de conseguirem importar a um preço inferior. Quebrou-se um elo e aproximou-se oferta da procura”.

Segundo a responsável, descobriu-se nessa altura “o potencial de complementaridade das duas economias. Por exemplo, eles têm uvas num momento, nós temos noutro. Isto faz com que as empresas que vendem os mesmos produtos possam ser complementares e não concorrentes. As uvas do Vale da Rosa, quando abriram, tiveram consultores peruanos a trabalhar com eles”, conta.

Apesar do potencial, a mina de oportunidades peruana tem obstáculos pelo caminho. O maior de todos é bem conhecido dos portugueses. “A burocracia é o problema mais grave. Há projetos aprovados há dez anos que ainda não foram desenvolvidos”, diz José Quintero. Em Lima, para chegar ao tesouro, é preciso saber passar pelo caos.

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