Abrandamento económico resultante do novo coronavírus e da guerra de preços entre a Arábia Saudita e a Rússia, vai fazer baixar a gasolina em 12 cêntimos o litro e o gasóleo em oito cêntimos. O reverso da medalha são os impactos sobre a economia mundial e sobre as petrolíferas, como a Galp
Abastecer o carro a partir da próxima segunda-feira vai custar, em média, menos 12 cêntimos por litros na gasolina simples 95, para 1,346 euros, o que significa uma poupança da ordem dos seis euros para encher um depósito de 50 litros. No caso do gasóleo, a descida será menor, na ordem dos oito cêntimos, para 1,248 euros o litro, permitindo uma poupança global de quatro euros para atestar o depósito.
Esta é uma descida histórica, a maior descida de sempre na gasolina, que nas últimos três semanas já baixou 19 cêntimos – o gasóleo perdeu 14,5 cêntimos no mesmo período – e que resulta da quebra das cotações do petróleo nos mercados internacionais, provocadas pela guerra de preços entre a Rússia e a Arábia Saudita e agravada pelos receios do abrandamento económico decorrente da pandemia do novo coronavírus. E tudo indica que a situação é para durar.
“Os mercados são voláteis, por natureza. Com a catadupa de acontecimentos a que temos assistido, essa volatilidade aumenta e tudo indica que se vai manter com a catadupa de acontecimentos a que temos assistido, tendo o Covid-19 como problema de fundo, com o consequente abrandamento da economia mundial, mas agravado pela guerra de preços entre a Arábia Saudita e a Rússia. A decisão do presidente Trump de impedir a entrada de europeus é só mais uma acha para a redução da atividade económica”, diz o diretor geral da Associação Portuguesa de Empresas Petrolíferas (APETRO). António Comprido reconhece que, numa visão de curto prazo, a descida de preços possa parecer uma boa notícia para os consumidores, mas garante que arrastará consigo “impactos muito gravosos” na economia mundial.
Galp já perdeu 40% em bolsa desde janeiro
Que o diga a Galp que já perdeu mais de cinco mil milhões de euros em bolsa só nos últimos dois meses. A cotação da petrolífera liderada por Carlos Gomes da Silva registou mínimos à volta dos 8,50 euros a ação, o que representa uma queda semanal de cerca de 25% de mais de 40% desde o início do ano. “Os resultados da Galp vão ser impactados negativamente não só pela exposição ao mercado brasileiro, onde as margens estreitaram significativamente e podem dar lugar a perdas, mas também pelo abrandamento ou mesmo recessão económica devido ao impacto do Covid-19. Falta saber até que ponto esta cotação espelha esses impactos negativos, e se já desconta notícias negativas que possam surgir sobre o coronavírus”, diz Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa.
Este responsável lembra, no entanto, que “um regresso à mesa de negociações da Arábia Saudita e a Rússia, com uma concertação de posições, seria favorável para a Galp em consequência da provável recuperação das cotações do crude”. No início da semana, a empresa destacava que estas “ocorrências são cíclicas”, fazendo parte da “dinâmica dos mercados”, pelo que “devem ser endereçadas com serenidade”. A petrolífera reconhece que o ciclo atual é “desafiante”, mas diz-se “confiante”, dado o “perfil integrado” dos seus negócios. A Galp promete manter o seu foco na “otimização operacional das suas atividades, assentes numa elevada resiliência dos seus projetos e na robustez financeira da empresa”.
Certo é que os preços deverão “continuar pressionados nos próximos meses”, sobre tudo se a economia mundial abrandar, acredita Filipe Garcia, economista da IMF, lembrando que isso trará dificuldades aos orçamentos dos países mais dependentes do petróleo. “No caso de países emergentes com menor diversidade de receitas, a situação poderá mesmo ser muito preocupante, pelo menos em 2020”, diz, referindo-se, em especial, a mercados como o angolano e venezuelano, já que o Brasil, embora sofra também, “tem outras fontes de rendimento”. Para os consumidores portugueses, Filipe Garcia admite que “é de esperar” que se assista a uma diminuição dos preços dos combustíveis, em resultado desta pressão sobre as cotações do crude, no entanto, lembra que “o que temos visto em Portugal, ao longo do tempo, é que o Estado se tem vindo a apropriar de parte das quedas do preço do petróleo através dos impostos”.
Risco de aumento da carga fiscal
Tiago Cardoso, da Infinox, concorda, assumindo que a pressão se manterá “elevada” enquanto a Rússia e a Arábia Saudita não chegarem a um consenso sobre um corte da produção. “Pessoalmente, acredito que, na próximas semanas, os preços continuem a descer. A pressão é bastante grande nesse sentido”, diz. O que não significa que os consumidores retirem total vantagem dessa descida. Tiago Cardoso teme que o Governo não resista a aproveitar para subir o imposto sobre produtos petrolíferos (ISP).
Já Carlos Manuel de Almeida, do Banco Best, recorda que, já no início de março, e ainda antes do anúncio da Arábia Saudita, o petróleo “evidenciava sinais de pressão”. Nessa altura tinha já perdido um quarto do seu valor face ao início do ano, com a queda desta semana, a desvalorização é de 46%. “Em 11 semanas, o petróleo perdeu cerca de metade do seu valor”, diz.
O responsável da Direção de Investimentos do Banco Best considera que os efeitos da queda do preço do petróleo desta semana, trazem à memória o último trimestre de 2015 e o primeiro de 2016, quando o “preço do petróleo chegou a negociar abaixo dos 27 dólares por barril, tendo provocado, posteriormente, impactos adversos nas economias mais dependentes do petróleo”, designadamente a grave recessão económica em Angola. Ontem mesmo, o Presidente angolano avisou, em Luanda, que as previsões económicas do país “devem ser repensadas, revistas e ajustadas”, devido à pandemia do coronavírus e aos seus efeitos sobre os mercados. “O preço do petróleo bruto nunca tinha conhecido uma queda tão abrupta, em tão curto espaço de tempo, como nestes dias. Todas as economias do mundo, grande e pequenas, produtores e não produtores de petróleo, se ressentem, e cresce a incerteza no futuro mais próximo”, referiu João Lourenço, citado pela Agência Lusa.
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