No dia em que Marcelo Rebelo de Sousa começa uma visita oficial a visita a Angola, o presidente da Câmara de Comércio e Indústria Portugal-Angola deixa um alerta: O processo de regularização de dívidas pode vir a ser longo. João Traça reconhece que as dívidas às empresas portuguesas continuam a causar preocupação para quem pensa em investir, mas também explica que Angola não tem capacidade para pagar tudo de uma vez.
Nesta entrevista à enviada especial da Renascença a Luanda, o presidente da Câmara de Comércio e Indústria vai mais longe e avisa que é um erro as empresas portuguesas quererem investir em Angola em setores que não conhecem. Diz que dificilmente terão sucesso num mercado complexo em Angola e identifica oportunidades em áreas como o da indústria transformadora, pescas ou a agricultura.
Há uma grande expetativa em torno desta visita, pelo menos, em termos políticos. Acha que há possibilidade de que possa ser um incentivo para que exista maior investimento por parte dos empresários portugueses em Angola?
A visita de Marcelo pode e deve ser um incentivo para que haja maior investimento dos empresários (portugueses) em Angola. Estas visitas tradicionalmente, num contexto das relações Portugal-Angola não são um fator diferenciador, mas são claramente um contributo. Isto porquê? Porque as relações num contexto empresarial já datam de há vários anos e, portanto, o que nós temos são várias empresas que diariamente trabalham em Portugal e Angola. O que me parece importante destacar é que todos os dias são trabalhadas as relações e, pelo carácter estratégico que assumem para ambos os países e economias, penso que é muito importante que os presidentes e os políticos que lideram os países coloquem as questões empresariais como parte da sua agenda e dos motivos pelos quais se encontram.
Houve um afastamento nos últimos anos, em termos empresariais, muito causado pela crise em Angola e pelo incumprimento em relação às empresas portuguesas. Ouvimos ontem renovadas promessas de que as dívidas vão ser pagas, essa é uma questão que continua a preocupar quem pensa em investir em Angola?
Claro que preocupa, mas o aqui importante é nós vermos que ambos os governos assumem que isso é um problema, que está em cima da mesa e que está a ser trabalhado em conjunto para se encontrar uma solução. Eu penso que é importante nós termos noção que o contexto da economia angola não permite que se diga “bom, vamos então pagar ou não pagar”, porque tem a ver com uma questão de liquidez da própria economia e da capacidade de pagar essas dívidas, algumas já bastante atrasadas.
Afinal qual é a estimativa do valor dessa dívida? Porque ouvem-se dizer muitos números, mas não há um valor oficialmente reconhecido…
Que eu tenha conhecimento não, porque repare: o processo é complicado e complexo, são muitas empresas, envolve diferentes ministérios, diferentes organismos do Estado angolano, diferentes obras, portanto é tudo demasiado complexo para podermos dizer que isto consegue ter uma data de encerramento.
Que oportunidades identifica para os empresários portugueses que queiram investir em Angola? O que é que ainda há por fazer, que áreas é que podem interessar mais aos dois países? Esta semana ouvimos o Presidente de Angola dizer que gostaria que os portugueses investissem, por exemplo, na agricultura e na indústria transformadora.
Penso que o que há por fazer, em bom rigor, é quase tudo. Ou seja, Angola é um país muitíssimo dependente do petróleo, sector onde – vamos ser francos – a economia portuguesa não tem grande capacidade ou grande know-how; onde as empresas portuguesas têm verdadeiramente capacidade de poder acrescentar valor é exatamente numa logística de diversificar a economia. Não apenas em áreas mais simples como a agricultura, onde inclusive existem arquivos históricos e existe know-how em Portugal sobre fazer agricultura em determinadas regiões de Angola tendo em conta o clima e as características do solo, mas também Portugal pode acrescentar muito valor no sector da Indústria. Nós temos vários industriais que conseguem produzir de forma eficiente e, a partir daí, exportar, e o que nós podemos facilmente imaginar é esses mesmos industriais a produzirem em Angola por forma a satisfazer as necessidades da economia de Angola, mas também a exportar no contexto regional, uma vez que Angola faz parte da SADEC (Comunidade de Desenvolvimento da África Austral), que tem como objetivo facilitar as trocas comerciais através de uma redução das tarifas aduaneiras. Como tal, parece-me a mim que Angola tem um potencial que vai muito para além do mero consumo ao nível dos consumidores locais, uma vez que Angola pode facilmente ser um ponto de partida para os industriais portugueses se internacionalizarem para outros mercados da região.
Em que áreas concretas vê essas oportunidades?
Gosto sempre de dizer que aos empresários compete antecipar as oportunidades e cada um vê as suas, não é? Eu acho é que são tantas… para dar um exemplo: o setor das pescas, parece-me mais ou menos óbvio; o da agricultura; a indústria transformadora, em questões tão simples como em fábricas de conservas, fábricas de bolachas ou farinhas, tudo isso são oportunidades para as empresas portuguesas porque são setores onde as empresas portuguesas têm know-how.
Não vale a pena as empresas portuguesas pensarem que vão investir em Angola em sectores que não dominam, porque para isso, dificilmente terão sucesso num mercado tão complexo como o angolano.
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