As obrigações portuguesas estão na moda. Os juros nacionais estão quase ao mesmo nível de Espanha. E o Estado deverá pagar esta quarta-feira a taxa mais baixa de sempre para se financiar a dez e a sete anos. As decisões do Banco Central Europeu (BCE) beneficiaram os títulos de dívida pública, particularmente os portugueses. E mesmo com os juros em mínimos, há bancos internacionais a recomendar a aposta em obrigações do Estado português. É o caso do Deutsche Bank e também do JPMorgan.
No mercado secundário, que serve como um barómetro de quanto o Estado terá de pagar para se financiar, os investidores exigiam esta terça-feira uma taxa de 1,329% a dez anos e de 0,806% a sete anos. São novos mínimos históricos. Caso o juro da emissão de amanhã saia perto destes níveis Portugal irá financiar-se com o custo mais baixo naqueles prazos. A dez anos, o atual mínimo é de 1,568%, registado num leilão do mês de fevereiro. Na operação desta quarta-feira o Tesouro conta encaixar entre 1000 milhões e 1250 milhões de euros.
O Deutsche Bank, numa nota a que o Dinheiro Vivo teve acesso, defende que a dívida portuguesa “beneficia indiretamente da retórica do BCE e diretamente do fluxo do programa de compras”. Mario Draghi surpreendeu o mercado na semana passada, ao anunciar que os juros de referência iriam ficar em mínimos históricos por mais tempo que o anteriormente sinalizado. E o banco central comprometeu-se com uma nova ronda de empréstimos baratos para os bancos (operações de refinanciamento de prazo alargado direcionadas, TLTRO na sigla em inglês).
As medidas são para ajudar a economia do euro, mas as condições monetárias ultra expansionistas têm ajudado o mercado de dívida pública. João Queiroz sublinha que a emissão desta quarta-feira “deverá estar fadada ao sucesso”. Explica que “o mercado obrigacionista, pelo menos para a dívida soberana, parece continuar a usufruir de um momento excecional para emissões de longo prazo, sobretudo após o anúncio do BCE de que estrutura um novo programa “não convencional” como o TLTRO para estimular o crescimento da economia europeia”.
Compras do BCE ainda ajudam
Além das medidas anunciadas na reunião do BCE na quinta-feira, a dívida soberana europeia continua a ser apoiada pelas aquisições do banco central. Apesar de ter terminado com as compras líquidas de ativos, o Eurosistema está a reinvestir os valores dos títulos que vão atingindo a maturidade. No total, os valores a comprar devem ser semelhantes aos montantes de novas compras.
Mas agora está a beneficiar Portugal. No passado, o BCE não tinha dívida portuguesa suficiente para comprar devido ao limite de não poder deter mais de 33% das obrigações do Tesouro de um país. Está agora a compensar essas compras abaixo da meta nesta nova fase do programa. Segundo dados do Commerzbank, as compras líquidas (a diferença entre o valor adquirido e os títulos que chegaram à maturidade) de dívida portuguesa foram de 378 milhões de euros nos primeiros dois meses do ano.
Apenas Itália e França tiveram valores acima dos de Portugal. Na dívida alemã e espanhola foi amortizada mais dívida do que os reinvestimentos do BCE. “Isto ajuda a nossa perspetiva de que obrigações portuguesas serão estruturalmente impulsionadas pelo programa”, dizem os analistas do Commerzbank, num relatório a que o Dinheiro Vivo teve acesso.
Essa é também uma das razões apontadas pelo Deutsche Bank para recomendar a compra de dívida portuguesa a dez anos em vez de títulos alemães com o mesmo prazo. Os analistas deste banco estimam que, com as atuais chaves de capital, o BCE tenha ficado cerca de dez mil milhões de euros abaixo da meta nas compras de dívida portuguesa. Estimam agora que o Eurosistema e o próprio Banco de Portugal compensem parte desse desvio.
No mês passado tinha sido o JPMorgan a recomendar o investimento em dívida portuguesa em vez e espanhola, devido ao “ruído” da discussão do orçamento no país vizinho.
Uma questão de rating
Além do efeito BCE, há analistas a realçar que a dívida portuguesa está também a aproveitar a tendência positiva dos ratings. Depois de ter reconquistado o selo de grau de investimento junto da S&P (em setembro de 2017), da Fitch (em dezembro de 2017) e da Moody’s (em outubro de 2018), as apostas são de que a avaliação continue a melhorar.
“O rating de BBB- de Portugal será alvo de revisão pela S&P na sexta-feira e a perspetiva atual é positiva desde setembro de 2018, aumentando as probabilidades de uma possível subida”, realça o Deutsche Bank. No entanto, Cristina Casalinho indicou numa entrevista recente ao Dinheiro Vivo/TSF que esse não era um dado adquirido.
A presidente da Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública disse que “muitas vezes o primeiro ponto de possibilidade de alteração não é utilizado. Neste caso pode não ser utilizada porque há revisão do quadro macroeconómico a nível europeu, as eleições europeias, uma série de fatores que não são específicos de Portugal mas que podem retrair a decisão”.
Juro de Portugal é metade do de Itália
Esta conjugação de fatores tem ajudado as obrigações portuguesas a ter melhor desempenho que as espanholas e italianas. A taxa a dez anos do país vizinho é de 1,183% e a italiana situa-se em 2,561%, quase o dobro dos 1,329% portugueses.
Apesar da aposta tática de alguns bancos de investimento, João Queiroz considera que este ganhar terreno da dívida portuguesa poderá ser “uma situação transitória até que o quadro político de Espanha fique mais definido”. Sublinha que as previsões para a economia espanhola são de um crescimento mais robusto do que para Portugal, que tem de lidar ainda com um maior endividamento.
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