O economista Ricardo Reis diz que Portugal tem razões para recear uma aposta europeia na criação de grandes empresas globais para disputar mercados com os EUA ou a China. Em entrevista à Renascença, o professor da London School of Economics dúvida que a chave da prosperidade industrial europeia passe apenas pela subsidiação.
O financiamento da Defesa está a fazer regressar o debate sobre mecanismos de dívida conjunta na União Europeia, a exemplo dos recursos adotados para os planos de recuperação e resiliência. A proposta consta do relatório do antigo primeiro-ministro italiano Enrico Letta. É um caminho a aprofundar?
Em
resposta à pandemia, nós emitimos em 2020 e 2021, pela primeira vez em grande
escala, dívida conjunta europeia. Era muito circunscrita a uma determinada
aplicação, mas de qualquer forma, criaram-se instituições para emitir essa
dívida conjunta. Relembro que era um debate que durava na Europa há pelo menos
uma década – senão mesmo há duas ou três – com sérios prós e contras. O “pró” era um grande passo na criação de uma Europa federal. O “contra” remetia
para a falta de confiança na integração em diferentes países e o receio de
que uns iam acabar por pagar as dívidas dos outros, e ao mesmo tempo que outros
iriam gastar demais, porque sentiam menos responsabilidade nos seus planos de
despesa.
Tendo atravessado esse Rubicão, não é de admirar que agora, sempre que há uma ideia do que fazer na Europa, se fale desse financiamento com dívida conjunta. Seja quando falamos de política industrial para concorrer com a China ou com os Estados Unidos, seja quando se fala de despesa militar para lidar com a crise na Ucrânia com a invasão russa, seja para reformar a economia europeia, como no caso do Relatório Letta, seja mesmo para lidar com a crise climática.
Para
mim, isto mostra, no entanto, que falar desse financiamento é um pouco pôr “a
carroça à frente dos bois”, ou antes, não focar no essencial. Há sempre
múltiplas razões em qualquer Estado, governo ou economia, para gastar dinheiro
de uma forma que parece ser útil e, como tal, criar a forma de pedir emprestado
para gastar dinheiro atrai muitas atenções. Isso aplica-se a todos.
No
entanto, no debate hoje na Europa, seria mais relevante saber se gastar
dinheiro nisto ou naquilo será útil e produtivo e se terá retorno. Em vez de
falar em formas de financiamento, agora que atravessámos esse tal Rubicão e
sabemos que podemos de facto financiar coisas na Europa, é preciso perceber até
que ponto é que quando se faz uma proposta, ela seria uma boa ideia ou não. No
caso do Relatório Letta, este
ênfase em como financiar parece-me mal colocado. Antes seria se devemos
gastar nisto ou naquilo.
Essa estratégia pode significar que a aposta em recursos próprios e em novas fontes de financiamento pode ser abandonada?
Em Portugal, nos últimos 30 anos, temos a experiência de falarmos continuamente sobre até que ponto é que a dívida pública nos leva a constrangimentos nas despesas que podemos fazer. Espero que essa experiência nos tenha mostrado aqui em Portugal, senão no resto da Europa, que sempre que achamos que temos algum espaço para gastar, começamos a fazê-lo sem limites, acabando por usar todo o espaço fiscal que teríamos e não necessariamente investindo nas coisas certas.
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