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Portugal é o país onde as novas gerações são mais condicionadas nos seus trajetos pelos percursos feitos antes por avós e pais, surgindo entre 19 países europeus como aquele onde menos se observa mobilidade social, ou a capacidade de o mérito suplantar o contexto familiar, numa análise aos ganhos educativos ao longo de três gerações.
Os dados são de um estudo publicado nesta semana pelo Centro Comum de Investigação da Comissão Europeia, que explora uma nova abordagem multidimensional às desigualdades e publica também um novo instrumento para monitorizar diferenças de oportunidades a nível europeu, o Quadro Multidimensional de Monitorização de Desigualdades. O novo quadro, com mais de 300 indicadores comparáveis, ficou disponível online e passa a integrar a caixa de ferramentas das políticas públicas da UE para combater desigualdades – embora seja um instrumento “exploratório” e “não oficial”, sem sanção de Bruxelas ou dos Estados-membros, acautela o Centro da em resposta ao Dinheiro Vivo.
Um dos aspetos explorado é a mobilidade social entre gerações, tratada num relatório que acompanha a nova ferramenta, e que recorreu a mais de 400 mil observações de inquéritos que permitem relacionar informação para três gerações: jovens com idade acima de 25 anos, pais e avós destes.
O documento mostra que os jovens portugueses de hoje são os mais condicionados pelos percursos educativos que foram feitos pelos avós, com cada ano de escolaridade a mais alcançado pelas avós a representar um ganho de 0,68 anos na educação dos netos, e cada ano na escola adicional pelos avós a valer por 0,4 anos a mais no percurso educativo dos mais novos.
Os valores para a dependência de ganhos de educação entre gerações esbatem-se ligeiramente quando se compara o percurso educativo de pais e filhos, onde apenas a Hungria surge pior classificada que Portugal no grupo de 19 países com dados que permitem relacionar informação .
Mais um ano na escola por uma mãe portuguesa assegura 0,40 anos de ganho no trajeto educativo do filho. Pelo lado do pai, a correlação fica em 0,38 anos.
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Exceção no Mediterrâneo
Quanto mais alto este coeficiente, maior a dependência entre gerações na melhoria dos trajetos educativos. E esta é vista como sinal de baixa mobilidade. Porquê? Numa situação de mobilidade perfeita, explicam os autores ao Dinheiro Vivo, os filhos de pais com maiores qualificações teriam tanta probabilidade de melhorarem como de piorarem os seus níveis educativos. Do mesmo modo, os resultados dos filhos com origem em famílias com baixas qualificações não seriam também condicionados pelo contexto familiar.
Em Portugal, porém, é onde essa correlação é mais visível, e arrastada na árvore da família, quando todos os outros países analisados assistem a impactos muito mais reduzidos da escolaridade dos avós nos netos. A exceção é notada no estudo, que assinala por outro lado melhorias na mobilidade ao longo das gerações para três outros países do Sul: Espanha, Itália e Grécia.
O estudo olha apenas para indicadores de escolaridade, por não ter dados viáveis para uma análise da evolução dos rendimentos na cadeia avós/pais/filhos. Mas os indicadores do novo quadro que foi disponibilizado permitem olhar com mais detalhe para como Portugal fica ao lado dos restantes países em termos de mobilidade entre gerações ao nível dos percursos profissionais.
A probabilidade de alguém que tem um profissão mais qualificada – os chamados “colarinhos brancos” da terminologia anglófona – ser filho de alguém com uma profissão que exige menos qualificações – um “colarinho azul” – fica em meros 37% em Portugal. Ou seja, acontecerá em quatro a cada dez casos, apenas. É a terceira mais baixa em 28 países com informação disponível (incluindo ainda o Reino Unido). Pior só na Polónia e na Roménia.
Noutro indicador de mobilidade, Portugal compara um pouco melhor na probabilidade de concluir o ensino superior para descendentes de gerações nascidas até 1920 que não acederam à universidade, com 33%, mas distantes ainda dos cimeiros 58% alcançados na Dinamarca, e atrás de 13 países europeus com indicador disponível.
Na desigualdade de rendimentos, Portugal continua a ter má prestação em indicadores habituais: os rendimentos dos 20% mais ricos superam em mais de cinco vezes os da restante população, sendo o 10ºº país em pior situação. Em novos indicadores, é o país onde acima dos 50 anos há maior desigualdade na capacidade de fazer face a despesas habituais com rendimentos de trabalho. Dos 30 aos 49 anos, é o 5ºº país pior classificado.
O estudo incentiva os países a procurarem respostas específicas para as desigualdades de acordo com os indicadores onde estão pior. Mas avisa que não basta fazer crescer o PIB para garantir maior igualdade de oportunidades e espaço para o mérito. Melhor, diz, será “procurar também melhorar a qualidade das instituições (garantir as bases para uma distribuição justa e para a responsabilização) e aperfeiçoar a educação e o capital humano”.
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