Já voltamos às ajudas europeias. Ainda sobre a política que tem sido seguida, uma das consequências foi a perda de rendimentos, estamos a falar de salários e pensões, que os partidos querem continuar a recuperar. Esta é uma intervenção necessária do Estado?
Não compete ao Estado determinar salários.
Nem o salário mínimo?
Há um mínimo de intervenção, eventualmente no salário mínimo. Mas em Portugal há aí um problema, porque o salário mínimo está cada vez mais próximo do salário médio. Não vale a pena entrar agora nos detalhes de quão mínimo deve ser o SMN.
O que importa é que não pode haver a ideia, que é uma fantasia, de que o governo é que determina salários. Isso não é de todo verdade. Os salários são determinados pela produtividade da economia. A forma de termos salários altos não é por decreto! Tem de ser através da economia e de níveis de produtividade altos. Para isso o país tem de ter políticas públicas apropriadas, que criem um ambiente propício ao desenvolvimento do setor privado e a um melhor funcionamento do setor público.
A administração pública, por exemplo, não tem critérios de mérito. A evolução na carreira, seja dos professores, seja dos juízes, ou até no setor da saúde, não depende da sua capacidade de fazer um bom trabalho ou não. Um professor pode ser mau professor e fica a vida toda mau professor numa escola secundária, sem grandes consequências para a sua carreira. Um juiz pode não despachar os processos com a rapidez e com a competência necessária, outro pode ser muito mais eficiente e não há grandes consequências.
Toda esta falta de escrutínio, falta de avaliação de desempenho em toda a função pública, em toda a administração pública, depois tem consequências na economia privada e na criação de riqueza que levaria a salários mais altos para todos.
É muito crítico sobre os fundos europeus e agora o PRR, chama-lhes “o novo ouro do Brasil” e diz que são uma maldição. Quer explicar?
Tal como o ouro do Brasil não desenvolveu a economia portuguesa no século XVIII, bem pelo contrário, nos nossos dias também é verdade que não é este dinheiro caído do céu que vai desenvolver a economia portuguesa. Isso é uma fantasia. Tal como é uma fantasia dizer que o problema não é dos fundos, mas da forma como são aplicados. Claro que isso é uma tautologia, é imediatamente verdade. Mas, o que defendo no livro é que não existe o contexto em Portugal para que os fundos sejam bem utilizados e não vale a pena imaginar que vem outro Governo, diferente, e os próximos é que vão usar bem os fundos.
As instituições são demasiadamente fracas em Portugal, o capital humano é demasiadamente baixo para que os fundos possam ser bem utilizados. É inevitável que fundos desta natureza e nesta quantidade venham a ser mal utilizados. Os fundos acabam por ser uma maldição tanto para a economia portuguesa como para o sistema político português.
Lendo as suas palavras, percebemos que critica diretamente a gestão política destes fundos europeus, como a distribuição por empresas mais pequenas, privadas, que não têm potencial transformador.
Cito alguns estudos científicos que mostram que há uma série de empresas de média e pequena dimensão em Portugal que, no fundo, recebem os fundos como uma forma de ganhar a vida. Mas não são empresas que tenham um potencial transformador para a economia portuguesa. Portanto, os fundos só estão a atrasar a chegada de reformas que possam levar a melhorias na economia portuguesa.
Acusa mesmo os políticos de prolongarem o atraso do país para continuarem a receber estes fundos.
A nível político, tem efeitos negativos porque permitem aos partidos que estão no poder e, em particular, ao partido dominante que tem gerido Portugal nas últimas décadas, manter-se no poder e distribuir apoios políticos, comprar apoios políticos com o dinheiro que recebe desses fundos.
Como as pessoas não sentem no bolso as consequências de estarem a ser tomadas más decisões, isso vai adiando a revolta. Essa mudança está sempre a ser adiada devido à existência dos fundos.
O que acontece quando a torneira se fechar?
Em qualquer regime político, mas em particular numa democracia, a opinião pública importa e os políticos são escravos da opinião pública. Os políticos vão fazer o que acham que a opinião pública quer, para que sejam eleitos. Para acontecer uma mudança, a opinião pública tem que mudar, a forma como as pessoas pensam tem que mudar. E porque é que as pessoas não pensam de outra forma? Porque as pessoas não sentem as consequências no bolso.
Imagine que no caso da TAP, por cada vez que o Estado tinha de fazer uma injeção de dinheiro, as pessoas recebiam em casa a conta para pagar. A TAP tinha acabado muito antes das injeções de Pedro Nuno Santos! Ele fazia injeções brutais, meteu ali montantes ridículos, que teriam tido utilizações alternativas muito melhores na economia, fosse nas escolas, nas universidades, nos hospitais, no sistema de justiça. Houve um enorme custo de oportunidade, de dinheiro espatifado na TAP, mas as pessoas não sentiram no imediato essas consequências. Caso contrário, ele teria sido demitido muito antes.
As coisas só vão mudar quando a opinião pública mudar, mas a chegada destes fundos é uma das coisas que atrasa essa mudança.
Também não concorda com a defesa dos centros de decisão nacional, porque entende que só protegem os lucros de monopólios. Ainda vemos isso na economia de hoje?
Claro que sim e por isso a proximidade ao poder político importa muito. E essa proximidade é muito mais fácil se for uma empresa com gestores nacionais, com pessoas que estão aqui na “corte de Lisboa”, à volta dos políticos, a fazer lobbying de forma direta, conhecem-se todos, comem nos mesmos restaurantes, etc.
A economia portuguesa é um pouco corporativista, ainda nos nossos dias, é muito corporativista até. Mesmo o que se poderá chamar a direita em Portugal – não gosto muito dos termos direita e esquerda, mas para simplificar – mesmo a direita em Portugal é muitas vezes corporativista. Não promove a livre concorrência, promove a proteção de certos setores que, através da proximidade ao poder político, beneficiam de lucros de natureza oligopolista ou monopolista e que conseguem mantê-los através dessa proximidade ao poder político.
Isso depois tem consequências muito negativas para o consumidor, que iria beneficiar de uma maior concorrência.
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