//Portugal tem “os ricos mais pobres da Europa”

Portugal tem “os ricos mais pobres da Europa”

Ainda no IRS, defendem a revisão dos três primeiros escalões. Como e com que objetivo?

A nossa primeira proposta tem a ver com a urgência de travar a saída dos jovens, a segunda prioridade tem a ver com aqueles que são os mais carenciados.

Um dos pecados capitais que costumamos dizer que o nosso sistema fiscal tem é o da penalização do sucesso, começamos muito cedo e muito rapidamente a penalizar o sucesso.

Alguém que passe do primeiro para o segundo escalão, aumenta o rendimento do seu agregado familiar em 1,9 vezes, mas a carga fiscal aumenta cinco vezes. Quando passamos do segundo para o terceiro escalão, aumentamos o rendimento 1,5 vezes e o aumento da carga fiscal é 3,1 vezes. Ou seja, da primeira vez dobramos o rendimento, mas a voracidade fiscal é duas vezes e meia mais rápida. Na segunda vez, a voracidade fiscal já só é duas vezes mais rápida do que o aumento do rendimento.

O Estado desincentiva quem está no primeiro escalão a querer passar para o segundo e depois do segundo para o terceiro. Isto tem de ser corrigido, é uma medida de elementar justiça, ajuda a que os mais necessitados possam ter aqui também um incentivo a que se esforcem e que vejam esse esforço reconhecido pelos seus empregadores, para que possam ganhar melhor.

Também são contra o aumento de escalões…

Nós temos três pecados capitais no nosso sistema fiscal. O primeiro, já falei há pouco e é para nós o mais grave, esta penalização do sucesso. O segundo é que é muito caro e há pouco falávamos sobre a penalização que existe sobre o trabalho, é um bom exemplo do quão caro o nosso sistema fiscal é. O terceiro é a complexidade do nosso sistema.

Não sei se já tentou ir ver qual é que deve ser a sua taxa de retenção na fonte. Eu fui e encontrei uma fórmula com imensas regras e regrinhas. Eu sou licenciado em Economia e fiquei a sentir-me completamente incapaz de o fazer. É uma coisa que deveria ser simples.

O governo passou de cinco para sete escalões, agora de sete para nove e vamos lá ver o que é que vai acontecer a seguir. A própria Autoridade Tributária publicou um estudo relativamente à passagem de cinco para sete escalões que mostra que o sistema não se tornou mais progressivo, pelo contrário, tornou-se mais regressivo.

Este aumento de complexidade só penaliza, porque tudo o que é complexo é caro. Nas empresas, temos uma complexidade gigante no nosso sistema, com uma taxa efetiva que é a mais alta da OCDE, temos 5 a 7% do PIB português parado nos tribunais fiscais a apanhar pó. Levam o dobro do tempo dos tribunais espanhóis e quatro vezes o tempo de sete países da União Europeia para resolver. Queixamo-nos que as empresas não têm dinheiro para investir e depois temos 5 a 7% do PIB parados, entre 5 e 10 anos, à espera de uma decisão.

A morosidade da Justiça é uma queixa recorrente, o que seria necessário para resolver esta questão que é tão antiga?

Têm sido feitas evoluções significativas nalgumas das áreas da justiça, a que está mais atrasada é a administrativa e a fiscal. Nós temos 846 dias para uma decisão em primeira instância, na administrativa e fiscal em Portugal, mas temos 400 dias em Espanha, sete países da União Europeia levam menos de 200 dias.

Esta justiça administrativo e fiscal é aquela que, a nosso ver, agora mais importa resolver. É aquela que, sendo independente, resolve os conflitos entre o Estado e o resto da sociedade: as pessoas e as empresas. Dez anos na vida de uma pessoa e de uma empresa é uma eternidade.

Como se resolve?

Enquanto o Governo tem procurado ter uma visão mais estratégica de reformular o código do Processo Administrativo e Fiscal, que é algo que vai levar, se tudo correr muito bem, três a quatro anos, só para se chegar a um acordo sobre a revisão e depois mais não sei quantos para a implementação. Nós sabemos que temos um centro de arbitragem institucionalizado, permanente, com um corpo de juízes já reformados que funciona já bastante bem, que leva seis a 12 meses para resolver, em vez de cinco a dez anos.

A nossa proposta é tão simples quanto aumentar a capacidade do recurso a esse tribunal arbitral. Ainda por cima, o Estado já se auto vinculou para esse tribunal arbitral, para as decisões do foro administrativo até 100 milhões de euros, mas na parte fiscal limita-se a 10 milhões de euros. Porquê essa diferença?

Vamos então aos jovens. Nos incentivos à contratação de jovens para o primeiro emprego querem alargar para dez anos a redução temporária da taxa contributiva paga pelas empresas. Para bónus temporário, dez anos não será demais?

O problema está no excessivo custo fiscal e parafiscal sobre o fator trabalho. Temos consciência que neste momento não é possível rapidamente encontrar uma solução que seja transversal, sem pôr em causa a sustentabilidade da Segurança Social.

Estamos a ter uma saída muito significativa dos jovens para o exterior, nomeadamente os mais qualificados, e isso tem um custo muito significativo, imediato para o país. Nós estimamos que cada ano em que saem os 20.000 jovens qualificados está a custar-nos só em termos do investimento que fizemos na educação 1,8 mil milhões de euros.

Como chegaram aos 20.000 jovens?

Foi um estudo que a Associação BRP publicou em março deste ano, sobre a atração e retenção de talento, a partir de todos os dados que existem, que estão muitos dispersos, e de um inquérito a cerca de 5.600 portugueses, dos 15 aos 60 anos.

Quantos é que saem do país?

Saem mais de 80.000 portugueses por ano, dos quais 20.000 com qualificações superiores. Essa saída dos 20.000 é muito significativa, porque são cerca de 40% dos 50.000 licenciados por ano que nós produzimos e isso é investimento público e privado. É 1,8 mil milhões de euros só o investimento público.

Tem um impacto muito significativo na qualificação da nossa força de trabalho e tem um impacto também na taxa de natalidade.

Na Associação BRP temos chamado a isto um “inferno demográfico”. Nós tinhamos um inverno demográfico porque nasciam poucos bebés, agora descobrimos que 20% dos filhos de mães portuguesas nos últimos anos nasceram fora de Portugal. É um problema e coloca em causa a sustentabilidade da nossa segurança social futura.

O que é que os motivava a ficar ou regressar ao país?

Salários mais altos e para isso precisamos de mais empresas grandes que possam pagar melhores salários; o segundo aspeto tem a ver com a carga fiscal, porque eu posso ter um salário bruto, mas, tal como vimos, face à Holanda ganho menos 23%; o terceiro aspeto tem a ver com o custo de vida, com a atual crise da habitação é muito fácil de perceber que há cinco anos, com o mesmo salário, alugava um apartamento em Lisboa e hoje já não consigo; o quarto aspeto tem a ver sobretudo com as empresas e com a experiência de trabalho, desafios, responsabilização.

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