A poupança de juros nos empréstimos deverá manter-se pelo menos até 2020, na sequência das medidas anunciadas hoje pelo BCE, que não deverão, contudo, repercutir-se num aumento da concessão de crédito, segundo especialistas ouvidos pela Lusa.
“O anúncio por parte do Banco Central Europeu (BCE) de que as taxas se irão manter nos níveis atuais por mais tempo do que o previsto, terá um impacto nas prestações dos créditos nos diversos países [da zona euro], que se manterão baixas por mais tempo. Ou seja, a poupança de juros que foi alcançada nos últimos anos irá manter-se pelo menos até 2020”, afirmou à Lusa Pedro Lino, economista da Dif Broker.
No mesmo sentido, Filipe Garcia, economista da IMF – Informação de Mercados Financeiros, indicou que “não serão de esperar alterações muito significativas [nas prestações] durante mais de um ano, mas continuará a haver variações porque as prestações do crédito são indexadas às Euribor e não às taxas do BCE, apesar de estarem relacionadas”.
O BCE decidiu hoje manter em 0% a principal taxa de refinanciamento, deixando também inalterada em 0,25% a taxa de facilidade permanente de cedência de liquidez, e o supervisor também anunciou que não vai subir as taxas de juro até ao final do ano, devido aos riscos de abrandamento da economia da zona euro, quando previa anteriormente deixar as taxas inalteradas “pelo menos até ao verão de 2019”.
Os juros do BCE correspondem à taxa que os bancos devem pagar quando pedem dinheiro emprestado ao supervisor da zona euro, influenciado as taxas Euribor, que correspondem à média dos juros que um conjunto de bancos da região aplica nos empréstimos que fazem entre si, num determinado prazo.
As taxas Euribor, por sua vez, servem de indexante, ou seja, são utilizadas como taxas de referência, nos créditos bancários, refletindo-se no valor das prestações mensais.
Paulo Rosa, economista do Banco Carregosa, precisou que “o ‘spread’ que os bancos cobram [nos empréstimos] está relacionado, quase exclusivamente, com o risco inerente ao devedor e as rentabilidades (‘yields’) das obrigações do tesouro”.
De acordo com o economista, “se as rentabilidades das obrigações caírem, existe margem para os ‘spreads’ descerem ainda mais um pouco”, uma vez que o custo do crédito é a soma da Euribor contratada e o ‘spread’ cobrado pelo banco.
Questionados sobre se é expectável que a concessão de crédito aumente com as taxas do BCE a manterem-se baixas pelo menos até ao final do ano, os especialistas responderam que não são o principal fator a condicionar.
“As medidas hoje anunciadas pelo BCE têm como objetivo aumentar a concessão de crédito, e também manter as taxas de juro baixas nos próximos tempos, mas estará nas mãos dos bancos essa decisão [de conceder crédito], sobretudo na componente das famílias”, explicou Filipe Garcia, acrescentando que “não serão as taxas de juro o obstáculo à concessão de crédito”.
“Tem tudo a ver com os bancos, nomeadamente no que respeita o crédito à habitação e ao consumo”, frisou o economista da IMF.
No mesmo sentido, Pedro Lino referiu que “um dos problemas da economia europeia tem sido o abrandamento que se reflete nos empréstimos concedidos”.
Neste momento, “não é uma questão de taxa de juro, mas sim de oportunidades de investimento, de perspetiva de crescimento da economia e estabilidade. Diria que a política monetária chegou ao seu limite e apenas com a retoma da confiança dos agentes económicos será possível que o nível de empréstimos volte a aumentar”, antecipou o economista da Dif Broker.
“Com o crescente turismo e se os ‘spreads’, que se mantêm perto de 1%, quebrarem este nível para patamares à volta dos 0,8%, então poderemos ter mais uma lufada robusta de ar fresco neste ‘boom’ imobiliário, mas que possui como limitação a capacidade do devedor em solver as responsabilidades decorrentes do endividamento”, afirmou, por seu turno, Paulo Rosa.
O BCE também decidiu hoje manter a taxa de juro dos depósitos em terreno negativo (-0,40%) e os especialistas ouvidos pela Lusa antecipam que as taxas dos depósitos vão continuar baixas nos próximos tempos.
“As remunerações irão continuar a ser residuais e muito próximas do zero e, depois do BCE ter informado que irá proceder a um novo programa de empréstimos à banca TLTRO [ou seja, operações de refinanciamento de prazo alargado direcionadas ao apoio de crédito bancário], para colmatar o abrandamento económico, é provável que as taxas dos depósitos se mantenham baixas nos próximos anos”, afirmou Paulo Rosa.
Relativamente aos depósitos, “existe um efeito negativo para os aforradores, uma vez que os bancos não irão remunerar a liquidez de clientes”, frisou Pedro Lino, acrescentando que, mesmo que a situação mude ao longo de 2020, se a economia europeia mostrar sinais de aceleração, a registar-se uma subida nas rentabilidades dos depósitos “será muito gradual e lenta”.
“Vamos continuar a ter taxas baixas nos depósitos. Enquanto houver excesso de liquidez no mercado interbancário não é de esperar subidas dos juros nos depósitos”, reforçou também Filipe Garcia, acrescentando que alguns bancos preferem manter liquidez nos balanços a emprestar à economia, nomeadamente na forma de créditos ao consumo ou às famílias.
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