Os agricultores e os industriais da construção civil mostram-se preocupados com o nível de execução do PRR, numa altura em que Portugal aguarda “luz verde” de Bruxelas” para a reprogramação, mas o Governo mantém-se confiante.
A execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) continua em 17% dos marcos e metas acordados com a União Europeia e os pagamentos aos beneficiários diretos e finais ascenderam a 2.410 milhões de euros até 16 de agosto, o que corresponde a 14% do total.
“A execução é baixa, o que é preocupante por dois motivos. […] Sendo baixa nesta altura, significa que algo está a falhar. É preciso identificar a razão e haver mais informação e transparência. O segundo porque o programa tem que ser executado até ao final de 2026, e se continuarmos a este ritmo há dinheiro que simplesmente não vai ser utilizado, o que é inaceitável”, afirmou o secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), Luís Mira, em resposta à Lusa.
Os agricultores querem, assim, que se identifique o que está a originar uma taxa de execução “tão dececionante”, de modo a que sejam implementadas as alterações necessárias para a sua aceleração.
Luís Mira considerou ainda que o plano tem uma “excessiva utilização de verbas canalizadas para o setor público, constituindo-se como uma forma de aumentar as disponibilidades orçamentais do Estado”.
Assim, conforme defendeu, nunca foi verdadeiramente encarado como um plano de recuperação da economia portuguesa.
Em particular no que diz respeito à agricultura, a CAP lamenta que o setor tenha praticamente ficado de fora do PRR, ao contrário do que aconteceu, por exemplo, em Espanha.
A isto soma-se a “falta de políticas públicas estruturadas” para a agricultura e para o mundo rural, que, atualmente, se voltam a debater com problemas como a seca e os incêndios.
“Em Portugal, ao contrário de Espanha, há uma gritante falta de visão sobre o papel económico, ambiental, social, cultural e de coesão territorial que a agricultura desempenha”, vincou, lembrando que Madrid vai injetar 25.000 milhões de euros para resolver o problema da água.
Já em Portugal, o tema da água “é varrido para debaixo do tapete”, apontou, sublinhando que a seca vai provocar consequências negativas para a viabilidade e competitividade da agricultura, o que, consequentemente, vai afetar gravemente a economia e a sociedade.
Luís Mira também não se mostrou confiante de que a reprogramação do PRR vá resolver estes problemas, tendo em conta que os traços gerais do programa se mantêm inalterados.
“O contributo do PRR para a recuperação e a resiliência da agricultura é pouco mais que nulo e isso é uma desilusão para quem vive da terra e um prejuízo para o país”, concluiu.
Por sua vez, o presidente da Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN), Manuel Reis Campos, referiu que tanto a execução como o montante de pagamentos “reforçam o sentimento de que é necessário imprimir uma maior celeridade em todo o processo de contratação pública”.
Reis Campos notou que os fundos europeus desempenham um “papel essencial” para o desenvolvimento do país e, por isso, as verbas não podem ser desperdiçadas e a calendarização tem que ser “escrupulosamente respeitada”.
As empresas do setor da construção estão a braços com a falta de mão de obra, que foi estimada em 80.000 trabalhadores, e como a evolução dos preços das matérias-primas, energia e materiais de construção.
Especificamente, no que concerne às obras públicas, segundo a associação, destacam-se, entre os principais problemas, os preços “anormalmente baixos”.
A AICCOPN assinalou, neste âmbito, o “lançamento de concursos públicos com um preço base desajustado, ou seja, com valores limite que não têm por referência o aumento dos custos que (…) caracterizam a atividade nos últimos anos, provocam atrasos e dificuldades na concretização dos investimentos”.
Sobre a reprogramação do PRR, o presidente desta associação disse que o acréscimo nas subvenções a mobilização adicional de empréstimos tem por fundamento o reforço da ambição nacional, com verbas para novos projetos, as alterações da conjuntura económica, as perturbações nas cadeias de abastecimento e a escassez de mão de obra.
“Deste modo, a reprogramação das verbas europeias disponíveis não será razão para atrasos ou ineficiente implementação no terreno de projetos, mas, bem pelo contrário, permitirá, com certeza, uma melhor concretização dos investimentos já previstos e o lançamento de novos concursos”, disse.
Questionado pela Lusa, o Ministério da Presidência, que tem a pasta dos fundos europeus, assinalou que o Governo está confiante de que o PRR, em conjunto com o Portugal 2030 e outras medidas que integram o Programa Nacional de Reformas 2023, vai permitir dar continuidade aos avanços alcançados, “através de um crescimento económico sustentado e em convergência com a UE [União Europeia], do reforço da competitividade das empresas, da aceleração da transição energética e da prossecução das políticas de combate à pobreza”.
O Ministério liderado por Mariana Vieira da Silva garantiu também que o Governo “está plenamente empenhado e focado na boa execução do PRR”, com o país a dar provas de que é capaz de cumprir com o que se prometeu.
“Entre os 27 países da EU, Portugal tornou-se, em fevereiro deste ano, o quinto país da receber o segundo desembolso”, destacou.
A Presidência ressalvou também que, apesar de a execução estar a decorrer “em linha com o previsto”, a proposta de reprogramação decorre dos desafios acrescidos que a guerra na Ucrânia e a inflação colocaram à UE em matéria de concretização dos investimentos do PRR.
Adicionalmente, o Governo decidiu reforçar os recursos humanos, simplificar a contratação publica, desburocratizar alguns processos e a acelerar pagamentos financiamentos.
No final de maio, Portugal submeteu uma proposta de reprogramação do PRR a Bruxelas, cuja dotação ultrapassa os 22.000 milhões de euros. Com a reprogramação, Portugal passará a contar com mais 41 medidas, 11 reformas e 30 investimentos.
O montante total do PRR (16.644 milhões de euros — valor inicial), gerido pela Estrutura de Missão Recuperar Portugal, está dividido pelas suas três dimensões estruturantes — resiliência (11.125 milhões de euros), transição climática (3.059 milhões de euros) e transição digital (2.460 milhões de euros).
Da dotação total, cerca de 13.900 milhões de euros correspondem a subvenções e 2.700 milhões de euros a empréstimos.
Este plano, que tem um período de execução até 2026, pretende implementar um conjunto de reformas e investimentos tendo em vista a recuperação do crescimento económico.
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