//PRR foi uma “oportunidade completamente perdida”

PRR foi uma “oportunidade completamente perdida”

O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) foi uma “oportunidade completamente perdida”, garante o vice-presidente da Confederação Empresarial de Portugal.

Rafael Campos Pereira, presente na conferência “Portugal: Um país condenado a ser pobre?”, esta quarta-feira, em Vila Nova de Gaia, lamenta aquilo que acredita ter sido um desperdício por parte do Governo daquele que foi o maior envelope financeiro de sempre para o país.

“Temos, neste momento, o maior envelope financeiro da História de Portugal, com ainda os últimos envelopes do 2020, o PRR e o 2030… e, se não conseguirmos com isto estimular a economia, de facto é muito frustrante. E uma das razões é que, no âmbito do PRR, grande parte disto foi… não quero dizer rapinado nem sequestrado…mas foi tudo captado pelo Estado. Foi uma oportunidade completamente perdida”, lamenta Rafael Campos Pereira, que defende mais consensos e convergências estratégicas para alimentarmos um novo paradigma económico.

Também Ricardo Costa, da Associação Empresarial do Minho, diz que “utilizamos os fundos europeus de forma totalmente equivocada”. “Deviam servir para alavancar projetos e não para iniciar projetos só porque há dinheiro disponível”, entende, defendendo “pactos ao centro em questões como saúde, justiça, educação e política fiscal”.

Ambos defendem a redução dos impostos. “Acho que devemos começar pelo IRS para aumentar os rendimentos das famílias, mas o IRC baixando pode gerar um aumento significativo da receita fiscal. As pessoas esquecem isso”, diz Rafael Campos Ferreira, que também fez questão de falar sobre “a atração de investimento estrangeiro”.

“Temos visto os governos a orgulharem-se de atraírem muito investimento estrangeiro. É investimento estrangeiro cujo valor acrescentado são os salários e pouco mais. Porquê? Porque grande parte das empresas multinacionais que investem em Portugal têm um joystick onde vêem onde é que podem ter trabalhadores qualificados, boas universidades, salários mais baixos que em outros países… mas aqui pagam mais impostos. Por isso, essas empresas acabam por pagar em Portugal os impostos que querem”, explica.

Já o economista João Cerejeira, para além da redução da carga fiscal, defende, também, a aposta na habitação e na mobilidade como fatores determinantes na eficiência do mercado de trabalho.

“O investimento no transporte público ou apoio à habitação para permitir a mobilidade do trabalho tem um efeito multiplicador também em tornar os mercados de trabalho muito mais eficientes”, admite o docente da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho.

Precisamos de um novo paradigma económico?

Precisamos de um novo paradigma económico? Foi a esta pergunta que um painel na conferência “Portugal: Um país condenado a ser pobre?” tentou responder, com os contributos de Rafael Campos Pereira, vice-presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), Ricardo Costa, da Associação Empresarial do Minho, e João Cerejeira, da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho.

Numa conversa em que se falaram nas novas realidades do emprego, das políticas fiscais e de estratégias globais, Rafael Campos Pereira fez questão de salientar que, agora, não são as empresas que escolhem os trabalhadores, mas o contrário.

“A nova geração vêm o mundo do trabalho de uma forma totalmente diferente e temos de estar preparados, pois são pessoas altamente qualificadas, mas que não estão focadas só no trabalho, querem fazer outras coisas. A remuneração é muito importante, mas também há remunerações emocionais que têm um peso importante. Eles querem ser felizes”, começa por dizer.

Ricardo Costa, da Associação Empresarial do Minho, concorda. “Hoje são as pessoas que escolhem as empresas. A nova geração vê o mundo do trabalho de uma forma diferente. Copenhaga ou outra cidade europeia qualquer está à distância de um bilhete de 50 euros na Ryanair e até podem trabalhar a partir de casa”, exemplifica.

“Os sindicatos deixaram fugir as novas gerações”

Esta mudança também se reflete na ligação dos trabalhadores mais jovens à noção da contratação coletiva, que o vice-presidente da CIP acredita ter uma “enorme importância” na Europa social, que “se construiu muito à sua custa”, mas não é vista pelo mesmo prisma por quem é mais novo.

“As novas gerações não sabem o que é a contratação coletiva. Os sindicatos deixaram fugir as novas gerações”, explica.

Já João Cerejeira relembra que “as novas gerações são apenas uma pequena parte do mercado de trabalho”, uma “parcela pequena”, e que a contratação coletiva pode não os servir, necessariamente, mas serve outros.

“A contratação coletiva é para proteger aqueles que têm menos poder de negociação e também faz sentido para tornar mais claras as regras de funcionamento de cada um dos setores. “É para aquela massa de trabalhadores que estão próximo do salário mínimo”, reitera.

Num mundo globalizado não só no comércio, mas também nas “ideias, pessoas e serviços”, temos de ser “mais atrativos para as novas gerações” para resolvermos o “problema demográfico” que afeta Portugal. “Precisamos de atrair outras geografias e as pessoas só se atraem se garantirmos vida digna”, entende Ricardo Costa, da Associação Empresarial do Minho, que fala também num “inferno demográfico”, porque “as pessoas que geramos estão a fugir”.

Políticas fiscais para “ultrapassar estigma do país condenado a ser pobre”

Para isso, a carga fiscal também tem de mudar porque “uma coisa são os salários praticados pelas empresas e outra o salário líquido que os trabalhadores recebem ao final do mês”.

“A carga de impostos nos salários é pornográfica”, lamenta Ricardo Costa, que pede ao Estado que aplique uma carga fiscal “que corresponda à sociedade que temos”. “Não consigo perceber como é que uma pessoa a ganhar 1200 euros brutos em Portugal é considerada classe média”.

Por sua vez, João Cerejeira, da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho, também considera a carga fiscal no trabalho “excessiva”, mas diz que a mesma até está “alinhada com a média da UE”. O problema é que “os países que têm um PIB per capita similar ao nosso têm cargas fiscais inferiores”.

“Não podemos ter carga fiscal nórdica com um PIB per capita comparado com a Roménia”, diz.

Junta-se a isso, diz João Cerejeira, uma “imprevisibilidade fiscal” criada pela excessiva burocracia da carga fiscal aplicada às empresas.

“Se perguntarmos aos empresários quais são os benefícios fiscais a que têm direito, a maioria não saberia dizê-lo”, assegura, lamentando que estes benefícios sejam feitos à posteriori, o que considera uma “perversão”. “Muitas vezes os nossos benefícios fiscais surgem para premiar um comportamento que a empresa já teria mesmo sem o benefício. Os incentivos deveriam vir antes”, defende, para não premiarmos “aqueles que já tinham capacidade económica para mudar”.

Já Rafael Campos Pereira acredita que as políticas fiscais “são importantíssimas para podermos ultrapassar o estigma do país condenado a ser pobre”.

“É absolutamente insuportável que, 50 anos depois do 25 de abril, sejamos um país adiado no que diz respeito à criação de riqueza”, admite, criticando as “tentativas de coesão social” feitas “nivelando por baixo” e “invocando sistematicamente crises para transformar políticas sociais em políticas assistencialistas”. Para o vice-presidente da CIP este é um dos “graves defeitos estruturais da sociedade civil portuguesa”, que cria “anestesia e inércia”, e é sustentada com aumentos de impostos.

“Os anestesiados fiscais não se apercebem que pagam muitos impostos… mas há toda uma classe média que começa a ter impostos diretos muito altos e altamente desistimulantes”, refere, defendendo a descida do IRS. “Temos de dotar os nossos cidadãos de maior poder de compra”, repete, defendendo, num primeiro momento, na manutenção do modelo atual, mas “baixando escalões”.

“Há excesso de política na marca Portugal”

Já Ricardo Costa assume que o tecido empresarial português é altamente influenciado pela mentalidade dos empresários. “As empresas precisam de subir na cadeia de valor para garantir melhores salários”, assevera, ao recordar que 91% das empresas da zona do eixo atlântico são pequenas empresas com até cinco trabalhadores e que “Portugal tem o maior ‘gap’ entre a formação dos trabalhadores e dos empresários”. “Precisamos de qualificar as lideranças”, reitera, garantindo que “o Governo é só reflexo da sociedade que somos”.

Rafael Campos Pereira, por sua vez, culpa a política. “Não temos estratégicas definidas a nenhum dos níveis. Há um excesso de política na marca Portugal”.

“Não há consensos estratégicos em questões que são fundamentais para o país. Chegamos ao fim destes 50 anos de democracia e não temos nem marca Portugal nem nenhuma marca conhecida”, lamenta.

“Não conseguimos triunfar porque não conseguimos definir estratégias. Os governos sucessivos não se têm focado nisso. Não vemos nunca políticas estratégicas bem definidas que nos conduzam a um rumo, que apoiem a criação de riqueza… Parece que estamos condenamos a ser pobres porque andamos sempre a correr atrás do prejuízo”, diz.

“Desperdiçamos um envelope brutal para tapar buracos, para distribuir miséria. Temos de pensar nos novos modelos empresariais e nas novas empresas”, reforça.

A resposta pode estar na “revolução industrial” que vivemos agora com a Inteligência Artificial e a transição energética. “Pela primeira vez, Portugal está numa posição privilegiada para liderar”, defende Ricardo Costa, ressalvando que temos uma “vantagem energética” considerável e, “na questão digital”, “somos o único país ligado a três continentes por fibra ótica”.

“Precisamos do quê? De um desígnio, de uma estratégia a 20, 30 anos”, volta a defender, papel que cabe ao Governo orientar. “O Governo precisa de ter três papéis, o de regulador, o de criar um ambiente favorável para as empresas e o de ter um papel de retaguarda. Depois disso não precisamos do Governo para nada”.

“O que investimos na TAP dava para colocar a Univ.do Minho a funcionar 20 anos”

Ricardo Costa relembra, igualmente, que “é mais do que tempo de querermos ser contribuintes na Europa” e que tal cenário deve estar para breve com o alargamento da UE. “Vamos ter de ser contribuintes líquidos à força”, diz, defendendo a aposta na ferrovia para “não nos tornarmos ainda mais periféricos”. Se preciso for, e tendo em conta que “somos uma sociedade que se move por incentivos”, o IRC pode ser usado como ‘arma’ para “aumentar as empresas”, “especialmente em número de trabalhadores”. “Isso seria um incentivo real para que a economia se tornasse mais forte”, vaticina.

A ligação entre empresas e universidades também tem de ser incentivada neste novo paradigma se Portugal quiser realmente liderar neste admirável novo mundo tecnológico. A “transferência de conhecimento” de que fala Ricardo Costa é reiterada por João Cerejeira, que relembra que “a despesa pública em investigação é inferior ao objetivo e não tem aumentado ao longo dos anos”.

“Andamos a marinar no legado do professor Mariano Gago”, lamenta. “O que investimos na TAP dava para colocar a Universidade do Minho a funcionar 20 anos”, remata.

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