//Quase todos os portugueses já usam IA, mas maioria não tem noção dos riscos

Quase todos os portugueses já usam IA, mas maioria não tem noção dos riscos

As conclusões surpreenderam os próprios investigadores. A Inteligência Artificial já faz parte do quotidiano da maioria dos profissionais e estudantes, de acordo com o estudo “IA – Impacto e Futuro 2025”, que é apresentado esta quinta-feira. Um trabalho coordenado pela consultora Magma Studio, em parceria com a CIP – Confederação Empresarial de Portugal e com o apoio da Data Science Portuguese Association.

De acordo com os resultados, 94,8% dos inquiridos já recorreram a ferramentas de IA pelo menos uma vez e 73,1% fazem-no semanalmente. Quase metade (48,2%) utiliza IA todos os dias, “evidenciando uma normalização acelerada destas tecnologias”.

O ChatGPT é a ferramenta mais usada, com 87,5% das referências, seguido do Copilot, com 37,6%. Por áreas profissionais, é sobretudo utilizada em Tecnologia e Inovação (29,5%), Suporte ao Cliente (27,8%) e Marketing e Comunicação (24,8%), “setores que revelam já rotinas consolidadas de utilização”.

No entanto, este estudo também conclui que falta formação, a comunicação nas empresas é deficiente e os utilizadores desconhecem o eventual impacto das novas tecnologias no mercado de trabalho.

Portugal usa a IA “sem extrair o máximo potencial”

Segundo este trabalho, que contou com 2.762 respostas, entre junho e outubro deste ano, a maioria não fez qualquer formação nos últimos 12 meses.

Cerca de 64,6% dos participantes não realizou qualquer formação em IA generativa no último ano e, entre os que o fizeram, a maioria frequentou apenas ações de curta duração, quase sempre introdutórias. A Magma alerta que “esta assimetria cria o risco de Portugal consolidar um cenário de utilizadores superficiais”.

À Renascença, Miguel Gonçalves, fundador da Magma Studio, diz que “isto significa que Portugal está a usar inteligência artificial, mas não está a aprender sobre como usar inteligência artificial e como extrair dela o máximo potencial”. “Essa será uma das principais e mais relevantes conclusões”, acrescenta.

A análise aos padrões de utilização mostra que, na maioria dos casos, o uso permanece nos níveis iniciais de maturidade. A criação de conteúdos lidera entre os profissionais (50,4%), seguida da investigação (43,5%), do estudo e da ideação (42,6%). Entre os estudantes, predomina a utilização para investigação académica (64%), automatização de tarefas (42,8%) e brainstorming (40,7%).

A Magma defende que a evolução para níveis mais avançados depende do domínio de ferramentas capazes de integrar automação, análise de dados, agentes autónomos, geração de código e integração com sistemas empresariais.

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Maioria não está preocupada com a eventual eliminação do posto de trabalho

Nem trabalhadores (60,3% dos inquiridos) nem estudantes (39,7% da amostra) revelam preocupação com a possibilidade das novas tecnologias substituírem os trabalhadores, diminuindo os empregos disponíveis.

Só 5% dizem estar preocupados, o que aponta para uma “limitada perceção de risco”. Por outro lado, 64,7% dos profissionais afirma ter pouca ou nenhuma preocupação relativamente à substituição do seu posto de trabalho por IA, um sinal que “tanto pode traduzir confiança como desconhecimento do impacto esperado destas tecnologias no mercado laboral”, defende a consultora.

“Isto apenas decorre ou de alguma arrogância ou de muita ignorância. Provavelmente até um somatório das duas. Pode apenas revelar que as pessoas não estão conscientes das alterações que vêm já no curto prazo”, acrescenta Miguel Gonçalves.

Na verdade, nem os especialistas se entendem sobre o impacto destas novas tecnologias no emprego, mas o CEO da Magma lembra que “isto não é ficção científica, já está a acontecer hoje”.

“Há uma quantidade de pessoas que diz que o discurso pessimista é apenas pessimismo puro e duro, mas se olharmos, por exemplo, para o contexto norte-americano, nomeadamente na Califórnia, em Silicon Valley, vemos já uma correção entre 20% a 25% nos postos de trabalho, em perfis jovens de entrada. Ou seja, um quarto das pessoas que entravam para trabalhar em organizações em Silicon Valley deixou de entrar”, avisa.

Por outro lado, “é preciso perceber que inteligência artificial não é apenas aquilo que acontece nos sistemas de uma empresa, e no computador. São também os robôs, que começaram a ser comercializados nestes últimos três meses, e vão desempenhar muitas tarefas”.

Miguel Gonçalves dá exemplos do que podem fazer estes robôs antropomórficos: “eles vão cozinhar em casa, vão fazer limpeza, vão às compras, eles vão estar num supermercado a arrumar caixas de mercadoria nas prateleiras, eles vão estar a varrer as ruas, eles vão estar a fazer muitos trabalhos”.

Um terço não sabe como a empresa está a usar a IA

Os autores sublinham ainda o desconhecimento dos funcionários sobre as ferramentas de IA utilizadas pelas empresas.

Quase um terço dos profissionais não sabe em que áreas da sua empresa a IA já está a ser utilizada, o que demonstra “ausência de comunicação interna estruturada e de governance.” A Magma considera “essencial a criação de diretrizes claras, equipas dedicadas à identificação de casos de uso e integração de objetivos de IA nos planos de produtividade, inovação e eficiência operacional das organizações”.

Para uma utilização mais eficaz e produtiva das ferramentas de IA é essencial avançar na formação. Miguel sublinha que “uma coisa é usar o ChatGPT para escrever e-mails ou para planear uma viagem, outra coisa muito diferente é fazer automações, integrações com o próprio local de trabalho, com os processos da organização, saber criar agentes para interagir com clientes ou para fazer on-boarding de novos colaboradores”.

Isto não significa que as empresas não estejam a apostar na formação. “As empresas têm um caminho forte a percorrer precisamente na capacitação dessas competências e estão a fazê-lo, mas acho que temos que intensificar a forma como as empresas estão a formar as pessoas”, defende.

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Formação, formação, formação

Explorar o potencial das ferramentas de IA passa essencialmente pela formação, o que depende de todos: utilizadores, estabelecimentos de ensino e governo.

“Não se trata apenas de terminar uma licenciatura, mas, da mesma maneira, quando eu termino o meu diploma, eu venho já para o mercado com um conjunto de competências que são substantivas e que me permitem começar já a adicionar valor, independentemente de ter estudado Ciências Sociais ou Engenharia Física, ou que disciplina for. E depois, claro, do ponto de vista macro, os decisores políticos e o governo, novamente têm aqui um papel muito importante”, defende Miguel Gonçalves.

Este é um momento importante no país “para alfabetizar, para sabermos trabalhar com esta tecnologia, para, por um lado, sermos mais competitivos, mas, por outro lado, estarmos menos expostos”, defende.

Os autores dão como exemplo as iniciativas que estão a ser implementadas em Singapura, na Coreia do Sul e no Canadá, planos nacionais de qualificação de competências de Inteligência Artificial na população. “Isto é uma ideia boa, que eventualmente faria muito sentido para nós. A CIP, por exemplo, apresentou há pouco tempo uma agenda nesse sentido e tem essa missão de capacitar muitas centenas de milhares de pessoas com esse conhecimento de Inteligência Artificial”, refere o CEO da Magma.

O governo também pode criar, à semelhança daquilo que fez a Inglaterra e a Alemanha, uma estratégia de implementação de IA responsável no tecido empresarial. Ou seja, sugerir boas práticas de governança, de mitigação de riscos e de como é que esta tecnologia deve ser adotada”, diz.

Outra medida defendida são “benefícios fiscais e, no limite, apoios às organizações que optarem por manter os colaboradores”. Um incentivo para evitar a dispensa ou despedimentos.

Este estudo recomenda ainda “um índice anual que monitorize a maturidade nacional, um programa público dedicado ao apoio de PME com consultoria subsidiada, kits de casos de uso e formação setorial.”

Esta é a primeira edição deste estudo, o mais amplo realizado nesta área em Portugal, segundo os autores. À Renascença, Miguel Gonçalves admite a repetição do mesmo, no próximo ano.

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