É na Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) onde são contratadas mais pessoas com ligações a partidos e a governos. Desde a sua fundação, em 1995, metade das pessoas nomeadas para a administração da ERSE tinham experiência política, segundo um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS).
O que diz o trabalho, intitulado ‘O Estado-Regulador em Portugal: Evolução e Desempenho”? Segundo explica, embora a Lei-Quadro tenha introduzido “mudanças”, estas “não foram tão longe quanto seria desejável no que respeita à proteção da independência das entidades, pois mantém na esfera do Governo competências que deveriam caber à Assembleia da República, permite a aplicação de cativações e limita a realização de atividades necessárias ao exercício de competências sancionatórias”.
Entre as principais regras estabelecidas que contribuem para uma maior independência da regulação, a FFMS destaca os requisitos de idoneidade, competência técnica, aptidão, experiência e formação dos membros da administração das entidades reguladoras; o regime de incompatibilidades e impedimentos; a imposição de transparência e de obrigações de prestação de informação; e o aperfeiçoamento dos poderes das entidades.
“Todavia, permanecem diversas restrições à independência relacionadas com a governação das entidades reguladoras e com o regime financeiro e organizacional destas, nomeadamente o modo de designação dos membros dos conselhos reguladores, a necessidade de autorização ministerial prévia para diversas matérias, a possibilidade de intervenção do Governo na definição do estatuto remuneratório dos administradores e a sujeição a cativações”, refere.
“Já no que se refere aos indicadores que sinalizam a capacidade de as entidades reguladoras analisadas atuarem de forma independente – acrescenta – concluímos que é mais visível o potencial de perturbação da independência face ao poder político, do que face às empresas reguladas”.
Quem coordenou e quais as entidades analisadas? Coordenado por Ana Lourenço, da Católica Porto Business School, o estudo analisou “o funcionamento, a independência e a politização das entidades reguladoras no desempenho de funções essenciais delegadas pelo Estado, nomeadamente a supervisão de setores económicos como a energia e as comunicações, e a garantia da concorrência”.
Para tal, avaliou a independência de três entidades reguladoras – Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), Autoridade da Concorrência (AdC) e Autoridade Nacional de Comunicações (ANACOM) – e ainda o sistema de indicadores de desempenho estabelecido por cada entidade.
As conclusões apontam que, nas três entidades reguladoras analisadas, “as reconduções e saídas antecipadas, que podem ser indícios de politização, não são frequentes e não há, em regra, uma disparidade entre a nomeação de políticos e de pessoas não filiadas em partidos”.
“A ERSE é, aparentemente, a mais politizada das três entidades, uma vez que, desde a sua fundação em 1995, metade das pessoas nomeadas para a administração detinham experiência política, maioritariamente em cargos governativos”, precisa.
Por sua vez, refere, “a Autoridade da Concorrência é a entidade que tem sofrido o maior impacto das cativações, sendo também aquela em que a politização das nomeações menos se nota”.
O estudo evidencia ainda que “as entidades reguladoras analisadas monitorizam a sua atividade, utilizando uma grande diversidade de indicadores para a medir”, observando-se uma crescente “tendência para aumentar o número e variedade dos indicadores usados, sobretudo os que se centram nos resultados da atividade das entidades”.
Como exemplos destes indicadores, a FFMS menciona os relativos à qualidade do serviço prestado pelas empresas reguladas e aos preços praticados.
E o papel do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, criado em 2011? O estudo conclui que “contribuiu para o aumento da celeridade nos recursos das decisões das entidades reguladoras, mas tal não se refletiu num aumento da celeridade dos tribunais aos quais esses processos foram retirados”.
“Os dados recolhidos apontam igualmente para um aumento da eficácia da justiça, mas não é possível concluir que tenha existido um aumento da eficiência da justiça”, sustenta, acrescentando que, “aliás, a criação de um tribunal centralizado nacional contribuiu para uma justiça mais distante dos cidadãos, implicando um acréscimo nos custos globais – e o aumento da desigualdade – de acesso à justiça”.
O estudo observa ainda que a criação deste tribunal “não contribuiu para o aumento significativo da especialização dos juízes”, considerando que “a qualidade da justiça poderia ser melhorada caso fossem alteradas algumas regras vigentes no que toca à seleção de juízes, à assessoria por peritos e ao recurso das decisões”.
Qual o papel das pressões externas? Do trabalho da FFMS resulta ainda que “o aprofundamento do Estado-regulador em Portugal parece ter sido, sobretudo, desencadeado por pressões externas, motivadas pelas reformas do setor público noutros países ocidentais, pelas obrigações decorrentes da adesão às instituições europeias e pela necessidade de assegurar credibilidade junto de instituições internacionais como a ‘troika'”.
Para a Fundação, as principais conclusões do estudo evidenciam, assim, que, “na última década, o Estado – regulador em Portugal mudou, mas pouco e nem sempre para melhor, sendo difícil atribuir de forma inequívoca essa escassa mudança à Lei-Quadro das Entidades Reguladoras e ao novo tribunal especializado”.
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