O pacote de investimento público convertível em quota junto com capitais de risco mostra como os empreendedores são chave na saída do Reino Unido da crise pandémica. Investidores estrangeiros podem candidatar-se até final de setembro
Um mês depois de ter sido lançado pelo governo, o Future Fund abriu as candidaturas online dia 20 de maio. Até final de setembro, os investidores de capital de risco podem candidatar-se a este fundo de coinvestimento de 500 milhões de libras dirigido a empresas com potencial de alto crescimento que estejam a precisar de ajuda para sobreviver à crise pandémica.
A ideia é combinar, na mesma proporção, dinheiro vindo do setor privado com empréstimos apoiados pelo Estado que se poderão converter numa participação pública no capital da startup. Esta semana foram conhecidos todos os detalhes sobre o Future Fund, bem como os critérios de elegibilidade.
Recorde-se que para apoiar as startups, scaleups e pequenas e médias empresas assentes na inovação, o governo britânico tinha lançado a 20 de abril um pacote que incluía um programa de investimento conjunto – entre fundos públicos e privados através de capital de risco – e ainda subsídios para a investigação e desenvolvimento.
Ao todo, 1.25 biliões de libras estão desde então a ser dirigidos às empresas mais inovadoras do Reino Unido que estejam a sofrer com a crise. Empresas pequenas orientadas para a investigação e desenvolvimento também se podem candidatar a outro pacote de 750 milhões de libras em subsídios e empréstimos vindos do Innovate UK, a agência de inovação britânica. Neste caso, a maioria dos fundos estão a ser disponibilizados aos seus 2,500 clientes atuais e o primeiro pagamento foi agendado para este mês de maio.
O ministro das Finanças, Rishi Sunak disse que o pacote vem proteger alguns setores mais dinâmicos da economia do Reino Unido, como o setor tecnológico e as Ciências da Vida – de forma a poderem continuar a desenvolver novos produtos.
Uma parte importante deste plano de resgate é que o próprio governo irá investir em algumas empresas. Os empréstimos convertíveis em quota apoiados com dinheiro público devem ajudar a ultrapassar a fase de abalo económico e a recuperarem.
Rishi Sunak, ele próprio um ex-investidor em hedge funds, desenhou o esquema que permitirá que o governo adquira quotas em empresas a preço de desconto até que o valor em dívida seja pago.
Esta ideia não é muito diferente do que a França e a Alemanha estão a fazer para ajudar o ecossistema de startups a sobreviver a esta fase. O governo francês lançou um pacote de 4 biliões de euros em março, incluindo bridge financing, garantias de Estado a empréstimos e alívios fiscais. A Alemanha criou em abril um plano de apoio às startups no valor de 2 biliões de euros.
País precisa das startups para recuperar
A razão que está na base do avultado investimento é que as empresas com potencial de alto crescimento ou cujo core business esteja assente em investigação, desenvolvimento e inovação são vistas como cruciais e por isso devem ser apoiadas. O governo dá assim sinais de estar genuinamente preocupado em não perder a inovação tecnológica que é vista como solução de futuro.
Apesar de representarem apenas 6% das empresas do Reino Unido, os negócios criados por empreendedores a partir de uma boa ideia são, em contrapartida, responsáveis por gerar cerca de 50% do total de todos os novos empregos criados, defende o autor de Entrepreneurship: Theory and Practice, obra lançada em 2020 pela Macmillan.
Ou seja, metade dos novos empregos criados deve-se ao trabalho de empreendedores motivados pela inovação. Por esta razão, o governo considera-os peças-chave para a capacidade da economia britânica recuperar desta crise. Mas mais: estes 6% de empreendedores são vistos como críticos para o crescimento da produtividade e das exportações do país.
Soluções à medida das necessidades
Até agora as startups não têm conseguido aceder aos programas lançados em março pelo governo para apoiar os negócios e evitar a todo o custo a perda de postos de trabalho. A razão é simples: as startups caraterizam-se por precisarem de altos investimentos antes de começarem a gerar receitas e a dar lucro. E têm uma alta taxa de mortalidade – os empréstimos bancários estão normalmente fora do seu alcance. É preciso entender o funcionamento deste tipo de negócio tecnológico para saber de que precisa.
O medo da comunidade de empreendedores é que estivessem a ser esquecidos nesta crise da Covid-19. “Hoje há cerca de 30 mil startups e empresas com potencial de alto crescimento no Reino Unido que empregam 3.3 milhões de pessoas. São empresas que estão a contribuir pesadamente para a economia, mas ainda não têm lucros porque tipicamente investem tudo nas suas pessoas e tecnologia para trazerem produtos e serviços inovadores para o mercado”, lê-se na petição Save Our Startups enviada ao governo em abril.
Os números vêm confirmar os receios. Na primeira metade de abril, 68% das empresas ouvidas num estudo da escola de negócios da Universidade de Edimburgo reconheciam estar preocupadas com os seus fluxos de caixa e 59% já viam uma queda significativa na sua faturação devido à pandemia. Para 6% dos inquiridos a perspetiva era de fecho do negócio.
Cerca de um terço das empresas do estudo disse não acreditar que o Coronavirus Job Retention Scheme as viesse beneficiar. Lançado em março de 2020, este programa veio apoiar financeiramente as PME durante a pandemia. Através de subsídios em dinheiro, paga 80% dos ordenados de empregados em furlough (lay-off) até um limite de 2,500 libras por empregado e por mês.
Nessa data o pacote de apoios comunicado ascendeu a 330 biliões de libras- um valor que corresponde a 15% do PIB do Reino Unido. Mas essas soluções não se aplicam a novos negócios criados por empreendedores que precisam de capital para crescer e todo o lucro feito é reinvestido na atividade. Assim, sem lucros para mostrar ou divida bancária – outra particularidade é que se financiam com capital de risco porque os bancos não aceitam o risco de emprestar a estes novos projetos, estas empresas ficaram de fora dos pacotes de ajuda do governo.
Como funciona o Future Fund
Os 500 milhões de libras do Future Fund dará às empresas do Reino Unido entre 125,000 libras e 5 milhões de libras da parte do Estado, caso o valor seja pelo menos igualado por investidores privados. O empréstimo do Estado será automaticamente convertido numa participação no capital da startup com 20% de desconto sobre o preço da avaliação conseguido na próxima ronda de financiamento a que a startup se candidate, a menos que o valor da dívida ao Estado seja pago no período de três anos.
Esta abordagem é simpática para os fundadores na medida em que evita que a avaliação seja feita no meio da crise que estamos a viver. Da sua parte, o governo comprometeu-se a colocar 250 milhões de libras no Future Fund, montante que poderá vir a ser aumentado.
O esquema foi desenhado pelo governo e será aplicado através do British Business Bank, a instituição financeira através da qual o Estado oferece empréstimos aos negócios e que já é um dos investidores em vários fundos de capital de risco no Reino Unido.
Além de estarem registadas no Reino Unido, uma das condições é que, nos últimos cinco anos, tenham angariado pelo menos 250,000 libras da parte de privados. Ainda têm de demonstrar que metade ou mais dos seus empregados estão a trabalhar no Reino Unido e metade ou mais das suas receitas vêm de vendas feitas no Reino Unido.
Quem chega primeiro ganha
O Fundo Futuro será distribuído pela ordem de quem chegar primeiro. “A partir do momento em que os principais investidores nas startups angariem os fundos privados necessários, podem inscrever-se através do portal online do Future Fund. No caso de deterem todos os critérios de elegibilidade, o Future Fund alocará o financiamento com base na ordem em que o pedido foi recebido ou processado”, explica Jeff Lynn, executive chairman e co-fundador da Seedrs, plataforma de crowdfunding de participações em startups.
Investidores qualificados
Quem pode fornecer o financiamento privado? Apenas os investidores de capital de risco estabelecidos? O governo optou por uma definição muito ampla de quem pode ser um investidor qualificado: qualquer investidor de alto património líquido ou sofisticado, com certificação própria, assim como os profissionais de investimento, o que inclui todas as empresas autorizadas pela FCA-Financial Conduct Authority, o regulador das empresas que prestam serviços financeiros e mercado de capitais no Reino Unido e supervisor prudencial.
Isto aplica-se não apenas aos investidores britânicos, mas também aos investidores internacionais que cumpram padrões semelhantes nos seus países de origem, como é o caso da CMVM – Comissão do Mercado de Valores Mobiliários em Portugal, entidade supervisora e reguladora dos mercados de instrumentos financeiros.
Uma novidade do acesso a este programa é que quem faz a candidatura não são as empresas diretamente, mas sim o investidor principal. São também os investidores privados a assinar o código Investing in Women Code, uma série de normas de conduta anti discriminação, que assegura que os empreendedores acedem a fundos independentemente do serem homens ou mulheres.
Alívios fiscais
Apesar de não ser o que a comunidade de empreendedores esperava, o governo decidiu que a parte de fundos privados não será elegível para efeitos de redução de impostos. Assim, os investidores não irão ter benefícios fiscais, o que pode afastar alguns fundos. Contudo, o governo explicou que a entrada neste esquema não põe em causa benefícios fiscais conseguidos em investimentos anteriores.
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