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Os portugueses resgataram 887,3 milhões de euros dos planos poupança reforma (PPR) nos primeiros nove meses deste ano, mais 312,5 milhões quando comparado com o período homólogo de 2022, segundo os dados fornecidos pela Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF). Foi um aumento de 54% numa altura em que as famílias podem recorrer a estes instrumentos para fazer face ao aumento do custo de vida e à subida das taxas de juro, sem qualquer penalização. Apesar dos dados do regulador não revelarem as razões para o levantamento de PPR, tudo aponta para que a escalada das Euribor e a subida da taxa de inflação terão impulsionado este crescimento dos resgates.
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Desde junho e até ao final de 2023, os aforradores podem antecipar o resgate de PPR para amortizar o empréstimo da casa até ao limite de 5765,16 euros (12 vezes o Indexante de Apoios Sociais que, este ano, está fixado em 480,43 euros). Esta medida excecional, lançada este verão, veio juntar-se a outras duas em vigor desde outubro de 2022, também criadas para dar um maior fôlego financeiro às famílias. Nessa altura, o Governo estabeleceu que os aforradores podem levantar mensalmente dos PPR um valor equivalente ao IAS, desde que o plano tenha sido subscrito até 30 de setembro de 2022. Neste caso, que está em vigor até 31 de dezembro, não é necessário justificar a razão para o resgate. E também foi dada a possibilidade de resgatar parcial ou totalmente o valor total do PPR se o destino for o pagamento das prestações da dívida contraída para aquisição da casa.
Estas duas primeiras medidas excecionais tiveram logo repercussão no último trimestre de 2022, quando foram levantados 227,2 milhões de euros, um aumento de 16% face ao segundo trimestre desse ano. Entretanto, verifica-se este ano uma aceleração na corrida aos resgates, sendo que as três condições abertas pelo Governo para o levantamento de capital dos PPR são cumulativas, ou seja, o aforrador pode aceder às poupanças para fazer face a quaisquer despesas mensais, até ao limite de 480,43 euros, para amortizar a dívida do empréstimo da casa e também para pagar as prestações do crédito.
Os PPR são um instrumento de poupança, que tem na sua génese o aforro para garantir um complemento da reforma. Em situação normal, só podem ser resgatados sem penalizações por reforma de velhice ou mais de 60 anos, por desemprego de longa duração e doença grave. No entanto, este incremento do valor dos resgates que se verifica numa altura em que há três medidas excecionais e crises de liquidez nas famílias sinaliza que estará a ser utilizado para responder às dificuldades com o pagamento das hipotecas. Esta semana, o CEO do Millennium BCP revelou que “houve um conjunto relevante de famílias que utilizaram a sua poupança para fazer face aos encargos do crédito à habitação”. O BCP contabilizou cerca de quatro mil. António Ribeiro, economista da Deco Proteste, tem a mesma perceção: “Este ano, está a verificar-se um número de resgates significativo”.
Os números dos PPR dão ainda outro sinal das dificuldades que os portugueses estão a sentir. A produção de PPR, ou seja, o montante aplicado nestes produtos, também caiu nos primeiros nove meses deste ano. Entre janeiro e setembro, foram captados 714,5 milhões de euros, menos 34% do que em igual período de 2022.
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Desvirtuados
O recurso a medidas de resgate de PPR para responder a períodos de crise não é novo. Já foi utilizado na altura da pandemia e até no pós-troika. Mas essas exceções têm desvirtuado o produto, defende António Ribeiro. “O PPR é uma poupança de longo prazo, que está a ser desvirtuada, a servir outros fins”, quando é previsível que “em Portugal, dentro de dez anos, as pensões sofram cortes até 50%”, sublinha. Neste contexto, “é importante que as pessoas comecem a poupar, a fazer o planeamento” para quando chegarem à idade da reforma. Para o economista, estas medidas criadas pelo Governo não dão essa “orientação, nem estímulo”. Como frisa, com “estas três medidas, que são cumulativas, posso esvaziar a poupança sem penalização fiscal”.
Na sua opinião, é necessário incentivar as pessoas a criar um complemento de reforma e, para isso, defende o aumento das deduções em sede de IRS ou a criação de uma categoria específica para os PPR. Neste momento, as deduções destes instrumentos no IRS estão integradas no bolo onde se incluem as despesas com saúde, educação ou os encargos com lares. O aforrador pode até já preencher o valor de dedução mesmo sem integrar o PPR, lembra. António Ribeiro sublinha que é “necessário incentivar a poupança para o futuro”.
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