Partilhareste artigo
“Sabemos que neste momento a resposta que está prevista no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) não é suficiente. Porque entretanto (entre a aprovação do programa para ajudar a economia a ultrapassar os efeitos da pandemia e o momento atual) a situação piorou muito.” Quem o garante é o presidente da Ordem dos Arquitetos, questionado sobre o problema da habitação em Portugal. O arquiteto responsável (entre muitos projetos premiados) pela Torre de Controle do Porto de Lisboa aponta o processo de construção e o tempo de execução como maiores obstáculos à resolução de uma questão antiga e que só tem piorado. “Os procedimentos burocráticos são de tal maneira complexos que este prazo, que normalmente é longo – onde tem de haver um projeto, um concurso e a obra e por isso se prolonga por uns três anos – se arrasta ainda mais, por causa de toda a hiperlegislação que se foi acumulando. O processo torna-se insuportavelmente logo.” E os prazos do PRR não se compadecem com esses timings.
Com um reduzido prazo de contratação, até 2026, neste momento Portugal tem 17% dos marcos e metas cumpridos, tendo Bruxelas aprovado o desbloqueio da segunda tranche dos 16 mil milhões afetos a Portugal. Mas metas e obra, ou mesmo dinheiro a chegar ao terreno, são coisas distintas. E é precisamente na execução – ou falta dela – que está a questão: só 160 milhões chegaram até agora à economia. “O problema é que o PRR tem um prazo que não é muito longo para se cumprir uma questão que é complexa. A Ordem dos Arquitetos alertou para isso desde o início”, frisa Gonçalo Byrne ao Dinheiro Vivo, numa conversa à margem da apresentação do Congresso Ordem dos Arquitetos, marcada para março, em São Miguel, Açores.
Para o presidente, o primeiro passo a dar é pôr em campo o que está previsto no PRR, “mas ao mesmo tempo ir pensando que é preciso adotar outras estratégias”. E nomeia o Plano de Arrendamento Acessível como uma das soluções de um plano eficaz para resolver a crise na habitação. “Há fundos bastante elevados, mais de 2 mil milhões de euros para cerca de 26 mil casas que estão a construir de novo, além de reabilitar habitações existentes, capazes de dar resposta aos problemas de estratos sociais diferentes. Neste momento, há muitas frentes a trabalhar, por exemplo nas autarquias , que estão a ser coordenadas pelo Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU).”
Sustentabilidade é chave
Num país com uma das maiores pobrezas energéticas da Europa, a falta de casas – e a preços que os portugueses possam pagar – é só um lado do problema. E a solução para a Habitação, que até ganhou estatuto de ministério no atual governo – um passo positivo, para a Ordem -, pode também ajudar a melhorar essa vertente e a criar cidades mais sustentáveis e adaptadas aos novos desejos que saíram da pandemia. Gonçalo Byrne aponta-os sem hesitar: a perceção de espaço e o modo de viver mudaram radicalmente, obrigando a novas adaptações. “A arquitetura interfere com o habitat e com a humanidade e depois da pandemia as pessoas perceberam que, quando estão confinadas, as suas casas têm limitações; é importante ter espaço exterior e que os quartos tenham mais área”, defende.
Por outro lado, a arquitetura é fundamental no caminho para a redução da pegada carbónica. “A construção tem uma quota de cerca 40% de emissão carbónica,, logo a construção como existe hoje tem de ser reconvertida.” Casas mais preparadas para resistir a eventos extremos e energeticamente eficientes são um caminho. Lembrando o risco de se repetirem inundações como as que há um mês abalaram Lisboa e Porto, Byrne assume que o tema está mais na área da engenharia, mas não deixa de ser uma preocupação da arquitetura. “Se o nível do mar subir vai haver maior risco de inundações na cidade de Lisboa”, exemplifica, pelo que o local e o tipo de construção tem impacto. Por outro lado, o investimento em soluções para melhor desempenho térmico das casas também tem de crescer. “Isto está relacionado com a melhoria da caixilharia, melhoria do isolamento térmico das paredes, etc. Se as casas não estiverem protegidas para manter uma boa temperatura lá dentro, obviamente é preciso consumir mais energia. Portanto, há aqui um desequilíbrio que é preciso corrigir.”
Deixe um comentário