Rogério Alves, presidente da AES – Associação das Empresas de Segurança, lembra que a “excessiva dependência de pagamentos eletrónicos” tem riscos de cibercriminalidade associados. Diz que o papel tem e continuará a ter um papel decisivo e que seria “uma péssima notícia” se assim não fosse.
Nesta altura em que se encoraja o confinamento e por consequência cresceram brutalmente os pagamentos por net/homebanking, a cibercriminalidade também cresceu. Que riscos reais existem?
Vamos por partes. Os meios de pagamento não se excluem: complementam-se. É ótima para qualquer pessoa a faculdade de poder dispor de meios cómodos de pagamento, seja o MBWay seja o homebanking ou equivalente. Contudo a história tem reservado ao cash um papel decisivo para o funcionamento das economias, sobretudo para o pequeno consumidor, que é quem efetua a esmagadora maioria das transações. E se é assim em termos históricos, recomendando aqui a informação prestada pelo BCE a este respeito, mais assim é em tempos de crise. A excessiva ou, como alguns parecem querer, quase exclusiva dependência dos cidadãos dos pagamentos eletrónicos, representa um risco enorme face, nomeadamente, aos perigos derivados da tal cibercriminalidade. Tudo tem riscos: o furto ou a perda da carteira representam os riscos da fase mais básica de uso de meios de pagamento. A burla efetuada com a informática, os apagões e o crash que pode ocorrer, são riscos elevadíssimos da era moderna. Fica-se sem dados e sem meios. Nesses momentos o mundo precisa de continuar a girar e as pessoas continuam a precisar de comprar. O cash é o antídoto contra o crash.
Até que ponto pode um ataque de um hacker pôr em perigo as nossas contas ou impedir-nos de lhes aceder?
Claro que pode. Se até uma simpática cegonha já pôs o país às escuras, veja o que não poderá fazer um hacker criminoso, que ataca por dinheiro. Recomendo que se ouça a Polícia Judiciária a este respeito.
O que devíamos estar a fazer para nos protegermos mais neste panorama em que nos encaminhamos para usar cada vez mais essas soluções?
Privilegiar a informação para reduzir os riscos. Uma vez mais, ouvir os especialistas, que se preocupam com a proteção de cada um e da comunidade como um todo. E, de caminho, falar também desses riscos. Somos muito dóceis com o que chega da web. Tratamo-la como uma espécie de dádiva divina. Colocamos o aceito, o concordo e o quero com demasiada docilidade. Devíamos perceber que um sim dito ali, deveria ter a mesma exigência, se me permite a ironia, daquele que se coloca no ritual dos casamentos.
O surgimento de soluções como N26, MBWay ou Revolut, que não são bem bancos apesar de oferecerem o mesmo tipo de serviços, havendo diferenças nomeadamente ao nível da regulação, faz crescer os riscos?
Claro que sim. Amiúde nem sabemos quem manda nessas plataformas, quem as regula e como poderemos interagir com elas em caso de dúvida ou, pior ainda, de litígio. O que levanta problemas a vários níveis de segurança e, igualmente, quanto ao uso dos nossos dados pessoais. Acresce que um dia poderemos acordar com uma galeria antipática de custos, que se tornem o preço incontornável da dependência criada. Tudo o que é bom tem sempre um lado mau, como tudo o que é mau tem sempre uma dimensão positiva.
O BdP – e o BCE – deviam estar mais em cima destas soluções e criar regras mais estritas?
Sei que o BCE começa a dar passos importantes na tentativa de controlo destas situações. Acredito que no curto ou médio prazo será possível ter regras claras e bem definidas para estas plataformas. Caberá nomeadamente ao BCE, à semelhança do que já existe em outras situações de legitimação de numerário, indicar quais as plataformas validadas e as não validadas.
Acredita que o dinheiro físico vai desaparecer?
Acredito sobretudo que há muito quem queira que o dinheiro físico desapareça. Tratar-se-ia de uma péssima notícia para os consumidores, que tanto o usam e precisam de o usar, mas ao invés de uma ótima notícia para os meios alternativos, que assim se tornariam monopólio. Veja a campanha subliminar, que tenta fazer crer que o manuseio de notas é perigoso neste quadro de pandemia. Infelizmente sabemos que o vírus se instala em várias superfícies, pelo que há um perigo efetivo de contágio. Mas o que é menos dito, sendo que aqui, uma vez mais remeto para informação originada no BCE e para os estudos que a sustentam, é que o risco é menor na superfície porosa das notas, do que, por exemplo, nas superfícies plásticas. Em qualquer caso e face ao implemento dos meios eletrónicos claro que haverá algum decréscimo do volume em circulação. Mas a extinção deste meio de pagamento seria, ao mesmo tempo, um erro e um perigo. Há espaço para a coexistência e é a coexistência que se aconselha a bem das pessoas, da economia e da segurança.
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