Os aumentos salariais médios no setor privado rondaram 4% ou mais nos primeiros cinco meses deste ano, indicam os dados das remunerações declaradas à Segurança Social. São os melhores registos dos últimos oito anos, sendo preciso recuar a maio de 2010 para encontrar valores desse calibre (4,3%). Portugal esteve sob um programa de ajustamento que obrigou a cortar salários e pensões até meados de 2014. Cinco anos volvidos, os salários aceleram, finalmente.
Os maiores aumentos até terão sido obtidos fora dos mecanismos de negociação coletiva já que estes acordos firmados entre grupos de trabalhadores e patrões desde o início de 2019 (até março) não geram subidas superiores a 3,1%, facto que relativiza a influência da negociação coletiva no aumento geral dos ordenados.
Muitas instituições (FMI, Comissão Europeia, OCDE) sempre apontaram a negociação coletiva como uma ameaça à competitividade da economia: podia alimentar atualizações salariais superiores à produtividade e restringir a criação de emprego, protegendo os existentes.
Não foi bem o que aconteceu no período pós-troika. O Fundo Monetário Internacional (FMI) confirma que “os custos laborais unitários mais baixos ajudaram a recuperar a competitividade”. Mas observa que “esse declínio foi baseado em salários mais baixos em vez de ganhos de produtividade”.
Portugal, indica o FMI que recorre a um novo estudo do Fórum Económico Mundial, é até o país do grupo dos resgatados (Portugal, Grécia, Irlanda e Espanha) onde a competitividade mais recuperou no biénio 2017-18 face a 2015-16.
O Fundo nota ainda que os quatro países em causa (Espanha também é considerada porque teve um programa dedicado aos bancos) reduziram de forma muito pronunciada os custos unitários do trabalho (custo por trabalhador), sobretudo entre 2014 e 2016, com descidas na ordem dos 10% ou 15%. Além disso, o FMI congratula-se por o atual governo não ter enveredado por uma reversão completa das medidas de liberalização do mercado laboral do tempo da troika. “As medidas em consideração emergiram de uma negociação tripartida, impedindo reversões significativas”.
Por exemplo, a majoração das férias dos trabalhadores dependentes e o regime das compensações por despedimento não foram revertidos. As condições de acesso ao subsídio de desemprego também não voltaram a ser tão generosas como antes da troika.
O efeito salário mínimo
Entretanto, os tempos mudaram e os salários parecem estar a subir com mais solidez. Os observadores indicam que isso pode dever-se ao facto de o salário mínimo nacional (SMN) ter avançado até aos 600 euros, puxando por outras remunerações na economia. Mas também pelo facto de haver cada vez menos novos contratos assinados tendo o SMN como base, o que faz crescer a média salarial nacional.
O Gabinete de Estratégia e Planeamento do Ministério do Trabalho (GEP) garante que “tem vindo a reduzir‐se progressivamente o peso dos trabalhadores com remuneração igual ao SMN no total do emprego criado em termos homólogos”. No período de janeiro a maio de 2017, os novos empregos criados tendo por base o SMN (criados face ao mesmo quadrimestre do ano precedente) representavam 69% do novo emprego total gerado nesse mesmo período. O peso do SMN nos novos contratos caiu depois para 24% em 2018 e 7% em abril deste ano.
“Assim, em números absolutos, só 10 mil dos 138,1 mil empregos criados entre o primeiro quadrimestre de 2018 e o primeiro quadrimestre de 2019 têm remuneração equivalente ao SMN em vigor”, isto é, 600 euros mensais brutos, observam os peritos do ministério de José Vieira da Silva.
A Comissão Europeia também está relativamente tranquila quando a esta descolagem salarial. Diz inclusive que o “recente abrandamento” no emprego em Portugal está a fazer com que o crescimento dos salários esteja a ter menos impacto do que o esperado na retoma da economia.
“O crescimento dos salários é mais elevado do que a inflação [um indicador de que o poder de compra está a subir], mas o seu impacto na procura agregada é parcialmente contrariado pelo recente abrandamento na criação de emprego”, referem os economistas de Bruxelas.
Ou seja, no entender da Comissão havia receios de que um crescimento rápido dos salários pudesse alimentar demasiado o consumo privado, aumentando o risco de agravamento do défice externo da economia. Muito do consumo doméstico é à base de importações. A Comissão mostra-se menos inquieta com isso. De facto, o crescimento do emprego tem vindo a sofrer uma travagem pronunciada desde meados de 2017.
Haverá ainda outro fator que está a puxar pelos salários na economia como um todo. Segundo a missão do FMI que segue Portugal, “a pressão sobre a massa salarial [do setor público] também está a aumentar”. “Apesar do compromisso do governo em reduzir o emprego público no orçamento de 2018, este cresceu mais de 2%, refletindo em parte o aumento das necessidades na sequência da passagem para a semana das 35 horas. Adicionalmente, “o descongelamento gradual das progressões na carreira está a pressionar ainda mais a massa salarial”. O FMI pede aqui cuidados redobrados.
Quem ganha, quem perde
No inquérito periódico aos ganhos salariais (salários base mais suplementos, valores brutos), divulgado no final de junho, o GEP mostra que os ordenados subiram uns expressivos 15,5% na indústria extrativa entre outubro de 2017 e igual mês do ano passado. Com um ganho médio de 1476 euros brutos por mês, esta foi o setor mais beneficiado ao longo de 2018.
O ganho médio nas atividades desportivas e dos espetáculos avançou 5,3% (para 1702 euros). Na construção, o aumento superou os 5%, tendo o ordenado bruto médio ficado em 1017 euros mensais.
As únicas classes profissionais que perdem neste período em análise são as de transportes e armazenagem (quebra de 1,2% para 1470 euros brutos) e os trabalhadores dos setores de informação e comunicação, onde o ganho bruto cedeu mais de 3%, para 1856 euros mensais.
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