Como é que as vacinas acabam com as pandemias? Os especialistas também erram? Porque existem negacionistas? Como se mente com estatísticas? São algumas das perguntas a que Tim Harford procura responder, de forma acessível, com números.
O economista britânico desconstrói a linguagem para mostrar que estamos rodeados de dados e, em entrevista à Renascença, garante que, bem interpretados, revelam todas as respostas.
Em “O que os números escondem” (Objetiva), apresenta “10 regras para aprender a decifrar informação e compreender melhor o mundo”. Uma ferramenta que chega no tempo certo, quando muitos estão confinados pela pandemia e de olhos postos nos números, que vão determinar a data e a forma do regresso à normalidade.
Praticamente todos têm uma opinião, mas o risco não é calculado com base nos humores de uns e de outros, mas da evolução do índice de transmissibilidade ou RT, os doentes em UCI ou a taxa de positividade. Tim Harford ensina a ler os números, a procurar a verdade, dá exemplos de como os números podem enganar e como evitar as armadilhas.
Por causa da pandemia, hoje acordamos e adormecemos com números. Já nos dizia isso no livro, mas nunca foi tão verdade.
Para entendermos o mundo, é essencial olharmos para os dados. Com a pandemia, o que mudou é que percebemos que os números não são apenas sobre vencer argumentos, também são sobre entender o que nos rodeia e, sem os dados, tomamos más decisões.
No início da pandemia não tínhamos informação, não sabíamos onde estava o vírus, como era perigoso, quem era mais vulnerável, só adivinhávamos. Quanto mais aprendemos sobre o vírus, sobre o tratamento, sobre a vacina, melhor decidimos.
Está em contacto com o público. Há muita confusão e dúvida sobre os números da pandemia?
Há uma minoria de pessoas, muito cínica, que não acredita em nada, mas a maioria está recetiva e quer entender. Claro que pode ser difícil, quando há tantos números diferentes, tantas reivindicações distintas, mas penso que a maioria tem um bom entendimento do que está a acontecer e quais são os riscos.
Quando queremos saber, quando estamos motivados para entender, a maioria consegue fazê-lo. O problema, na maioria das discussões atuais, é que as pessoas não querem saber a verdade, elas querem vencer uma argumentação, querem que o lado que defendem nos debates lidere as opiniões. Isto faz com que seja muito difícil verem a verdade.
No entanto, com a pandemia, a maioria das pessoas quer saber e, se querem saber, podem entender.
E em relação às vacinas? Fala dos negacionistas no seu livro.
É importante perceber que os negacionistas extremos são uma minoria. Tento ser positivo sobre as pessoas e a sua capacidade para perceber. Quando as pessoas tomam más decisões, cometem erros, muitas vezes é porque estão a passar por emoções muito fortes de desejo ou raiva.
As vacinas atraem teorias da conspiração. Pessoas com perspetivas sensíveis sobre tudo, desconfiam das vacinas. Quando estamos doentes vamos ao médico, com quem existe uma relação pessoal. Já as vacinas são geridas pelos governos, uma autoridade distante, aqui vai pesar a nossa relação com esta autoridade e se existe confiança.
O que é mais importante para decifrar corretamente uma estatística?
Não nos deixarmos levar pelas emoções. Mesmo sendo extremamente inteligentes, especialistas de facto, e bons leitores dos dados, podemos retirar conclusões erradas se estivermos zangados.
A minha última pesquisa é sobre a vacina, olho também para as estatísticas dos testes à Covid-19, e é muito interessante observar que pessoas bastante inteligentes ficam extremamente zangadas com outras pessoas igualmente inteligentes. Precisam de relaxar, porque assim não estão a ajudar.
Uma vez calmos, tranquilos, podemos ser curiosos e fazer perguntas, obter o contexto: este é um número grande ou pequeno? Posso compará-lo? De onde vieram estes números? Não são perguntas complexas, mas ajudam-nos a compreender o que se passa.
Isso leva-me ao início do livro “O que os números escondem”, em que questiona como podemos mentir com as estatísticas? Elas não são interpretadas? As mentiras não dependem das intenções de cada um?
Sim, as pessoas podem distorcer ou interpretar mal as estatísticas. Mas temos de reconhecer que as estatísticas também podem ser usadas para dizer a verdade, para nos mostrar a realidade.
Penso que um dos maiores perigos é a ideia de que devemos duvidar de tudo, de que nada é verdade, tudo é mentira. Quando ficamos presos nesta mentalidade absolutamente negativa e cínica, estamos realmente em apuros.
Tenho um programa de rádio onde falamos de estatísticas e tento sempre ser positivo. Se alguém errou, se alguém mentiu, denunciamos. Mas também falo sobre a verdade.
Uma das características do que escreve é que não se associa de imediato a um economista, fala para todos. Esta é também uma das características dos números e das estatísticas, são universais, estão em todo o lado?
A maioria das coisas pode ser contabilizada, mas nem tudo. É importante perceber que vemos grande parte do mundo através das estatísticas, mas nem sempre recolhemos toda a informação possível, a informação que importa. Por isso, não podemos olhar apenas para as estatísticas, temos de tentar abarcar tudo o que está a acontecer. Por exemplo, nesta pandemia, temos estatísticas muito boas sobre as mortes, já não temos estatísticas assim tão boas sobre a depressão, mas as duas são importantes para salvar vidas.
Diz que não estamos a ver tudo?
Sim. Os números mostram-nos muita coisa, mas não nos contam tudo. É um equilíbrio importante que tem de ser garantido.
É fácil dizer: “Não acredito em nada, a não ser que veja os números”. Isso é um erro. Mas também é um erro dizer que “Só acredito no que vejo, só acredito na minha experiência, não confio nos números”.
Qualquer um destes lados está errado, precisamos de nos posicionar no meio, para entendermos a nossa própria experiência, o senso comum, o que vemos e ouvimos, mas também para perceber o que mostram os números – quando temos os dois, tomamos melhores decisões.
Tudo isto (pandemia) é novo, para a população e especialistas. As estatísticas são a única ferramenta que temos como instrumento de orientação?
Em muitas das decisões que tomamos, sim. As estatísticas são a fonte principal de informação. Este vírus é invisível, não o vemos, precisamos que as estatísticas nos digam quem é mais vulnerável – os velhos ou os novos? A gripe costuma matar os mais idosos, o Sarampo ataca os mais novos. Temos que saber quem corre o maior risco, a que velocidade se propaga, quantos casos são assintomáticos ou todos têm sintomas? Qual é o melhor tratamento, hidroxicloroquina, dexametasona, outro? As vacinas funcionam? Todas estas perguntas são importantes e para responder precisamos de dados, das estatísticas, sem isso não sabemos nada.
As estatísticas estão a ser reunidas por epidemiologistas e estatísticos. É incrível o trabalho que está a ser feito. Estão a mostrar-nos esta ameaça invisível, agora conseguimos vê-la e isso é possível devido às estatísticas. Devemos agradecer a estes profissionais, não é um trabalho fácil.
Hoje a população já entende melhor os números?
Vejo as coisas de duas perspetivas. Se queremos entender os números, se temos curiosidade e queremos realmente conhecer a verdade, agora é muito mais fácil: podemos ver os gráficos e os dados, confirmar as fontes, temos o Google, todos têm calculadora no telefone e no computador e podemos encontrar explicações muito claras para o que está a acontecer, junto de académicos, por exemplo.
Por outro lado, quem quiser apenas irritar-se, seguir pessoas com opiniões semelhantes nas redes sociais, republicar e deixar likes sem ler e acreditar em teorias da conspiração, isso também é fácil.
Tudo depende na motivação de cada um. Quem quiser entender, pode fazê-lo, mas quem quiser, também pode facilmente ser um tolo.
Com os mesmos números?
Exatamente com os mesmos números.
Isso é assustador.
Penso que nos dá esperança. Temos uma escolha. Não se trata de ser um especialista, mas de ter curiosidade. Se quisermos entender o que nos rodeia, hoje temos ferramentas poderosas, a internet dá-nos um acesso incrível a recursos. É como uma grande oportunidade e é pena que nem todos aproveitem, alguns só querem irritar-se e confirmar os próprios preconceitos.
Os especialistas também podem empolar os números?
É certamente possível que os especialistas se enganem, sobretudo quando se envolvem na política, quando ficam emotivos. Mas, atualmente somos privilegiados, podemos ver o que os especialistas escrevem, colocam nos blogues e no Twitter, podemos ler as entrevistas, é muito mais fácil agora entendermos a pespetiva destes especialistas.
Mais uma vez, é uma questão de motivação – queremos saber a verdade? Se sim, está mesmo ali, nos nossos computadores.
Esta pandemia concentra as atenções de todos. Que perspetivas tem para o futuro, a médio prazo?
Tenho muita esperança no poder das vacinas. Há a sensação que isto nunca vai terminar, está a demorar imenso o processo de vacinação e ainda temos a espera, de cerca de duas semanas, até que a vacina previna de facto o contágio, e ainda demora mais até que a vacina diminua o número de mortes. Mas a situação é agora muito mais positiva. Veremos bastantes avanços na primavera.
Antes do confinamento, era impossível prever quando iria terminar, como íamos vencer o vírus. Mas agora sabemos como, temos as vacinas. Vai ser duro durante algumas semanas, mas muito mais positivo no resto do ano.
E como deverá evoluir a economia?
A economia sofreu muitos prejuízos, devido às restrições que nos foram impostas para conter o vírus, mas acredito que a recuperação será forte. Não vamos sair sem danos, nos negócios e nas pessoas. Mas temos sido bastante resilientes, até agora. Estou otimista.
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