//“Sem reversão notória da escalada de preços” vai aumentar a contestação

“Sem reversão notória da escalada de preços” vai aumentar a contestação

E todos temos a noção da necessidade de fazer a transição dos negócios, a digital e a climática. Estes fundos podem ajudar-nos nessa direção.

Mas isto também tem de partir muito da iniciativa privada. Ao contrário da generalidade dos comentadores, que estão muito preocupados com aquilo que o Estado está a fazer ou vai fazer ao dinheiro, a mim preocupa-me isso mas também me preocupa em igual medida que apareçam ideias de empresários, boas ideias para este dinheiro ser aplicado, este e outro que venha.

Se não tivermos boas ideias para negócios, mais vale então o dinheiro ser gasto simplesmente com as pessoas diretamente, e que o consumam e que sejam felizes.

Tem de haver boas ideias para estes negócios serem aplicados e para isso é bom termos pessoas talentosas, que são capazes de ver o que é que tem futuro. E podem ser coisas muito variadas, desde as tais áreas de energia, investimentos para conseguirmos vir a ter de facto capacidade para substituir as energias fósseis, por outras mais amigas do ambiente e do planeta; atividades que possam ser feitas de forma digital, que também sejam melhores do ponto de vista ambiental; até uma indústria recreativa ou artística, mais requalificada e com mais interesse, que se torne ela própria um grande sector de desenvolvimento.

Já temos alguns unicórnios

Vamos tendo os unicórnios, umas start ups engraçadas… E depois temos, como acontece muito na Europa, um mercado de capitais ainda pouco desenvolvido e incipiente. Quando esses negócios começam a crescer, saem de Portugal e muitas vezes saem da Europa, vão para os Estados Unidos perdemos-lhes o rumo.

Não é justo. Porque depois parece que o investimento que é feito, enquanto nação, é em barriga de aluguer. Tivemos aqui a incubar o projeto, as pessoas, o talento, tudo, e depois perdemos-lhes o norte. Temos de ter aqui uma boa forma de fixação de riqueza, esse deve ser um grande objetivo para quem tiver capacidade para decidir.

No fundo, está a falar também muito em estratégia e gestão. Falta gestão e gestores qualificados nas empresas portuguesas?

Vamos olhar um bocadinho também para a própria qualificação de quem trabalha nas nossas empresas ou de quem gere as nossas empresas.

Temos uma esmagadora maioria de empresas que são de pequena dimensão. As qualificações da gestão das empresas mais pequenas, de empresas que são ainda negócios familiares, muitas vezes são menores. E nem sequer é por má vontade. Simplesmente, somos só duas pessoas ali na empresa, ou três, quem é que tem tempo para ir fazer formação?

Há aqui um problema de escala a que temos dificuldade de dar resposta, mesmo em escolas de gestão, como a minha. Como é que eu consigo chegar àquelas empresas e trazer nova formação, fazer o riskilling e o up skiling destes trabalhadores?

Pode haver uma solução intermédia, entre uma formação avançada e uma formação inicial?

Alguma coisa se vai fazendo. Mas temos de começar a juntar mais estas empresas e ter alguns programas, alguma formação e alguma “awareness” (consciência) mais específica. Há programas que vão incentivando boas PME e que lhes vão dando algum incentivo e algum reconhecimento especial pelo bom trabalho que fazem. Mas, se calhar a gestão ainda não é tão profissionalizada quanto gostaríamos. É importante dinamizar uma cultura de crescimento das empresas.

Para isso, o financiamento não pode ser só bancário. As empresas e estes empresários de pequenas empresas têm de começar a habituar-se a abrir um bocadinho o seu capital e a terem mais sócios.

Pensarem em opções como a bolsa?

Aí é uma questão de enviesamento pessoal. Apesar de tudo, e das deficiências que este sistema capitalista tem, ainda continua a ser a forma que nós temos de abrir o capital e dele ser partilhado de alguma forma, por mais pessoas. De não dependermos apenas do nosso capital humano, enquanto trabalhadores de uma organização, e também sentirmos, enquanto detentores de capital financeiro, algum benefício por esse lado.

Em relação ao ensino… Apoia a possibilidade de os politécnicos concederem doutoramentos?

Nunca discuti esse assunto com ninguém, posso-me arrepender daquilo que vou dizer, é totalmente irrefletido… Mas qualquer dia então não temos distinção nenhuma entre o que é Instituto Superior Universitário e Instituto Superior Politécnico e, qualquer dia, ninguém já sabe o que é que deve fazer.

Nós fazemos formação muito específica para profissionalizar, os politécnicos fazem o mesmo que nós, investigamos as mesmas coisas da mesma forma, a relação com as empresas é igual, é diferente.

Então, qual é a lógica de termos politécnicos e universidades? É para serem animais diferentes, não é? Entidades com características diferentes.

Se me perguntasse à partida se eu acho que faz sentido terem programas de doutoramento, acho que para a natureza do que devia ser o ensino politécnico, daquilo que eu me lembro na sua génese, não, não havia essa necessidade. E os professores dos politécnicos podem, naturalmente, aceder a fazerem doutoramentos em universidades. Senão, temos aqui um sistema que se torna único e temos que reavaliar isto tudo. Eu não gastaria tempo com isso.

Ainda sobre gestores e gestão, é preciso mais gestão na política? Temos assistido a problemas como o caos na saúde ou a rutura do aeroporto de Lisboa. São problemas que já podiam estar resolvidos há mais tempo, com menos política e mais gestão?

A máquina é muito difícil. É muito difícil gerir entidades públicas. Eu seria ainda mais crítica antes de ter esta função de gestora, também numa universidade pública, em que eu vejo a complicação que é gerir estas entidades. Todas as regras de contratação, a rigidez de contratos, limitam a margem de manobra de quem gere. Se calhar, uma gestão um bocadinho mais flexível, em que medíssemos com mais rigor e cuidado e frequência os resultados, e não tanto as regras, se estão a ser cumpridas ou não. Em vez de estarmos tão preocupados em cada minuto, a saber se o gestor roubou, se fez algo incorreto, se tivéssemos preocupados em ver o resultado final e só em caso de alerta então fazer a investigação do que se passou, éramos mais eficazes.

As regras que nós temos são tão apertadas que muitas vezes levam à inação, a ninguém se querer responsabiliza por nada, não querer tomar decisão nenhuma, porque leva tanto tempo até se conseguir mudar alguma coisa, que não facilita a transformação de áreas tão pesadas como aquelas que mencionou: saúde, transportes, educação, etc.

Sectores em que temos concorrência entre entidades públicas e entidades privadas, muitas vezes temos a noção de que o privado funciona melhor, também está sujeito a outras regras e tem outra agilidade nos procedimentos, o que torna ainda mais difícil competir no setor público com os concorrentes do setor privado e ainda piora o desempenho no público.

Ver fonte

TAGS: