Como se explica que a cultura não esteja na vanguarda em 2018? Simples. Na opinião da curadora (e não designer) Guta Moura Guedes, é porque os recursos não estão a ser aplicados na área da cultura.
A cofundadora da associação Experimenta, que de 1999 a 2017 promoveu a bienal ExperimentaDesign, em Lisboa, é contra quem critica a subsidiodependência dos artistas. Diz que esse é um raciocínio errado e que sempre houve mecenas a financiar o trabalho dos artistas.
“Há um autismo generalizado de quem nos governa na área da cultura”, disse por ocasião da última entrevista pública da iniciativa 30 Portugueses, Um País, evento promovido pelo grupo hoteleiro PortoBay.
“Ser ministro da Cultura em Portugal é muito pouco”, afirmou, quando questionada pelo jornalista e escritor Luís Osório sobre o seu interesse em ocupar um lugar na política. A culpa, sublinha, é dos primeiros-ministros, na medida em que são eles quem define as prioridades na alocação de meios financeiros. Reconhece a dificuldade perante as necessidades da saúde e da educação, mas insiste que a cultura não pode ser colocada no fim da lista das prioridades nacionais. Com 20 anos de experiência na Experimenta, deixou uma nota: não houve momento algum em que não tivesse conseguido provar o benefício da cultura e de como todo o processo gerou mais-valias.
Voltando à questão: “Não tenho interesse nesse cargo”, disse. Além disso, considera não ter perfil para funções institucionais em que tem de pedir justificações e defender aquilo em que acredita. E explica que a sua maneira de ser é solitária, “pessoa de si própria” e otimista. Acredita no poder do indivíduo, mas também fica perturbada com a falta de coragem, franqueza e de frontalidade. É “militantemente otimista”, a ponto de, às vezes, ter de se contrariar por ser “quase excessivo”. Parece uma incapacidade física: “Não consigo ser pessimista.” E o que é o otimismo? “É ver algo de positivo mesmo na sombra.”
Foi isso mesmo que fez no ano da última edição da ExperimentaDesign, em dezembro de 2017. Inaugurou a Lisbon Gallery, dando continuidade ao trabalho feito na Experimenta. A galeria em Lisboa é um espaço de exposição no piso térreo do Palácio do Príncipe Real com cerca de 32 peças de artistas portugueses e estrangeiros. Mas, parecendo contradizer-se, revela: “Não gosto de objetos.” Gosta de livros. E tem música a ocupar os espaços onde vive: “sempre vivi em casas excessivamente vazias…”
Guta, afinal, não é o nome que tem no cartão de cidadão, mas Augusta Regina, que herdou da sua avó materna, “uma mulher fortíssima, loura de olhos azuis”. De Augusta, “passei a ser Guta num instantinho”. É com este nome artístico que a também mãe de dois filhos, na casa dos 50 anos, assina todas as semanas uma coluna de opinião no Expresso sobre design e cultura.
Mas, afinal, quem é a Guta? É mais trabalho, família, escola, sociedade, amigos ou relações, perguntava sentado na assistência José Pinto Ribeiro, seu amigo e advogado há mais de dez anos. “Quem mais fez aquilo que sou foram os meus pais. Sem eles, nunca seria quem sou.”
Não é fácil encaixar Guta Moura Guedes. Ela própria confirma que as pessoas não sabem defini-la por causa das contradições que fazem parte de si. Aprecia “o belo”, a serenidade, a alegria. “Quem acha que ‘o belo’ não importa é porque tem medo de achar.”
Considera que a arte é um mundo à parte que poucos frequentam. Perdoa o cinismo de um artista maior porque o que lhe interessa é o que ele é capaz de produzir; a sua contribuição para o mundo.
O que já realizou não lhe parece suficiente. No futuro, quer contribuir (mais) para a cultura, para que seja levada a sério pela Europa. “Gostaria muito de ser útil.”
Os encontros com portugueses que se destacam e que darão origem a um livro editado pela Guerra e Paz, a publicar no final de 2019, são sempre à terça-feira, às 18 horas, na Rua Rosa Araújo, em Lisboa.
António Vieira Monteiro, presidente do Santander Totta, será o próximo entrevistado, no dia 23 de outubro.
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