Foi uma das responsáveis pelo desenvolvimento das Lojas do Cidadão e, aos 66 anos, a outrora investigadora Maria Manuel Leitão Marques, continua determinada em modernizar uma administração pública que continua a não ser o melhor exemplo de inovação. É por isso que desde 2015 é a Ministra da Presidência e da Modernização Administrativa e uma das iniciativas que mais acarinha é esta, de levar inteligência artificial para os serviços públicos.
À Insider / Dinheiro Vivo a ministra explica que tudo começou com uma reunião no Porto de várias horas com representantes de universidades de todo o país, tudo para que se pudessem juntar a uma seção da administração pública e apresentar um projeto onde se colocasse a inteligência artificial ao serviço da eficiência, de forma a tornar cada vez mais úteis os muitos dados que o Estado já tem dos serviços e de todos nós.
Muitos projetos apresentados depois, um júri internacional selecionou 15 projetos de investigação nas áreas da inteligência artificial e ciência dos dados, aos quais o governo vai atribuir (com apoio europeu) cerca de 3,8 milhões de euros para que se tornem protótipos testados na prática. O objetivo? Promover o conhecimento “em prol da inovação e modernização dos serviços públicos portugueses”.
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Os projetos são financiados pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), no âmbito do programa INCoDe.2030 – Iniciativa Nacional Competências Digitais e.2030, que visa o reforço das competências digitais de toda a sociedade portuguesa e está integrado no Plano Nacional de Reformas (PNR).
Todos estes projetos de investigação estão enquadrados no INCoDe.2030, dedicado à Investigação e vão ser desenvolvidos em áreas como a saúde, educação, cultura, mobilidade e gestão do território. Ficámos ainda a saber que haverá em breve novo financiamento de nova leva de projetos nesta área.
Como é que surgiu esta iniciativa de trazer inteligência artificial para as práticas da administração pública?
É um desejo deste governo criar um ecossistema ou cultura de inovação dentro do setor público permanente, que se manifesta em projetos que temos no Simplex. Muitos dos que temos são disruptivos, outros mais incrementais, que se manifestou num laboratório para testar novos projetos e agora, com a iniciativa que apresentamos esta quarta-feira, usa novas tecnologias na área da inteligência artificial e ciência de dados para desenvolver novos serviços com a administração pública. Como é que chegámos lá? Primeiro reuni com a comunidade científica que trabalha nesta área e fiz-lhes um desafio. O que estariam disponíveis a fazer para ajudar a administração pública. Foi uma reunião no Porto de várias horas e houve muitas ideias, o que nos levou a abrir um financiamento para parceria entre entidades públicas e centros de investigação das diferentes universidades, Minho, Porto, Coimbra, Lisboa, Évora. A ideia era poder fazer protótipos de ideias inovadoras para melhorar os serviços públicos. Abrimos um primeiro financiamento de quatro milhões de euros, vamos financiar uma primeira série de 15 projetos.
SÃO DIFERENTES ÁREAS QUE TÊM EM COMUM O SEGUINTE: O TRATAMENTO DOS MUITOS DADOS QUE A ADMINISTRAÇÃO TEM DEVIDAMENTE ANONIMIZADOS E COM OS DADOS PESSOAIS PROTEGIDOS, QUE PODEM SER UTILIZADOS PARA PREVENIR PROBLEMAS EM VEZ DE OS TER DE REMEDIAR.
Há áreas muito diferentes?
Sim, várias. Só para dar alguns exemplos:
- – a deteção do risco de desemprego de longa duração, permitindo atuar preventivamente e evitar em alguns casos que ele se torne mesmo de longa duração.
- – a melhoria ao atendimento aos empresários através do desenvolvimento de assistentes virtuais, chatbots, capazes de prestar informações.
- – na área da saúde temos vários projetos, um deles ajudar os médicos de família a rastrear o cancro da pele
- – na mobilidade urbana, reunindo dados de diferentes fontes e sensores para antecipar os congestionamentos de tráfego e ter decisões em tempo real, até um projeto com a Câmara de Lisboa e o INESC.
São diferentes áreas que têm em comum o seguinte: o tratamento dos muitos dados que a administração tem devidamente anonimizados e com os dados pessoais protegidos, que podem ser utilizados para prevenir problemas em vez de os ter de remediar.
A nível de incêndios não têm, para já, nenhum projeto pensado?
Neste projeto inicial por acaso não, mas obviamente que é possível usar os dados na prevenção de incêndios usando imagens de satélite, por exemplo. Temos um projeto financiado na proteção e gestão do território, da Direção Geral do Território e do Instituto de Desenvolvimento de Novas Tecnologias da Nova de Lisboa, que pode ajudar nessa área mas ainda não é focado só nos incêndios. Mas obviamente é uma área que pode também ser trabalhada por inteligência artificial.
O mais importante que deixemos de associar apenas a ideia de inteligência artificial a robôs e a robôs que substituem pessoas, mesmo quando têm nomes de pessoas como a robô Sophia. A inteligência artificial e ciência de dados, serve para melhorar a nossa qualidade de vida e também pode ajudar os serviços públicos. No fundo serve para aquilo que as pessoas decidirem onde deve ser utilizada.
A nível de implementação, há várias parcerias com várias universidades portuguesas. Tem esperança que alguma delas possa ser usada depois do período experimental com maior impacto?
Isto foi uma ideia bem sucedida primeiro porque conseguimos estabelecer parcerias entre a administração pública e a comunidade científica, ou seja, há sensibilidade do lado da administração pública que sabe que tem de ser mais inovadora e tem de estar na área de ponta dessa inovação. Esse é um bom indicador deste trabalho. E há disponibilidade de parte da comunidade científica em ajudar a administração pública, já que tiverem de procurar um parceiro dentro da administração pública para concorrer ao financiamento. Foram candidaturas a um programa de ciência – depois quem elegeu foi um júri internacional – e essa é uma boa novidade. Houve outras candidaturas além das 15 eleitas, que não pudemos, para já, financiar porque estávamos limitados a quatro milhões de euros. Infelizmente ficaram de fora, mas esta quarta-feira vamos anunciar um novo financiamento e outras boas ideias podem ser contempladas.
Haverá então uma segunda fase…
Sim, uma segunda e espero até que haja uma terceira, mas vamos ver. Uma de cada vez. Pelo menos será o mesmo valor dos 4 milhões. Isto é um projeto com financiamento comunitário e isso às vezes não é tão rápido quanto queremos. Vamos fazer tudo para que o novo financiamento seja até ao final do ano de 2018, se não for não irá ser muito depois disso.
O objetivo é que os projetos passem de protótipos para a realidade do dia a dia, se forem bem sucedidos na implementação?
Sim, exatamente, disse muito bem. Deveremos até num próximo concurso abrir a projetos um pouco mais maduros, em que o risco do protótipo não resultar é menor e por isso podem entrar logo numa fase de desenvolvimento e também para novos protótipos. Eu costumo dizer quem inova a sério às vezes falha, e não é porque inova pouco. Estamos a testar em muitas áreas, a saúde é uma área com muitos projetos, mas há muitos domínios diversos, foi interessante ver ideias em áreas tão diferentes. O que resultar seguirá a fase seguinte, de desenvolvimento e implementação da administração pública no seu dia a dia, que é o objetivo final.
Depende muito dos resultados, mas haverá novo financiamento para ajudar a implementá-los?
Sim, está previsto haver. Os protótipos que tiverem bons resultados, vamos abrir uma fase de financiamento para serem desenvolvidos, se for necessário.
Já tem alguns anos nesta área, este projeto é um dos seus mais queridos, digamos assim?
Eu acho que o Simplex em geral é um programa que eu gosto muito, que já tem um outro projeto de inteligência artificial, um compromisso com o AICEP. É o nosso programa de inovação mais ambicioso. Não vou dizer que esta área me é mais querida do que a outra, porque a outra me dá muito mais trabalho, mas creio que esta iniciativa de projetos de inteligência artificial é um investimento no futuro, ou seja, estamos a preparar os nossos serviços públicos locais e centrais, na primeira linha do que serão os próximos serviços públicos. Ou de muitos serviços públicos. Vai desde o atendimento, às ações inspetivas onde temos um projeto para detetar o risco na área da segurança alimentar, esse tratamento da informação permite-nos trabalhar com ações mais inteligentes e mais dirigidas às zonas de maior risco.
(pode ver a lista completa dos 15 projetos vencedores em Insider.dn.pt)
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