//Sidra reforça posição no mercado das bebidas

Sidra reforça posição no mercado das bebidas

O aumento do consumo de sidra em Portugal e a perspetiva de crescimento da procura no futuro são fatores que estão a agitar o mercado. A prova disso é a realização, na próxima sexta-feira, da Sidra Talks, a 1.ª Conferência Internacional sobre Sidras e Bebidas do Pomar, em Ponte de Lima, onde o potencial do produto vai ser analisado nas suas múltiplas vertentes.

Em Portugal, havia no ano passado 1,6 milhões de consumidores de sidra, valor que representava 19,3% da população, quando, um ano antes, essa percentagem era de 18,5%, de acordo com a Marktest. A empresa de estudos de mercado acrescenta que “o consumo desta bebida tem crescido sistematicamente desde 2015, aumentando 51% desde então”.

O cenário coincide com o que se passa no mundo. Um estudo da Allied Market Research revela que, em 2016, o mercado global da sidra foi avaliado em 9,6 milhões de euros e as perspetivas para 2023 estimam para que venha a atingir 14,5 milhões de euros, ou seja, uma subida de 52%. O próprio documento indica que esse crescimento possa ter a ver com o aumento da procura mundial de bebidas sem glúten.

Consciente da nova realidade, Octávio Costa, fundador e diretor de projetos da OG&Associados, decidiu, com a Câmara Municipal de Ponte de Lima, preparar uma plataforma física onde produtores e consumidores se pudessem encontrar. O primeiro passo é dado com a Sidra Talks, mas já a pensar no primeiro grande festival internacional da sidra, previsto para o próximo ano, em princípio, também em Ponte de Lima, onde se deverão reunir agentes e especialistas das grandes regiões europeias com a tradição da bebida, como as Astúrias, o País Basco ou a Galiza, sem esquecer a Escócia, várias regiões em França, Itália e Áustria.

Segundo Octávio Costa, há “quatro ou cinco produtores” de sidra em Portugal, em vários pontos do país, e “há muitos recursos endógenos”, mas “o mercado só agora começa a ser trabalhado”.

Zona de tradição
No contexto do país, há uma região que se destaca, por motivos culturais, embora quase apenas confinada à tradição doméstica, como forma de aproveitamento de maçãs sem valor comercial. É a região de Ribeira Lima, onde se inclui todo o vale do rio Lima, de Ponte da Barca até Viana do Castelo.

É também no Minho que estão identificadas múltiplas variedades autóctones de maçã, algumas mais associadas à produção de sidra, como a Porta da Loja, mas todas elas portadoras de um passado com várias histórias. A identificação desse património tem estado a cargo, na última década, de Raul Rodrigues, professor na Escola Superior Agrária de Ponte de Lima, onde cultiva mais de mil macieiras, de 108 variedades autóctones, num esforço de recuperação contra o abandono e futura valorização.

“As variedades autóctones são mais aromáticas, garantem o açúcar certo e a acidez adequada à sidra”, comenta Raul Rodrigues, convicto de haver condições para valorizar o produto minhoto, “do ponto de vista cultural, gastronómico e de paisagem, e assim dar aos produtores de maçã perspetivas seguras de escoamento da produção, incentivando-os para que nela invistam”.

Isso mesmo corrobora Octávio Costa : “Há muitas maçãs na região que estão a ser desperdiçadas, quase só servem para dar aos animais, quando os produtores galegos de sidra vêm a Portugal abastecer-se por um preço muito baixo. Podíamos estar nós a rentabilizar a nossa produção, que é autóctone”.

Para o desinteresse progressivo da prática tradicional muito terão contribuído as estratégias, reportadas ao tempo do Estado Novo, de incentivar os agricultores locais à produção de novas variedades de maçã, em detrimento das regionais, e de vinho verde, em vez da sidra.

Novos produtores
O ponto de viragem só veio a ocorrer já muito recentemente. O aumento do consumo de sidra em Portugal foi mais notório a partir de 2015, ano em que entrou em produção a marca Corrupia, criada por duas alunas da Escola Superior Agrária de Ponte de Lima. Os produtos obtidos foram premiados, com ouro e prata a nível internacional, e chegaram a esgotar. Neste momento, ao que foi possível apurar, a empresa está inativa e terá sido adquirida por uma multinacional.

A paragem da Corrupia teve implicação nos produtores de cerveja artesanal Letra, de Vila Verde, que, no ano passado, ainda fizeram sidra, a título experimental, nas instalações da empresa das duas jovens. Estão agora à procura de um novo parceiro para prosseguir com o projeto, em colaboração com a Universidade do Minho.

Mais a sul, no Bombarral, Nuno Clímaco e Liliana Nóbrega são os donos da marca Sidrada, que lançaram em 2017. Têm produção própria de maçãs, mas nas variedades mais convencionais (Reineta, Royal Gala e Granny Smith), canalizando para a elaboração da bebida as que não têm o calibre nem o aspeto para serem comercializadas.

À venda no site e em lojas gourmet, a Sidrada, além das sidras e dos espumantes também vende outra produção própria: a perada, feita apenas com pera rocha. No futuro, haverá o vinagre de sidra, nesta fase, ainda em preparação.

Liliana Nóbrega atribui a procura crescente pelas bebidas do pomar à “ausência de glúten (com vantagem em relação à cerveja, por exemplo), a um teor alcoólico inferior à generalidade do vinho e ao facto de se tratar de uma produção com zero desperdício, logo, amiga do ambiente”.

Um novo atrativo turístico
Octávio Costa assume que “a sidra começa a estar a moda”, lembrando que “há vários projetos em Portugal também nas mãos de estrangeiros, como em Castelo Branco ou Oliveira do Hospital”.

Não por acaso, a conferência da próxima sexta-feira, tem um programa onde predominam especialistas de fora do país. É esperada a participação do maior produtor galego para os Estado Unidos, considerado o maior mercado do mundo do produto. Vai igualmente estar um blogger asturiano especializado, Eduardo Coto, bem como um sidreiro austríaco, do Tirol, “para mostrar uma abordagem mix e rejuvenescida da sidra e de como pode chegar ao mercado atual e ter um alvo diferenciado e mais jovem”, pormenoriza o organizador. O evento inclui uma degustação da sidra rústica e tradicional.

A nível mundial há a organização Ciderlands, que reúne sidreiros de toda a Europa, dos Estados Unidos e do Canadá, e se dedica à promoção do produto, da cultura local e de cada território considerado. É intenção dos promotores do evento incluir Ponte de Lima nesse roteiro, para que a região possa ter uma nova mais-valia turística.

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