Há muito que os políticos madeirenses, no geral, defendem que a Região uma maior autonomia fiscal para, assim, alcançar uma maior competitividade no mercado global. No fundo, pretendem que toda a Madeira tenha um regime fiscal de baixa tributação, quando atualmente essa está centrada no Centro Internacional de Negócios da Madeira ou zona franca da Madeira. Nesta última quinta-feira, pela primeira vez, um político de peso no panorama nacional e internacional veio dar voz a essa pretensão, defendendo um regime fiscal próprio decidido pelos madeirenses, sem estar sujeito às autorizações do Estado português.
José Manuel Durão Barroso, ex-primeiro ministro e ex-presidente da Comissão Europeia, orador principal no II Encontro Intercalar de Investidores da Diáspora, que juntou durante dois dias – ainda que o segundo apenas reservada a visitas a algumas empresas de sectores-chave da Região – cerca de três centenas de empresários no Funchal, não desiludiu a plateia e os intentos dos organizadores.
Conhecedor dos meandros da política nacional e internacional – também foi ministro dos Negócios Estrangeiros -, Durão Barroso foi muito duro para com a postura da atual Comissão Europeia, que liderou de 2004 a 2014, por estar a criar obstáculos a um território que depende da atração de investimento externo para se tornar mais competitiva.
A verdade é que a ideia de que a Madeira pode ter um regime fiscal próprio, autónomo e diferenciado ganhou força e projeção nacional com as palavras de Durão Barroso, suportado pelo presidente e vice-presidente do Governo da Madeira, Miguel Albuquerque e Pedro Calado, respetivamente, que agradecem o apoio de figura de realce do mesmo partido. Convidado para falar dos caminhos que a Madeira deve tomar para uma valorização global, esta posição não será alheia a mudança de liderança na CE a partir de 1 de novembro, com a posse da alemã Ursula Von der Leyen, além de novos comissários europeus, e que poderá resultar também, numa mudança de postura face a jurisdições de baixa tributação como a zona franca madeirense.
O político lamentou o tratamento dado ao CINM, quando a mesma Comissão não questiona outros regimes de diferenciação fiscal existentes na União Europeia e em territórios bem mais ricos e melhor localizados do que a ultraperiférica Madeira.
“Como é que do exterior nós podemos entender o progresso da Madeira e como podemos ajudar a valorizar ainda mais essa marca Madeira?”, questionou, respondendo logo de seguida: “A verdade é que sempre fui e continuo a ser um defensor da Autonomia regional, porque acredito nas suas virtualidades” de forma “ampla, ambiciosa e profunda”, não só da Madeira como também dos Açores.
Barroso não se poupou nos elogios: “Como disse e bem o presidente do Governo, a Madeira é importante quando se abre ao mundo. A Madeira com o seu relativamente reduzido mercado quando comparado com Portugal, quando mais com o Europeu, é impossível prosperar se estiver fechada”, argumentou, reforçando que sempre apoio, nos 10 anos em Bruxelas, o aprofundamento do conceito das ultraperiferias, “porque permite uma discriminação positiva e políticas diferenciadas, dirigidas e localizadas nas características próprias destas regiões. Se é certo que hoje em dia, com as conexões globalizadas, são periferia em relação ao continente, mas podem ser centro face a outros continentes, num mundo cheio de inquietações, angústias e ansiedades, temos de pôr as coisas em perspetiva”.
E, nesse particular, defende um avanço europeu na temática das tecnologias que está a perder para os Estados Unidos e a China, em guerra pelo domínio da nova economia da inteligência artificial. “A Europa tem enfrentado muitos problemas e dificuldades, algumas sérias como estas tensões nacionalistas, mas mostra uma grande resiliência e é capaz, ainda que naquele estilo lento de acomodação, de chegar a bom porto. E Portugal tem de estar na defesa desta Europa, que a pesar de tudo resolverá os seus problemas”, anuiu.
Num evento virado para emigrantes que queiram investir na Madeira, refira-se ainda que Durão Barroso é presidente da Assembleia Geral do Conselho da Diáspora Portuguesa e, por isso, as suas palavras poderão soar a uma chamada de atenção à República – representada a alto nível por três secretários de Estado, e um apoio claro e explícito aos governantes regionais, Miguel Albuquerque e Pedro Calado que, nas suas intervenções centraram atenções nesta procura de captar investimento por parte do ‘mercado da saudade’, não apenas no sentido da importação de bens e produtos regionais, mas sobretudo no mercado regional.
“Tenho procurado identificar os modos como é que essas comunidades podem, às vezes por aquilo que eu chamo de osmose, contribuir para a valorização de Portugal no Mundo e contribuir, também, para o crescimento económico do País. Ao fim e ao cabo, apostando numa coisa que é simples, fazer ligações, fazer pontes”, frisou, revelando que a pesar de estar praticamente fora de Portugal há 15 anos, quando deixou o Governo para assumir a Comissão Europeia, Durão Barroso ainda tem um papel importante como influenciador de opiniões.
Encontros dão frutos
Aliás, como referiu o secretario de Estado das Comunidades, José Luís Carneiro, a primeira edição destes encontros da diáspora, realizado nos Açores há um ano, terá resultado em 30 a 35 milhões de euros de novo investimento naquela Região.
Nota para a troca de argumentos que o vice-presidente do Governo da Madeira manteve em pleno debate de uma das mesas-redondas com o secretario de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, tendo-se chegado à conclusão que o caminho para a desejada maior autonomia fiscal terá de ser feito através de uma revisão constitucional.
Na conjugação destes dois mundos que se fundem no mesmo objetivo, ganha assim mais força política esta ideia que foi lançada há alguns anos pelo político e empresário Miguel de Sousa, que é cada vez mais uma bandeira do atual Governo Regional.
Pedro Calado, ‘vice’ do Governo Regional, e António Mendonça Mendes ‘acertaram agulhas’ no essencial quando se fala em fiscalidade e a ideia de que a estabilidade nesta área é essencial para atrair os investidores. O governante madeirense elogiou o “grande passo” dado por Miguel de Sousa na área fiscal, assegurando que o Governo está a desenvolver agora um trabalho para dotar a Região de uma especificidade fiscal própria.
António Mendes que defendeu a ideia de uma fiscalidade mais global, num mundo cuja economia é cada vez mais digital e globalizada, nomeadamente a questão da presença física da tributação do rendimento das empresas que tem de ter avanços na Europa, mas acabou por concordar que a diferenciação fiscal, que deve ser dada às especificidades regionais, locais, nacionais, mas apenas em casos excecionais e não como regra.
Histórico recente e por resolver
Há pouco mais de seis anos, uma resolução da Assembleia Legislativa da Madeira, publicada em Diário da República a 27 de junho de 2013, apontava a um projeto de revisão constitucional – aprovado pelo PSD e abstenção do CDS/PP e PS – que, entre várias áreas, falava da “necessidade de se consagrar, nas normas constitucionais sobre o Orçamento de Estado, o sistema fiscal próprio das Regiões Autónomas e a sua especificidade orçamental e financeira, em termos de a autonomia regional ter uma idêntica expressão financeira no Orçamento do Estado, nomeadamente em matéria de transferências financeiras, assim se acrescentando o n.º 5 ao artigo 105.º da CRP”.
Jornalista do Diário de Notícias da Madeira
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