//Siza Vieira: Despedimentos? “Temos de estar preparados para o pior”

Siza Vieira: Despedimentos? “Temos de estar preparados para o pior”

Nesta semana anunciou que o apoio às empresas vai ser alargado para quebras de faturação a partir de 25% (em vez de 40%). É um sinal de que a crise está a ser mais profunda que previsto?
Não. O importante é dar algum sinal de tranquilidade às empresas. Um exemplo: no setor industrial, temos um conjunto de empresas a trabalhar um pouco abaixo da capacidade do ano passado, algumas acima, outras francamente abaixo. Mas vão-se aguentando. O receio que têm é não saber quanto tempo vão estar a trabalhar a este ritmo, se terão uma quebra grande no mês que vem, no início do ano; num segundo confinamento…

Está a admitir um novo confinamento?
Não é esse o cenário em que está a trabalhar o governo – nem os outros governos. Estamos a tentar, a partir do momento em que temos melhor conhecimento do comportamento da doença, que a sociedade está mais capacitada para gerir comportamentos, com distanciamento físico, de máscara, etc. A capacidade acrescida de testagem que nos permite imediatamente atuar sobre casos e quebrar essas cadeias de contágio. Julgamos que a sociedade está mais bem preparada para evitar um grande crescimento do contágio sem necessidade de confinamento. Em março/abril, o vírus chegou aqui e foi como fogo na pradaria. Não havia nenhuma barreira, não sabíamos o que fazer, como tratar a doença, não tínhamos os serviços de saúde capacitados, a proteção imediata foi “vamo-nos fechar em casa porque assim não há maneira de transmitirmos o vírus”. Agora temos os locais de trabalho adaptados, locais de consumo com cuidados, sabemos como nos comportar para reduzir o risco, a capacidade de testagem mais que duplicou relativamente a abril ou maio, os serviços de saúde estão mais robustecidos… Parece-nos possível mitigar o crescimento da pandemia, sobretudo tratar melhor os casos que precisam de atenção hospitalar, sem necessidade de novo confinamento. E por isso estamos a mitigar esses riscos. Mas ninguém pode garantir nada nesta matéria.
Sobretudo, os agentes económicos funcionam com algum receio perante a incerteza. Esta mensagem do novo patamar é basicamente dizer que se porventura, num qualquer momento, sentirem que a sua atividade pode cair, tenham a certeza de que podem reduzir o período de trabalho dos trabalhadores e terão apoio do Estado. Isto não está dependente de terem estado previamente em lay-off, de terem estado um mês a trabalhar a 100% e depois terem quebra de faturação… É uma espécie de rede de segurança, de seguro para manutenção do emprego.

Há estimativas do número de empresas abrangidas?
Fizemos a nossa estimativa no Orçamento Suplementar para estas medidas, num dado universo de empresas. E constatámos que há menos empresas a recorrer a estes mecanismos do que tínhamos estimado, logo temos margem para, sem pôr em causa previsões orçamentais, alargar estes apoios. Eu sei que as empresas que estão com quebras de faturação muito acentuadas são candidatas a isto, mas sobretudo neste outro patamar é mais esta a ideia de uma apólice de seguro, uma rede de segurança que permite encarar com outra confiança a manutenção de postos de trabalho – se tiver mês que corre menos bem, tem apoio suplementar.

Outubro marca o momento a partir do qual muitas empresas que recorreram ao lay-off simplificado deixam de estar impedidas de despedir. Vem aí uma vaga de despedimentos?
Perante a violência da contração da economia, estarmos com 8,1% de taxa de desemprego é verdadeiramente notável – estamos ao nível de 2017, que foi um ano muito bom. O número de pessoas empregadas subiu em julho e agosto relativamente aos meses anteriores.

É a sazonalidade também…
A sazonalidade pode funcionar. A taxa de subutilização do trabalho é outro indicador a que estamos muito atentos. Não são só as pessoas desempregadas, são também as que procuram trabalho, as que, estando desempregadas, não estão ativamente à procura de trabalho também caíram. Pode ser a sazonalidade. O que eu acho é que nesta altura justifica-se lançar mais estas medidas que, ao reduzirem a incerteza, podem permitir que empresários e agentes económicos recuem nessa decisão…

Acredita que estas medidas evitam despedimentos coletivos?
Lanço-as com essa esperança. Não sei se vamos evitar muita coisa, mas é mais uma mais uma opção no arsenal muito grande que os empresários têm à sua disposição. Nós percebemos que procura internacional e nacional estão reprimidas. Quando abriram os corredores aéreos do Reino Unido, de repente, de um momento para o outro, começámos a ter reservas e pessoas a viajar para Portugal.

E depois voltaram a fechar e aconteceu o contrário…
Quando houve desconfinamento nos EUA, imediatamente começámos a ter encomendas dirigidas às empresas industriais portuguesas de grande volume. O rendimento das pessoas não caiu assim tanto, as pessoas não estão é a gastar. É por isso que as taxas de poupança estão muito altas. A convicção que é que quando houver uma normalização da situação sanitária este consumo vai recuperar-se. As viagens vão voltar, as pessoas voltarão a despender e o investimento vai voltar a crescer.

Ninguém sabe quando é que essa normalização vai existir.
Não, mas por isso mesmo é que o papel do Estado é dar esta espécie de cobertura contra risco e incerteza. Dizer: se despedem agora e daqui a três meses voltar a procura não têm as pessoas de que precisam. Estamos a dar apoios adicionais para que possam ir mantendo enquanto a procura não regressa. O pior que nos podia acontecer era, de repente, no próximo ano, começarem a chegar as encomendas e termos empresas falidas ou que tinham despedido grande número de trabalhadores e não tinham capacidade de resposta.

Portanto, não receia a tal vaga de despedimentos?
Temos de estar preparados para tudo. Temos que nos preparar para o pior, mas estas medidas são para evitar o pior. Dar mais opções aos empresários. Apesar de tudo, os dados que vamos tendo surpreendem pela positiva. Estava preparado para ver coisas piores nos pagamentos com multibanco, no consumo no retalho não alimentar.

A presidente da Comissão Europeia disse que depois da pandemia a dívida pública vai mesmo ter de começar a descer. Isso traduz-se em anos de sacrifício?
Mesmo em pandemia, a preocupação do governo português é não fazer crescer a dívida de uma forma insustentável. As despesas que estamos a fazer são extraordinárias, não recorrentes, para fazer face a esta emergência. Temos um compromisso que não é para abandonar de redução da dívida em percentagem do PIB nos próximos anos. O maior contributo para o crescimento do rácio da dívida sobre o PIB, neste ano, não vai ser o aumento do défice, vai ser mesmo a quebra do PIB. Acho que toda a gente percebe isto: eu devo 100 e ganho 100, o rácio é 1; eu ganho 100 e devo 50, o rácio é 2. A melhor forma de evitar o crescimento da dívida é pôr a economia a crescer e daí o esforço que a UE está a fazer no sentido de mobilizar recursos e o esforço dos Estados-membros para assegurar que se mantém o potencial de crescimento da economia.

PSD e Iniciativa Liberal criticaram o plano de recuperação por dar muito dinheiro à administração pública e menos à economia. Não devia ter havido uma aposta mais forte no privado?
Temos três instrumentos grandes à nossa disposição e cada um deles cumpre a função. De um lado, a resposta à emergência: o React- eu e o pagamento de despesas de saúde, manutenção de emprego, proteção social. Portugal pediu 5,9 mil milhões de euros para financiar também despesas de emergência e estamos com recursos do OE a dar um conjunto muito significativo de apoios às empresas. O mais importante nesta altura, e depois no próximo ano para a capitalização das empresas, é aguentarmos e é um esforço muito importante que o Estado está a fazer. O segundo envelope é o sucessor do PT2020. Tem programas que tinha o PT2020, de grande dimensão, dirigidos ao apoio, ao investimento, à inovação produtiva, à modernização da economia e à qualificação dos trabalhadores. E depois temos o PRR que tem de seguir as regras que a UE nos impõe. Se olharmos para as regras e recomendações de Bruxelas…
Está lá a transição digital…
Está, está a modernização da Justiça, as infraestruturas ferroviárias, portuárias, estão as ligações, interconexões energéticas… todas estas matérias. Nós não podemos gastar no que quisermos. Em qualquer caso, há duas coisas que mesmo ao nível do PRR eu tenho de referir. Nós fizemos um plano de transição digital que aprovámos em fevereiro, que tinha uma componente muito importante destinada à transição digital das nossas empresas. E estávamos a estimar que o custo entre o programa Indústria 4.0, o programa de qualificação de Ativos e Formação de requalificação de pessoas para trabalharem nestas tecnologias pudesse custar um volume muito significativo. Nós vamos ter para a transição digital mais dinheiro do que estávamos a fazer numa perspetiva também muito conservadora. Eu tenho aqui os recursos necessários para isto. Temos de fazer um grande esforço para apoiar as empresas na aquisição de equipamentos, na modernização de processos para serem mais eficientes energeticamente, consumirem menos energia, terem processos menos intensivos na emissão de gases com efeito de estufa. São investimentos de que as empresas precisam para continuarem a operar. Se vou impor que o custo do carbono vai ser mais caro ou se vou impor que não posso emitir mais do que X emissões por uma determinada unidade de económica, então as empresas vão ter de fazer investimentos. E eu vou ter verbas para apoiar a descarbonização da economia e a eficiência energética das empresas.
E finalmente vou ter verbas que são muito importantes para poder ajudar os setores produtivos, os nossos serviços, a indústria, o comércio, a fazerem um pouco melhor. Temos sempre esta ideia de que precisamos de crescer na cadeia de valor, acrescentar ao portfólio de produtos que produzimos, que vendemos, e de serviços, um pouco mais de complexidade, mais tecnologias, e mais valor para podermos cobrar mais por aquilo que fazemos. E também vamos ter aqui um conjunto de verbas importantes para apoiar as nossas empresas, trabalhando com os centros tecnológicos, com os centros de interface, com as universidades no sentido de conseguir esse crescimento. Temos projetos já muito identificados por vários clusters que trabalham…

São injustas as críticas do PSD e da Iniciativa Liberal quando dizem que há Estado a mais no plano de recuperação?
Também queria dizer, a esse propósito, o seguinte: quando vemos as recomendações da OCDE sobre a economia portuguesa, até de alguns dos conselheiros económicos do PSD sobre os problemas e constrangimentos que a economia portuguesa tem, ouvimos falar sempre muito de temas como a corrupção – é alimentada pela burocracia, o sistema de justiça, justiça económica, justiça fiscal, ouvimos falar de coisas como as infraestruturas ferroviárias e os acessos aos portos. Todas estas matérias contribuem para o crescimento da produtividade nacional. E quando finalmente temos verbas que normalmente os programas comunitários não financiam, para podermos atacar estes problemas, para termos uma administração pública mais digitalizada, mais transparente, mais eficiente, mais eficaz, que se relaciona com as empresas e com os cidadãos de uma forma mais imediata, quando temos verbas para permitirmos que o nosso sistema de justiça seja também ele mais eficiente e mais célere, eu acho que nós estamos a dar um enorme contributo para atacar alguns dos principais problemas que tradicionalmente as organizações internacionais – até alguns dos partidos que agora fazem a crítica – têm vindo a reclamar.
Esta é uma oportunidade muito significativa, porque infelizmente, ao longo das últimas décadas, nós fomos desinvestindo da nossa administração pública. Fomos desconsiderando e desvalorizando aquilo que é uma carreira na administração pública, fomos perdendo dirigentes que foram envelhecendo, fomos tendo recursos que hoje em dia não temos em nossa casa. Não há nenhuma empresa que tenha os recursos que a administração pública tem. Eu relaciono-me com o meu banco, como a Rosália, como o Hugo fazem, de uma maneira quase totalmente digital. Eu não me lembro de ir à agência bancária. Nós tratamos de tudo no telemóvel. Porque é que não fazemos a mesma coisa na administração pública? Porque os bancos nos últimos anos gastaram centenas de milhões de euros a transformar a forma como se organizam internamente e como se relacionam com os clientes.

Acha que as acusações são injustas, é isso?
Tenho de achar, não é? Senão não estava a fazer isto. Eu estou convencido que estas regras são aquelas que resultam, e bem, das recomendações da União Europeia.

Se houver necessidade de medidas mais apertadas ou de um eventual confinamento, é possível reforçar o valor do plano de recuperação? E onde se pode ir buscar apoios se o primeiro-ministro até já descartou a hipótese de recorrer aos empréstimos?
Esperamos, e é isso que nos vão dizendo, que o horizonte em que estamos a trabalhar todos é o de a situação sanitária se normalizar no próximo ano. A sociedade vai aprender a conviver com mais cuidado com este vírus e havemos de arranjar uma maneira de ter uma vacina eficaz. Temos de ir normalizando a economia. A resposta que a UE deu é para este cenário.

E se piorar, há plano B?
Quando começou esta crise, a pandemia, eu tive entrevistas, debates em que as pessoas diziam “isto vai ser uma desgraça porque a dívida vai disparar, vamos estar a pedir empréstimos, e o défice, e não sei quê”. E nós dizíamos “estamos a trabalhar com a UE numa resposta”. O Banco Central Europeu deu imediatamente resposta. E depois diziam “mas não temos recursos para fazer face”. E o Eurogrupo aprovou um pacote 500 mil milhões para despesas mais imediatas… A UE foi dando resposta à altura. Agora já se começa a dizer que não é suficiente porque pode haver uma segunda crise. Eu acho que devemos focar. O que é que temos à nossa frente? Que medidas estamos a tomar para podermos responder, dentro das nossas possibilidades, da forma mais eficiente e eficaz aos problemas com o que nos confrontamos? Na frente sanitária, na social, na económica, o que devemos fazer? E vamos ajustando.

A ideia de dispensar empréstimos poderá ter de ser revista…
Vamos resolvendo os problemas que aparecem. Até ao momento nós temo-lo feito – não vou dizer bem, mas não o temos feito muito mal. A situação sanitária foi-se mantendo controlada, a situação mais dramática nos serviços de saúde que vimos noutros países não ocorreu aqui, conseguimos desconfinar com relativo sucesso. Quando fizemos o confinamento as pessoas diziam que estavam a subir as taxas de contágio. Quando os outros países começaram a desconfinar, aquilo disparou e toda a gente dizia “isto vai ser uma desgraça, a economia vai cair, o desemprego aumentar”. O desemprego está a manter-se. Eu não estou a dizer que isto é o melhor dos mundos, mas também não gosto que nos martirizemos, soframos por antecipação. Vamos resolver os problemas com determinação e com outra coisa que eu acho que em Portugal se tem estado a passar bem, que é a capacidade de termos uma partilha de informação e de decisão relativamente à melhor forma de reagir a problemas.

Vídeo: Salário mínimo

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Um outro tema que preocupa muitos é o salário mínimo (SMN). O presidente do Fórum para a Competitividade diz que subi-lo nestas circunstâncias é criminoso. O governo mantém essa intenção?
A decisão costuma tomar-se no final do ano e acho que não vale a pena antecipar muita coisa. O governo apresentou no seu programa a intenção de que pudesse chegar aos 750 euros no final da legislatura e o percurso anual seria feito em função do andamento da economia, do emprego, da inflação. E todas essas coisas terão de ser avaliadas. Aquilo que o governo já disse é que não parece que possa haver um crescimento com o ritmo constante relativamente ao que vinha do ano passado. O aumento do SMN tem impactos muito diferenciados. Uns positivos, outros eventualmente negativos. Sabemos que o SMN é dirigido sobretudo a segmentos mais baixos da população que tendem a consumir, porque têm rendimentos tão baixos que o que entra, sai. É uma boa forma de estimular o consumo. Também sabemos que é um esforço para as empresas. Algumas têm capacidade de absorver isso, podem repercutir nos clientes, outras menos. É preciso um balanço de todas estas coisas – podemos subir o SMN porque tem efeito positivo na economia e tentar mitigar o impacto negativo em algumas empresas. Os salários em Portugal são demasiado baixos. Infelizmente ainda temos muitos trabalhadores que vivem abaixo do limiar de pobreza (uma pessoa sozinha que ganhe o salário mínimo e tenha um familiar por conta, por exemplo). Temos de fazer um percurso de apoiar as nossas empresas no sentido de haver um crescimento da produtividade que permita assegurar melhores empregos e melhores salários. E ao contrário do que outros dizem, a minha convicção é que uma coisa não precede a outra: não podemos esperar que cresça a produtividade para depois aumentar os salários, não é um modelo sustentável. Não podemos aumentar sem critério os salários, de forma administrativa ou por decreto, e esperar que a produtividade vá atrás. As duas coisas têm de caminhar juntas e foi por isso que no início da legislatura propusemos aos parceiros sociais uma discussão sobre um acordo de rendimentos e produtividade para procurar assegurar que fazíamos o caminho certo. Uma coisa que me preocupa: nós tivemos, nos anos mais intensos da crise, a incapacidade de criar emprego adequado aos jovens cada vez mais qualificados.

Muitos saíram do país.
E os que entraram no mercado de trabalho, entraram em condições muito precárias e com salários muito reduzidos. Quando a crise se instalou, aqueles que estavam cá que eram os mais precários de todos foram os que primeiro perderam o emprego. Se houver uma retoma mais rápida da economia noutros países da Europa, se nós não formos capazes de criar empregos adequados às qualificações e aspirações dos jovens portugueses, podemos correr outra vez um risco de partida.

Pode haver um incentivo ao emprego jovem?
O que digo é que temos de ter uma grande preocupação em evitar esta segmentação do mercado de trabalho em que temos alguns trabalhadores protegidos, com uma lei que oferece níveis elevados de proteção, e uma camada ainda muito significativa de pessoas com contratos a prazo, temporários, ou em situação muito informal. Temos de acabar com essa segmentação e de garantir que os empregos que vamos criar a seguir à crise são de melhor qualidade e mais bem remunerados. E isso implica apoios à criação de emprego, sobretudo jovem. Mas implica também que sejamos capazes de atuar sobre estas formas que geram precariedade.

Devemos estar preparados para uma recaída recessiva em Portugal?
Estamos a trabalhar para que não aconteça isso. Espero que o nosso cenário seja de um pouco de crescimento em todos os trimestres relativamente aos anteriores. Não estamos livres disso, tudo depende de como mandar o mundo.

Já decidiu em quem vai votar nas presidenciais?
Eu não tenho que falar sobre isso aqui.

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