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Recorrer ao crédito para comprar casa não é uma tarefa fácil para os jovens. Os números do Banco de Portugal mostram que apenas 10% dos contratos existentes de empréstimos à habitação são de jovens até aos 35 anos. Os economistas ouvidos pelo Dinheiro Vivo explicam que esta baixa proporção dos mais jovens no total do crédito à habitação pode ser explicada pelos baixos salários e preços “estratosféricos”das casas em Portugal. E avisam que, se nada for feito, a tendência será para a situação piorar.
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Para Abel Mateus, a principal dificuldade para os jovens terem uma habitação condigna prende-se com os baixos rendimentos em relação ao preço das casas. E exemplifica: “Um empréstimo de 120 a 200 mil euros para um T2 nos arredores de Lisboa custa em prestação mensal entre 550 e 900 euros por mês. Só um casal que ganhe pelo menos 1700 e 2700 euros por mês consegue obter este empréstimo, correspondendo a uma taxa de esforço de 30%”, aponta o economista.
Uma situação que não é de agora, e que tem empurrado alguns a emigrar, como relembra Paulo Soares de Pinho. Segundo o docente da Nova SBE, Portugal é “um país onde há uma pequeníssima diferença entre o salário mínimo e o salário médio” e “por razões de políticas que são seguidas há décadas o que está a acontecer é que as pessoas que têm qualificações, por forma a ter algum rendimento decente, têm de emigrar”. Portanto, há uma parte dos jovens que “resolve o problema emigrando ou com a ajuda dos pais e os outros têm de se resignar à dura realidade que não têm capacidade de pagar uma prestação de crédito”, sobretudo com os atuais preços “estratosféricos”, lamenta o economista.
As dificuldades dos jovens comprarem casa já tinha sido objeto de estudo da Fundação Calouste Gulbenkian, como aponta Susana Peralta. Segundo o documento publicado há dois anos, apesar de o acesso à habitação própria ter aumentado em Portugal, chegando mesmo a 73% das famílias com casa própria em 2011, os jovens enfrentavam maiores desafios na hora de comprar casa. Uma situação que parece não ter sido alterada. Porém, como sublinha a professora de Economia da Nova SBE, “não sabemos se esta diminuição se deve ao preço [das casas] exclusivamente. Pode ser uma alteração de preferências: as pessoas estudam mais anos, há mais possibilidades de viajar, experiências no estrangeiro, etc.”. Ainda assim, Susana Peralta acrescenta que “parece seguro assumir que a subida rápida dos preços nos centros das cidades explicará parte da situação”.
Segundo o Banco de Portugal, existem 1,4 milhões de contratos de crédito à habitação. “Metade destes contratos tem devedores com idade compreendida entre 41 e 54 anos, tendo apenas 10% dos contratos devedores com idade inferior ou igual a 35 anos”, indica o supervisor no seu último Relatório de Estabilidade Financeira.
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Tendência para piorar
Olhando para o atual quadro, Paulo Soares de Pinho não tem dúvidas de que os desafios do acesso ao crédito à habitação para jovens “só têm tendência a piorar”. Porquê? “Andamos a cometer catástrofes no mercado do arrendamento há décadas e os últimos foram pavorosos”, sublinha, dando como exemplo medidas como o congelamento das rendas ou a dificuldade que os senhorios têm no despejo em caso de incumprimento, cujas taxas são bastante elevadas, segundo o economista. Defende que isso tem contribuído para a redução do número de casas para arrendamento, fazendo disparar os preços do imobiliário.
Partindo deste cenário, Paulo Soares de Pinho considera que a única solução para resolver este problema será o crescimento da economia e aumentando o rendimento per capita, que diz estar estagnado há décadas em Portugal. “Como é que as pessoas podem viver numa economia europeia competindo com alemães ou franceses que vêm para cá viver quando têm um rendimento compatível com o da economia portuguesa?”, questiona.
Já Susana Peralta frisa que “não há nenhuma solução mágica para o preço elevado das casas nos centros das cidades, mas o que é certo é que a política de habitação tem sido negligenciada e foram promovidas outras que têm efeitos no preço do imobiliário, sem que esse impacto seja devidamente tido em conta na implementação ou manutenção das políticas públicas”. Defende que são necessárias várias políticas de habitação para promover o acesso, entre as quais, “mais habitação pública e/ou a custos controlados, facilitar o licenciamento para aumentar a oferta e repensar políticas recentes que podem ter inflacionado o valor do imobiliário, como benefícios fiscais a residentes fiscais não habituais e vistos gold”, exemplifica. “O alojamento local também tem impacto” nesta questão, acrescenta a professora de Economia. Um ponto também destacado por Paulo Soares de Pinho, nomeadamente no que toca aos casos de imóveis que passam da modalidade de arrendamento para AL e “não passam recibos, aumentando a evasão fiscal”.
Entre as medidas que poderiam ser tomadas, Abel Mateus destaca que “há alguns países que têm ajudas para um jovem comprar a primeira casa”, entre as quais “a redução de impostos para adquirir o imóvel, como isenção de imposto de selo”.
O Dinheiro Vivo questionou o Ministério das Infraestruturas e da Habitação sobre as medidas que adotou ou que poderá vir a tomar para ajudar a resolver este problema, mas não obteve resposta até ao fecho da edição.
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