Partilhareste artigo
Durante a pandemia, que começou em 2020, aconteceu um fenómeno de reforço da poupança por motivos de “precaução” e “involuntários”, mas esse impulso foi muito menos forte em Portugal do que noutros países da zona euro.
Relacionados
Esse impulso que resulta em mais poupança ou menos gastos aconteceu na sequência das fortes limitações impostas ao consumo e à mobilidade (estabelecimentos fechados, recolheres obrigatórios, cercas sanitárias, etc.), ao facto de as pessoas estarem algo receosas sobre o seu estado de saúde futuro, sobre se teriam acesso ao seu dinheiro e ao facto de desconhecerem quanto tempo duraria esta crise na sua fase mais aguda e os confinamentos mais duros.
Um novo estudo publicado pelo Banco Central Europeu (BCE) esta semana indica que cerca de 20% das famílias em seis países da zona euro (que não Portugal) confirmaram ter conseguido amealhar mais dinheiro durante o ano de 2020 e até março de 2021, juntamente o período de maiores restrições aos negócios, ao consumo e à circulação de pessoas nos territórios. Em Portugal a proporção ficou-se pelos 11% da população inquirida.
Medo da covid, lojas fechadas, confinamento máximo
Subscrever newsletter
O BCE confirma que tudo indica que “o aumento da taxa de poupança foi motivado principalmente por poupanças involuntárias devido às restrições da covid-19 e ao medo de ser infetado, mas os motivos de precaução também tiveram um papel significativo”.
Foram seis os países abordados no âmbito deste inquérito do BCE: Bélgica, Alemanha, Espanha, França, Itália e Países Baixos.
Em Portugal, um inquérito equivalente (para captar estas atitudes e expectativas financeiras dos consumidores durante o tempo da pandemia) foi conduzido pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) e o Banco de Portugal (BdP), tendo concluído que essa proporção de famílias que lograram poupar mais numa altura tão crítica foi de apenas 11%, como referido, quase metade do registo dos seis países da zona euro.
Em Portugal, as razões indicadas pelo BdP são parecidas às do BCE. “Em todos os grupos de rendimento, a maioria das famílias declarou que a poupança adicional foi originada principalmente por uma redução da despesa, não foi planeada e foi investida principalmente em depósitos, certificados de Aforro/Tesouro ou em numerário”. “Tal reflete a natureza comum do choque e sugere que as medidas de contenção da pandemia e os receios de contágio terão sido muito importantes na determinação da poupança neste período”, afirma o Banco liderado por Mário Centeno.
Ambos os inquéritos mostraram também que foram as populações mais ricas ou com rendimentos superiores (dos quintis superiores da distribuição) que puxaram mais pela poupança, até porque foi nestas camadas sociais que houve menos destruição de empregos e capacidade de manter o rendimento por haver possibilidade de teletrabalho.
Ainda assim, recorde-se, houve uma vaga enorme de lay-off, mas que foi amplamente subsidiada pelos governos, pelo que a quebras de rendimento não foram exageradamente pronunciadas.
Ricos não pagaram a crise
No caso português, o Banco de Portugal explica que “os resultados do Inquérito à Situação Financeira das Famílias (ISFF) de 2020 apontam para que a poupança acumulada durante o período da pandemia tenha estado mais concentrada nas famílias com rendimento elevado e que, em geral, têm uma propensão marginal a consumir mais reduzida”, sendo que estas famílias mais ricas “concentram uma fração significativa da poupança total”.
Isso contribuiu de forma crucial para que a taxa de poupança nacional atingisse um máximo histórico 18,8% do rendimento disponível no segundo trimestre de 2020, tinha a pandemia acabado de desabar em cima de toda a gente.
O mesmo trabalho do BCE designado Inquérito às Expectativas dos Consumidores também permite ver que 16% das famílias europeias (desses seis universos estudados) pouparam menos durante a pandemia, uma erosão que em Portugal foi quase o dobro, na ordem dos 30%, segundo revelaram INE e BdP.
Ao contrário do fenómeno anterior relacionado com os ricos, os referidos 16% de pessoas/famílias europeias são tendencialmente mais pobres e podem ter precisado de recorrer aos pés-de-meia para aguentar o embate da crise. Se poupavam pouco antes da pandemia, algumas deixaram de o conseguir fazer.
Em Portugal, como se constata, o embate foi mais violento, quase o dobro. Cá a pobreza é maior, os salários e as pensões muito mais baixas, o custo e vida é superior quando se compara com algum daqueles países, até com Espanha.
Esse fenómeno afetou sobretudo quem tinha menor rendimento disponível e pessoas que, por exemplo, perderam o emprego porque muitas empresas simplesmente não aguentaram e faliram nestes meses de chumbo da pandemia, apesar dos apoios públicos massivos.
Percebe-se que o efeito na condição financeira foi relevante em número de indivíduos, em Portugal. Cerca de 30% das pessoas inquiridas assumem que pouparam menos neste ano de 2020, início de 2021.
Quase dois terços ficaram na mesma
No inquérito de 2020 português, cuja edição definitiva também foi publicada esta semana, temos ainda que “59% das famílias consideraram que a poupança foi idêntica ao habitual [antes da pandemia]”. Nos seis territórios europeus sondados pelo BCE, os estáveis na poupança rondam os 63% dos inquiridos.
O Banco de Portugal explica que entre 2017 e 2020 “ocorreu um acréscimo da percentagem de famílias com poupança superior ao habitual, de 4% para 11%”. Os peritos do Banco consideram que “este aumento foi comum a todos os quintis de rendimento, níveis de escolaridade e classes etárias, mas foi mais expressivo nos 35 a 44 anos, na escolaridade superior e no último quintil do rendimento [os mais ricos]”.
Ademais, “em 2020, a percentagem de famílias que pouparam mais do que o habitual apresenta um perfil crescente com o rendimento e mais marcado do que em 2017”, acrescenta o banco central de Centeno.
“Enquanto no primeiro quintil do rendimento, 3% das famílias declararam ter poupado mais do que o habitual (2% em 2017), no último quintil esta percentagem é 22% (8% em 2017). Destas famílias, 39% situam-se no quintil mais elevado do rendimento e 50% têm escolaridade superior. Por classes etárias, estas famílias concentram-se entre os 35 e os 64 anos”, remata o BdP. Foram os que, parece, sentiram menos a crise pandémica.
Deixe um comentário