O alerta veio dos supervisores financeiros portugueses: se as moratórias no crédito e os apoios a empresas e famílias forem retirados antes da economia estar a recuperar, há o risco de bancos poderem ter de ser intervencionados. Por outras palavras, precisarão de ajudas. O aviso consta do relatório “Nota sobre as principais medidas adotadas para mitigação dos impactos da pandemia de covid-19: uma análise comparativa” que foi aprovada na última reunião do Conselho Nacional de Supervisores Financeiros (CNSF) – que integra o Banco de Portugal, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões.
A preocupação do CNSF está em linha com os receios do setor e dos analistas. Ainda não se sabe qual será a dimensão da recessão em 2020 nem quando é que a economia vai começar a recuperar, e a que ritmo.
O que se sabe é que os oito principais bancos em Portugal têm uma exposição de 39 mil milhões de euros a moratórias do crédito. O prazo das moratórias vence no final de março de 2021. O prazo inicial era o fim de setembro deste ano.
Mas já se antecipa que o défice público português de 2020 deverá ficar bem acima dos 7% do produto interno bruto (PIB) previstos no Orçamento Suplementar aprovado no início deste mês. Segundo os novos cálculos do Conselho das Finanças Públicas e a última revisão feita pelas Finanças, o défice pode subir para um intervalo que vai de 7,6% a 10,5% do PIB.
Carlos Costa, que está de saída do cargo de governador do Banco de Portugal, mostra preocupação. Numa entrevista ao Fórum das Instituições Monetários e Financeiras Oficiais, Costa pediu que sejam implementadas regras prudenciais que deem aos bancos flexibilidade no que toca à reclassificação dos créditos atualmente abrangidos por moratórias. O objetivo é “evitar que essa reclassificação da dívida se torne uma grande fonte de prejuízos, afetando o capital dos bancos, a sua capacidade de emprestar e, no pior resultado, correndo o risco de falharem e exigindo recapitalização”. “Precisamos de uma política orçamental que preste atenção à saúde do setor empresarial para preservar a saúde do setor financeiro”, alertou.
Os banqueiros estão apreensivos depois de verem os lucros cair no primeiro trimestre de 2020 devido à contabilização do impacto esperado de medidas adotadas para conceder liquidez às famílias e empresas.
Travar uma crise financeira
No mercado, analistas antecipam dias difíceis para o setor e não descartam nacionalizações ou ajudas estatais e aumentos de capital. “A situação da banca nos próximos anos não vai ser nada fácil”, disse Pedro Lino, presidente executivo da Optimize Investment Partners. “Podemos vir a ter problemas graves”, adiantou. Para este economista, havendo “falências de empresas e um aumento do malparado vai ter impacto nos bancos”.
Segundo Filipe Garcia, economista da IMF-Informação de Mercados Financeiros, “os investidores estão conscientes do problema”. “A diferença face a outras crises é que esta não será de surpresa. As autoridades e governos vão estar disponíveis para impedir que se transforme numa crise financeira”, apontou.
Carlos Costa deixou mesmo um aviso, num artigo de opinião publicado recentemente na Reuters. “Poucas coisas podem ser mais destrutivas para a confiança do público nas instituições europeias do que ameaças à estabilidade financeira, e os Estados-membros só podem evitar pôr em risco a coesão social e política europeia, agindo preventivamente”, escreveu. Para o governador que liderou o Banco de Portugal na última década, há algumas medidas que poderão ter de ser adotadas: “Soluções sistémicas ao estilo TARP (Programa de Compra de Ativos Problemáticos) serão necessárias a nível europeu, mesmo se implementadas em nível nacional”. Tais soluções exigiriam “flexibilidade adicional no que se refere à interação entre auxílio estatal e a Diretiva Recuperação e Resolução Bancária”.
Destacou que, apesar das “melhorias observadas no sistema bancário europeu após a crise financeira global, a situação é desigual entre os países” e, “à medida que a qualidade e a lucratividade dos ativos se deterioram, o excesso de capacidade vai revelar-se no contexto da pressão para lançar soluções digitais, antecipadas pelo período de confinamento”. “Nesse contexto, para preservar a estabilidade financeira (local), devem ser feitos esforços para estabelecer um quadro europeu propício para a gestão ordenada dos bancos em situação de falência de importância sistémica local, combinando elementos dos quadros de resolução e liquidação, com o objetivo de minimizar perdas e proteger depositantes e tomadores não financeiros”, frisou Carlos Costa.
Para o governador cessante, o “recurso a medidas alternativas, como previsto na Diretiva relativa aos sistemas de garantia de depósitos ou a fundos públicos, como última medida, deve ser considerado”.
Consolidação desejável
Para economistas, uma consolidação no setor seria desejável devido ao excesso de bancos a operar num mercado pequeno como o português. “O Banco Montepio é o candidato óbvio”, observou Filipe Garcia. “Toda a gente quer que haja consolidação mas não é fácil. Só se for por necessidade ou à força”, salientou. Também apontam o caso do EuroBic, como um dos bancos cujo futuro é incerto em termos acionistas. O mesmo acontece com o Novo Banco, que já avisou que deverá precisar de mais capital em 2021.
Os economistas não descartam nacionalizações. Outras medidas para salvar bancos podem surgir por via de veículos de compra de crédito malparado, como a criação de um banco “mau”. Também podem passar por empréstimos – como as obrigações de capital contingente – ou créditos fiscais.
“O próprio Fundo de Resolução (acionista do Novo Banco) já é um banco ‘mau’. E o buraco não é adiável, porque vai acabar a fatura por ter de ser passada para os contribuintes”, afirmou Pedro Lino. “Temos um Fundo de Resolução que não tem como recuperar o dinheiro que investiu”, frisou.
O facto de Mário Centeno transitar da pasta das Finanças no Governo para o cargo de governador do Banco de Portugal não é garantia de que será mais fácil o caminho para concessão de ajudas a bancos. “Qualquer decisão virá de cima, do Banco Central Europeu. Se depois de cinco anos no Governo não conseguiu resolver o caso do Montepio, por exemplo, não creio que é como governador que o vai conseguir”, apontou Pedro Lino.
Mesmo que a crise económica e social afete os bancos e leve a falências, não se antecipam problemas para os depositantes. “Não me parece que vá haver corridas aos bancos”, destacou Filipe Garcia. Os depósitos estão garantidos até aos 100 mil euros pelo Fundo de Garantia de Depósitos que foi acionado apenas uma vez, na queda do Banco Privado Português (BPP). Mas Pedro Lino lembrou que “quanto aos investidores com outros produtos, como papel comercial ou estruturados, arriscam-se a perder tudo” numa situação de crise financeira.
Incerteza persiste em torno do Banco Montepio
O Banco Montepio, de que Carlos Tavares é chairman, é visto no setor e nos mercados como o primeiro que poderá vir a precisar de algum tipo de intervenção, perante a recessão económica e a maior degradação do ambiente na banca. Sinal da subida do risco que o banco comporta está a decisão anunciada esta semana pela DBRS. A agência de rating canadiana baixou a notação da dívida de longo prazo do Banco Montepio de BB para B. Trata-se de uma descida de três níveis que fixa o rating do banco no quinto nível de ‘lixo’ (investimento especulativo). Depois de uma longa polémica em torno da liderança, Pedro Leitão assumiu a presidência executiva em janeiro. Mas a pandemia veio agravar a incerteza que já existia em torno do banco.
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