//Susana Peralta. “OE não responde cabalmente às necessidades do país”

Susana Peralta. “OE não responde cabalmente às necessidades do país”

Esta semana fica marcada pela aprovação definitiva do Orçamento do Estado (OE). Das últimas horas do debate, ficou a aprovação da norma que suspende a transferência de 476 milhões do Fundo de Resolução para o Novo Banco. Houve um grande dramatismo nas palavras do primeiro-ministro, há razões para isso?

Eu acho que há razões para o primeiro-ministro estar assustado. É evidente que, se se vier a verificar a impossibilidade de transferir esse dinheiro para o Fundo de Resolução para, depois, compensar o Novo Banco pelas perdas na venda de ativos que não prestam, isso é um problema, porque o Estado português tem um compromisso com a Lone Star que foi quem comprou o Novo Banco.

A maneira como eu vejo isto é a seguinte: os partidos da oposição, que decidiram votar essa proposta, estão a tentar mostrar serviço neste enorme desafio que temos ao nível do setor financeiro. Serviço esse que não cumpriram nas alturas certas.

Nós estamos nesta situação com o Novo Banco por causa de muitos erros, a começar pela falta de supervisão e de auditoria da má gestão, eventualmente criminosa, do BES.

Seguiu-se uma má decisão no momento de partir o banco em dois, porque, quando se criou o banco bom, ele estava cheio de ativos maus.

Depois, houve um governo que fez a resolução e outro governo que o vendeu e, quando o vendeu sabia que estava a vendê-lo com ativos maus e, por isso, teve de escrever este contrato do mecanismo de capitalização contingente para compensar a Lone Star pela venda dos ativos que sabia que a Lone Star ia vender, perdendo dinheiro.

Em todos esses momentos, o Parlamento tinha um dever de supervisão.

E isso não aconteceu. Mas, precisamente por causa dessas falhas, PSD, Bloco de Esquerda, os partidos que aprovaram esta norma, não terão razão ao dizerem que é necessário saber se a outra parte está a cumprir o acordo?

Eu acho que têm toda a razão. O Parlamento, em outubro, pediu uma auditoria ao Novo Banco, mas, depois, é tudo um pouco bizarro.

O quê que faz com essa auditoria, uma vez que aprovar a transferência ao abrigo de capitalização contingente?

Porque parece-me evidente que esta transferência vai acabar por acontecer. Este é um jogo político em que, nem a oposição tem razão – porque teve muitos momentos, nos últimos seis anos para mostrar serviço em relação ao BES e a outras catástrofes no nosso sistema financeiro – nem o Governo esteve bem, porque foi a favor desta auditoria, bem como o Presidente da República, que fartou-se de falar disto.

É o caso típico em que ninguém tem razão e eu gostava muito mais de ver a oposição, o Governo e o Parlamento concentrados em perceber como é que não vamos voltar a cair nesta situação, porque o Governo está a intervir em empresas (fê-lo na TAP e na Efacec) e vai haver problemas no sistema financeiro, porque há moratórias que se vão transformar em crédito malparado, porque nem todas as empresas vão resistir a esta crise gigantesca e, em vez de andarmos a remoer no passado, eu gostava de saber o quê que o Parlamento está a fazer para evitar que voltemos a estar nesta situação.

E o Orçamento que acaba de ser aprovado responde a essas necessidades?

Não. O Orçamento não responde cabalmente às necessidades do país.

Porquê?

Porque ainda há uma parte muito grande das ajudas de rendimento e de apoios às famílias que são canalizados através do layoff, que foi aumentado para cobrir uma maior proporção do rendimento do salário das pessoas.

O layoff é um mecanismo de proteção muito útil, mas tem dois tipos de limitações: por um lado, não chega às pessoas que têm uma relação com o mercado de trabalho mais precária; por outro lado, tem o risco de manter empresas artificialmente vivas.

Não podemos imaginar que uma crise desta dimensão se resolve sem que a economia se reinvente de alguma forma.

Há pouco tempo, escrevia há pouco tempo, no jornal Público, “dinheiro público mal gasto e pessoas sem dinheiro para o pão”. Este Orçamento acentua essa tendência?

Eu também tinha escrito, logo que o Governo entregou na AR a proposta de Orçamento, “um Estado Social cheio de remendos”. Portanto, o que me parece é que, em face de uma crise social deste tamanho, nós precisávamos de um Estado Social muito mais presente com transferências mais generosas, com menos condicionalismos para as famílias.

O que está a acontecer é que, com muita ajuda que é canalizada através das empresas, como o layoff, isso deixa muita gente de fora, o que é extremamente problemático e me preocupa.

Quando falo de dinheiro público mal gasto, falo do meu ódio de estimação que é a TAP.

E isso é algo que nos projeta no futuro. Nós já lá metemos 1.200 milhões de euros este ano, que é mais ou menos aquilo que gastamos na área da saúde.

Agora, em 2021, preparamo-nos para gastar mais 500 milhões e sabe Deus quanto mais teremos que gastar.

Olhando agora para o plano político, temos um Governo cada vez mais isolado e só o PS votou a favor do Orçamento do Estado. É o pior momento para uma crise politica, quem deve ter um papel fundamental neste momento?

É o pior momento para uma crise política, porque estamos a viver uma crise económica sem precedentes.

Desde que medimos o PIB, nunca vimos nada assim e é uma crise global que está a acontecer ao mesmo tempo em todo o lado.

Mas a crise política é inevitável: o governo é minoritário, não tem acordos de incidência parlamentar que lhe deem alguma estabilidade, num contexto de crise, tudo isso é um cenário gerador de instabilidade e de debate.

Fala do Presidente da República como alguém que tem de ter um papel muito importante e Marcelo não é assim tão popular na expressão dos votos quanto nós afirmamos. Foi o Presidente eleito com menos votos no primeiro mandato…

… e mesmo contando os segundos mandatos, o único que teve menos votos do que Marcelo foi Cavaco Silva e foram menos 200 mil votos.

Claramente, foi uma pessoa eleita num contexto de muito pouca participação, o que é grave, porque é uma crise de legitimidade da própria democracia.

O que me preocupa muito é que, no contexto de enorme instabilidade económica que se reflete o momento político, ninguém fala de como vamos organizar as eleições presidenciais em contexto de pandemia, quando toda a gente sabe que já houve outros países a organizar eleições e nós podíamos aprender alguma coisa.

O Presidente da República marcou as eleições com dois meses de antecedência e ainda nem sequer formalizou a sua própria candidatura.

Estamos numa situação em que Marcelo pode estar a querer jogar num cenário em que ele está a achar que é o vencedor natural das eleições – o que é uma atitude muito pouco democrática.

Se vier a ser eleito com uma expressão eleitoral reduzida, pode ser crítico, sobretudo se, nalgum momento, formos confrontados com uma solução que envolva a extrema-direita no Governo.

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