Esta semana fica marcada pela aprovação definitiva do Orçamento do Estado (OE). Das últimas horas do debate, ficou a aprovação da norma que suspende a transferência de 476 milhões do Fundo de Resolução para o Novo Banco. Houve um grande dramatismo nas palavras do primeiro-ministro, há razões para isso?
Eu acho que há razões para o primeiro-ministro estar assustado. É evidente que, se se vier a verificar a impossibilidade de transferir esse dinheiro para o Fundo de Resolução para, depois, compensar o Novo Banco pelas perdas na venda de ativos que não prestam, isso é um problema, porque o Estado português tem um compromisso com a Lone Star que foi quem comprou o Novo Banco.
A maneira como eu vejo isto é a seguinte: os partidos da oposição, que decidiram votar essa proposta, estão a tentar mostrar serviço neste enorme desafio que temos ao nível do setor financeiro. Serviço esse que não cumpriram nas alturas certas.
Nós estamos nesta situação com o Novo Banco por causa de muitos erros, a começar pela falta de supervisão e de auditoria da má gestão, eventualmente criminosa, do BES.
Seguiu-se uma má decisão no momento de partir o banco em dois, porque, quando se criou o banco bom, ele estava cheio de ativos maus.
Depois, houve um governo que fez a resolução e outro governo que o vendeu e, quando o vendeu sabia que estava a vendê-lo com ativos maus e, por isso, teve de escrever este contrato do mecanismo de capitalização contingente para compensar a Lone Star pela venda dos ativos que sabia que a Lone Star ia vender, perdendo dinheiro.
Em todos esses momentos, o Parlamento tinha um dever de supervisão.
E isso não aconteceu. Mas, precisamente por causa dessas falhas, PSD, Bloco de Esquerda, os partidos que aprovaram esta norma, não terão razão ao dizerem que é necessário saber se a outra parte está a cumprir o acordo?
Eu acho que têm toda a razão. O Parlamento, em outubro, pediu uma auditoria ao Novo Banco, mas, depois, é tudo um pouco bizarro.
O quê que faz com essa auditoria, uma vez que aprovar a transferência ao abrigo de capitalização contingente?
Porque parece-me evidente que esta transferência vai acabar por acontecer. Este é um jogo político em que, nem a oposição tem razão – porque teve muitos momentos, nos últimos seis anos para mostrar serviço em relação ao BES e a outras catástrofes no nosso sistema financeiro – nem o Governo esteve bem, porque foi a favor desta auditoria, bem como o Presidente da República, que fartou-se de falar disto.
É o caso típico em que ninguém tem razão e eu gostava muito mais de ver a oposição, o Governo e o Parlamento concentrados em perceber como é que não vamos voltar a cair nesta situação, porque o Governo está a intervir em empresas (fê-lo na TAP e na Efacec) e vai haver problemas no sistema financeiro, porque há moratórias que se vão transformar em crédito malparado, porque nem todas as empresas vão resistir a esta crise gigantesca e, em vez de andarmos a remoer no passado, eu gostava de saber o quê que o Parlamento está a fazer para evitar que voltemos a estar nesta situação.
E o Orçamento que acaba de ser aprovado responde a essas necessidades?
Não. O Orçamento não responde cabalmente às necessidades do país.
Porquê?
Porque ainda há uma parte muito grande das ajudas de rendimento e de apoios às famílias que são canalizados através do layoff, que foi aumentado para cobrir uma maior proporção do rendimento do salário das pessoas.
O layoff é um mecanismo de proteção muito útil, mas tem dois tipos de limitações: por um lado, não chega às pessoas que têm uma relação com o mercado de trabalho mais precária; por outro lado, tem o risco de manter empresas artificialmente vivas.
Não podemos imaginar que uma crise desta dimensão se resolve sem que a economia se reinvente de alguma forma.
Há pouco tempo, escrevia há pouco tempo, no jornal Público, “dinheiro público mal gasto e pessoas sem dinheiro para o pão”. Este Orçamento acentua essa tendência?
Eu também tinha escrito, logo que o Governo entregou na AR a proposta de Orçamento, “um Estado Social cheio de remendos”. Portanto, o que me parece é que, em face de uma crise social deste tamanho, nós precisávamos de um Estado Social muito mais presente com transferências mais generosas, com menos condicionalismos para as famílias.
O que está a acontecer é que, com muita ajuda que é canalizada através das empresas, como o layoff, isso deixa muita gente de fora, o que é extremamente problemático e me preocupa.
Quando falo de dinheiro público mal gasto, falo do meu ódio de estimação que é a TAP.
E isso é algo que nos projeta no futuro. Nós já lá metemos 1.200 milhões de euros este ano, que é mais ou menos aquilo que gastamos na área da saúde.
Agora, em 2021, preparamo-nos para gastar mais 500 milhões e sabe Deus quanto mais teremos que gastar.
Olhando agora para o plano político, temos um Governo cada vez mais isolado e só o PS votou a favor do Orçamento do Estado. É o pior momento para uma crise politica, quem deve ter um papel fundamental neste momento?
É o pior momento para uma crise política, porque estamos a viver uma crise económica sem precedentes.
Desde que medimos o PIB, nunca vimos nada assim e é uma crise global que está a acontecer ao mesmo tempo em todo o lado.
Mas a crise política é inevitável: o governo é minoritário, não tem acordos de incidência parlamentar que lhe deem alguma estabilidade, num contexto de crise, tudo isso é um cenário gerador de instabilidade e de debate.
Fala do Presidente da República como alguém que tem de ter um papel muito importante e Marcelo não é assim tão popular na expressão dos votos quanto nós afirmamos. Foi o Presidente eleito com menos votos no primeiro mandato…
… e mesmo contando os segundos mandatos, o único que teve menos votos do que Marcelo foi Cavaco Silva e foram menos 200 mil votos.
Claramente, foi uma pessoa eleita num contexto de muito pouca participação, o que é grave, porque é uma crise de legitimidade da própria democracia.
O que me preocupa muito é que, no contexto de enorme instabilidade económica que se reflete o momento político, ninguém fala de como vamos organizar as eleições presidenciais em contexto de pandemia, quando toda a gente sabe que já houve outros países a organizar eleições e nós podíamos aprender alguma coisa.
O Presidente da República marcou as eleições com dois meses de antecedência e ainda nem sequer formalizou a sua própria candidatura.
Estamos numa situação em que Marcelo pode estar a querer jogar num cenário em que ele está a achar que é o vencedor natural das eleições – o que é uma atitude muito pouco democrática.
Se vier a ser eleito com uma expressão eleitoral reduzida, pode ser crítico, sobretudo se, nalgum momento, formos confrontados com uma solução que envolva a extrema-direita no Governo.
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