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Chega ao fim o Tex-Boost, o projeto mobilizador da têxtil e vestuário nacional, o maior de sempre desta indústria, envolvendo 28 empresas e 15 entidades do sistema científico e tecnológico. Foram mais de três anos de investigação, tendo em vista o desenvolvimento de 17 novos produtos ou soluções na área da digitalização e indústria 4.0, da sustentabilidade e economia circular, dos novos materiais e estruturas e da integração de eletrónica nos têxteis. Um objetivo “largamente superado”, já que acabaram por ser criados 30 novos materiais, quatro ferramentas e tecnologias, 13 processos produtivos inovadores e 17 artigos finais, para aplicação a atividades tão distintas como o desporto, a saúde, a agricultura ou a segurança.
“Estamos muito satisfeitos com os resultados. Não é fácil juntar todas estas entidades, mas conseguimos provar que é possível trabalhar em conjunto na têxtil, e daqui já nasceram outros projetos de investigação e outras candidaturas”, explica o diretor de tecnologia e engenharia do Centro Tecnológico Têxtil e Vestuário (Citeve), José Morgado. O investimento, de 9,2 milhões de euros, foi financiado pelo Compete 2020. E, embora se trate de um projeto mobilizador da fileira têxtil, acabou a envolver parceiros de outras indústrias, designadamente do couro, da cortiça, dos moldes e, claro, das tecnologias de informação e comunicação.
No total, o Tex-Boost absorveu mais de 400 mil horas de trabalho, envolvendo 237 colaboradores das várias entidades. E promoveu 32 novas contratações, incluindo bolseiros. Das muitas inovações, destaque para questões como os novos materiais responsivos à luz, que concedem alta visibilidade ao seu utilizador, seja no desporto ou em equipamentos de trabalho, da PAFIL, a roupa de cama com integração de sistemas de aquecimento e arrefecimento ativo, num consórcio liderado pela LASA, a maior empresa de têxteis-lar nacional, ao desenvolvimento de um fato sensorizado (e respetiva app), criado pela P&R Têxteis em colaboração com a Federação Portuguesa de Ciclismo, e que recolhe os parâmetros do atleta enquanto treina.
Há ainda um colete para motociclismo off road, da Polisport, que combina design e novos materiais, de base têxtil, confortável, flexível e lavável, com uma nova abordagem tecnológica (moldagem por sobre-injeção) que reduz o tempo e custos de produção, e elimina pontos de fixação entre materiais (ex: parafusos), que são normalmente incómodos e prejudiciais para o motociclista, pelo seu peso. Entre muitas outras inovações, criadas com o apoio de outras empresas de referência, como a A.Sampaio, ERT, Somelos ou Borgstena.
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A maior parte destes desenvolvimentos vai ainda precisar de algum tempo para chegar ao mercado. Mas o potencial económico do projeto está já estimado, sendo esperado um aumento de mais de 100 milhões de euros no volume de negócios total das empresas envolvidas, que passaria, assim, dos 468 para os 573 milhões de euros. Com uma grande vertente internacional. “É ainda prematuro fazer essa avaliação, mas se apontarmos para um crescimento de 20% na faturação internacional (na candidatura apontávamos para 28%), já seria um bom indicador”, diz José Morgado. Também aqui a pandemia obrigou a alguma contenção nas previsões. Submetidos foram já oito pedidos de patente, e outros se seguirão.
E há já um novo projeto mobilizador na fileira têxtil. O STVgoDIGITAL arrancou em julho e estar prolongar-se até 2023, mas direcionado, apenas, para a Indústria 4.0. Envolve 23 entidades, entre empresas e centros de investigação, e pretende promover a transformação digital da têxtil, “elevando a produtividade e a eficiência” das empresas, e tornando o setor “numa referência internacional”.
O vestuário médico de proteção radiológica é, no geral, constituído por chumbo, o que o torna pesado e tóxico. Uma das novidades do Tex-Boost é um novo material, desenvolvido em parceria pela Lemar, Polyanser e Onwork, com o apoio das faculdades de Ciências e de Engenharia da Universidade do Porto, que combina um substrato têxtil e um composto metálico, isento de chumbo, que resulta numa solução 30% mais leve do que as existentes no mercado.
É produzido em poliéster Seaqual, o novo tecido reciclado produzido a partir de plásticos recolhidos dos oceanos, a que lhe foram acrescentados acabamentos como a repelência à água, bem como propriedades antibacterianas e antialérgicas. Poderá ainda vir a incluir um agente antimicrobiano. Miguel Pinto, da Lemar, acredita que estas novas soluções (desenvolveram uma bata, um conjunto de saia e colete, um avental, um protetor de tiroide e uma bata com protetor de tiroide integrado), em fase de registo de patente, possam chegar ao mercado já no próximo ano. Com mais de 80 anos de experiência, a Lemar é uma empresa de tecelagem com escritórios e unidade fabril em Pevidém, Guimarães, que dá emprego a cerca de 30 pessoas.
Já a Damel esteve envolvida em dois subprojetos distintos, na área dos novos materiais e dos têxteis eletrónicos. Ao nível dos materiais, ajudou a desenvolver um fato para a apanha de figo-da-índia, fruto que nasce de uma espécie de cato e que obriga a proteção especial, já que é revestido por uns pequenos pelos que se entram na circulação sanguínea podem causar problemas de saúde. A ASAE tem alertado para situações dessas na região de Almada e da Grande Lisboa. O novo equipamento “está pronto a seguir para o mercado para o ano”, diz Vítor Paiva, mas a intenção é abordar os setores da cosmética e da alimentação, ou seja, os clientes das plantações, para que “comprem estes fatos e os ofereçam a quem trabalha na apanha – a maior parte das explorações são em países do Norte de África e na América Latina -, até numa lógica de publicidade positiva para as marcas”.
A outra novidade da Damel, unidade fabril com sede na Póvoa de Varzim, que dá emprego a 120 pessoas e fatura cerca de três milhões de euros, é um fato para surfistas, num material têxtil alternativo ao neoprene e, portanto, “mais flexível e fácil de usar”, e que tem integrado sistemas de sensorização que permitem medir a performance do surfista. A divulgação deste novo produto, que acaba por funcionar como um sistema de monitorização e aperfeiçoamento dos treinos, na medida em que permite ao surfista perceber que movimentos faz em função da onda e da velocidade, e, assim, melhorar a sua performance, vai arrancar no próximo ano em feiras internacionais.
Conhecida há muitos anos pelas suas fibras ecológicas, a Tintex investe, só em I&D, mais de um milhão de euros ao ano. Mas toda a investigação que faz tem sempre que ser sustentada em quatro pilares fundamentais, a inovação, o design, a performance e a sustentabilidade. Ou seja, “não basta ser um artigo útil, tem de ser atrativo”, diz Mário Jorge Silva. E é neste domínio que nasce a sua nova linha de revestimentos, produzidos a partir de resíduos de outras indústrias, como o serrim, casca de arroz, café ou borras do vinho, e que, aplicados sobre algodão ou fibras recicladas, lhes concede o aspeto do couro. Sem recurso a químicos e que pode até ser lavado. O couro vegetal está em fase de protótipo, mas a intenção é passar à sua industrialização, em parceria com a Sedacor e a Têxteis Penedo. Desenvolvido a pensar na moda, tem “inúmeras potencialidades”, designadamente no calçado, indústria de mobiliário ou na área desportiva.
Com sede em Vila Nova de Cerveira, a Tintex é das empresas mais premiadas ao nível da inovação. Nasceu como tinturaria, em 1998., mas logo em 2000 fez as primeiras incursões nas fibras técnicas, com o liocel, uma fibra proveniente da madeira, e que obrigou a empresa a fazer as suas próprias coleções porque “não havia ninguém que o tricotasse”. E, em 2016, adquiriu uma empresa de tricotagem e alterou a sua designação para Tintex Textiles. Dá emprego a 137 pessoas e faturou, o ano passado, quase 12 milhões de euros. Este ano vai ficar 10 a 12% abaixo, mas, no próximo, espera já superar os 13 milhões. Sobre expectativas de negócio com o novo couro vegetal, Mário Jorge Silva é perentório: “Sabemos que vai ter uma boa saída. Não vaticinamos grandes vendas no primeiro ano, mas nos dois ou três seguintes acreditamos que podemos obter um bom resultado, com 20 a 30% do nossa volume de negócios a ter origem neste nova linha”. O pedido de patente já foi submetido.
No eixo da digitalização e da indústria 4.0, a Riopele ajudou ao desenvolvimento de uma ferramenta para a desmaterialização de amostras de tecidos. Ou seja, com a ajuda do Centro de Computação Gráfica da Universidade do Minho, e o recurso ao machine learning, é possível simular o desenvolvimento de novos tecidos, sem a execução física dos mesmos. O que permite ganhar tempo e evitar desperdícios já que, quando finalmente a produção no tear arrancar efetivamente, já será com “uma solução muito próxima da pretendida pelo cliente”.
Além disso, a têxtil de Pousada de Saramagos, Famalicão, ajudou ao desenvolvimento de uma nova geração de soluções têxteis revestidas a resíduos da indústria de laticínios. A ideia é usar a proteína do soro de leite para garantir propriedades funcionais aos tecidos, designadamente ao nível da neutralização de odores. Muito focado na indústria da moda, esta nova solução está pronta a ir para o mercado, aguarda apenas o registo de patente.
Com mil trabalhadores e uma faturação de mais de 78 milhões de euros, a sustentabilidade é uma das áreas de maior aposta do grupo, que venceu já o Prémio produto Inovação Cotec 2018 com a sua marca de tecidos ecológicos e sustentáveis, a Tenowa. E só nos últimos cinco anos, os investimentos da Riopele totalizaram os 37 milhões de euros, cinco milhões dos quais realizados já este ano, e apesar da “conjuntura difícil”, em novos equipamentos, apoio técnico, na área digital, e, claro, ao nível da sustentabilidade, tendo em vista menores consumos de água e de energia. Sobre as perspetivas para 2021, José Alexandre Oliveira admite que o clima de incerteza não permite tecer, ainda, grandes considerações. “Vai demorar a estabilizar, vamos ver como é que os clientes vão reagir”, diz. Este ano, o grupo espera fechar o exercício com uma quebra de 18%, “o que é muito bom atendendo à conjuntura que vivemos”, frisa.
Desenvolver estruturas têxteis híbridas e inteligentes para o reforço de compósitos termoendurecíveis foi o desafio lançado à TMG Textiles. A grande novidade é que estes novos compósitos vão juntar a elevada performance mecânica, concedida pelo tecido criado com base em fibra de carbono, por exemplo, às capacidades sensoriais dos componentes eletrónicos (piezoelétricos) que lhe são associados. Isto permite monitorizar o desempenho mecânico das peças e a necessidade de substituição da peça. Permite, assim, uma lógica de manutenção preventiva de componentes, e terá aplicação, acredita Rita Ribeiro, em áreas como a indústria automóvel, a metalomecânica ou a aviação. Está em fase de registo de patente. A TMG (Têxtil Manuel Gonçalves) participou ainda no desenvolvimento de um termoplástico altamente duro, resistente e leve, com “grande interesse” para a aviação e o automóvel. Está em fase de desenvolvimento de produção de protótipo, mas há ainda “um longo caminho a percorrer”, admite.
Com 800 trabalhadores, a TMG é uma das maiores têxteis nacionais e que aproveitou a quebra provocada pela pandemia, nos meses de abril e maio, para “pensar e redefinir” o futuro. “Foi um ano completamente atípico e difícil, mas que nos fez parar para pensar, permitindo-nos mudar processos para sermos mais rápidos e eficientes. Felizmente, a TMG tem saúde financeira que nos permite fazer face a este momento e sairmos mais forte e eficazes do que nunca”, diz Rita Ribeiro.
O crescimento de 30% nas vendas de malhas, para fatos hospitalares e máscaras reutilizáveis, ajudou a que a quebra de vendas “não seja tão crítica” como imaginado inicialmente. E é na área das confeções que a TMG tem vindo a crescer mais, “a três dígitos ao ano”. “As marcas não procuram tecido nem malha, procuram a peça acabada, que é o que vendem. E a fidelização é muito maior junto de quem confeciona, do que do fornecedor da matéria-prima”, defende. Com a aposta na confeção – uma área que, em conjunto, quer no segmento de malhas, quer de tecidos, vale já sete milhões de euros -, a TMG “cria um novo negócio e potencia o que já tinha”. A empresa espera fechar 2020 com um volume de negócios na casa dos 40 milhões de euros, “mas com um aumento de rentabilidade”, devido à alteração da tipologia de artigo produzida.
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