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Depois de um crescimento recorde, a dois dígitos, em 2022, com as exportações a atingirem a marca histórica dos 6122 milhões de euros, a indústria têxtil e do vestuário estima fechar este ano com uma quebra nas vendas ao exterior de 5% a 7%, o que corresponde a perdas de 300 a 400 milhões de euros face ao ano passado. No entanto, o setor mantém-se convicto de que a meta estratégica de chegar aos dez mil milhões de vendas, dos quais oito mil milhões nos mercados externos, até 2030, se mantém possível.
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Os dados mais recentes, referentes aos primeiros oito meses do ano, mostram que as exportações da fileira caíram 5,56% face ao período homólogo, para um total de 3953 milhões de euros. Destes, 2327 milhões são do segmento do vestuário, que está a cair 3,3%.
Números que não surpreendem o presidente da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP), que fala de um “excesso de desafios” que se têm colocado ao setor, nos últimos anos, desde a pandemia, à guerra na Ucrânia, passando pela consequente crise energética, aumento da inflação e subida das taxas de juro, em cima “do grande desafio da indústria que tem de fazer a transição para uma economia mais circular e mais sustentável”, dando resposta àquilo que são as exigências dos consumidores, mas também à visão estratégica da Comissão Europeia. A isso junta-se, agora, o agravamento da situação no Médio Oriente, entre Israel e o Hamas. “É preciso fazer tudo isto, mas sem esquecer que a sustentabilidade económica também é garantida e temos que encontrar valor nestes processos de transição”, defende Mário Jorge Machado.
Temáticas que estarão em discussão no 25º fórum anual da indústria têxtil, que decorre terça-feira, em Barcelos, sob o tema “Está a indústria da moda a encolher? Cominhos para garantir valor e futuro?”. Sendo certo que a sustentabilidade ambiental obriga a que todos comprem menos e produtos cada vez mais duráveis e reparáveis, Mário Jorge Machado acredita, no entanto, que isso não significa, necessariamente, menos produção na indústria portuguesa.
Sustentabilidade como oportunidade
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“Portugal exporta perto de cinco mil milhões de euros de têxteis e vestuário para a Europa, mas a UE importa 165 mil milhões de euros de mercadoria, muita dela pouco durável. Temos aqui uma oportunidade de ganhar, se conseguirmos que os consumidores europeus queiram comprar produtos mais duráveis”, defende. Por outro lado, há que ter em conta os países em vias de desenvolvimento. Na Europa e nos EUA, cada pessoa compra, em média, 20 kgs de roupa ao ano, mas na Índia só compra 5 kgs e em África 3 kgs. “Este encolher da indústria tem vários ângulos, não é uma questão linear. Como em tudo na vida, há ameaças e oportunidades e a sustentabilidade é uma grande oportunidade”, sublinha.
E, apesar da “travagem a fundo” das exportações a partir do segundo semestre de 2022 – no primeiro estavam a crescer na casa dos 20% -, Mário Jorge Machado está convicto que, “estruturalmente, o setor está preparado para chegar a 2030 cumprindo as metas definidas”. Admite que há já “sinais positivos” para 2024, no entanto, acredita que será, ainda, um ano “complicado”, atendendo às medidas para conter a inflação. “Estamos a receber a dose máxima do remédio do BCE para evitar o consumo e reduzir o investimento, de modo a travar a inflação. O que é um bocadinho contraditório, porque, sem investimento, as empresas não se mantêm competitivas”, frisa.
E os encerramentos já começaram a acontecer, embora a ATP não saiba indicar a sua dimensão. O levantamento feito, antes do verão, indicava que 700 a mil pessoas teriam perdido o seu posto de trabalho. “Em 130 mil que o setor emprega são “poucas”, mas são sempre situações dramáticas. É preciso dar condições às empresas para fazer esta travessia momentânea”, diz.
O Governo criou o programa Qualifica Indústria para apoiar a requalificação de trabalhadores em risco de desemprego, mas impôs que só poderão ter acesso a ele empresas com quebras de vendas acima dos 25%.Uma “limitação exagerada” no acesso ao programa, diz a ATP que, no entanto, assegura que “há abertura do Ministério do Trabalho ajustar o programa”.
Refira-se que, de acordo com a Informa D&B, o número de insolvências nas indústrias do têxtil e da moda (inclui os dados do calçado) quase que duplicaram, até setembro, passando de 82 em 2022 para 160 em 2023.
Vestuário de tecido a crescer
Os números totais das exportações não traduzem a real dimensão da heterogeneidade do setor. É que, se no total, a indústria de vestuário está a cair 3,3% (até agosto), tal se deve a uma quebra de 9,1% no vestuário de malha, e a um crescimento de 11,7% no vestuário de tecido, correspondente às peças mais formais. A questão é que a roupa de malha vale 1583 milhões de euros e a roupa de tecido fica-se pelos 744 milhões de euros.
Uma análise aos 10 principais mercados de destino dos artigos de malha mostra que só a França e a Bélgica estão a crescer (1,4% e 7,1%, respetivamente), enquanto no vestuário de tecido só os Países Baixos, com menos 0,6%, contrariam a tendência de crescimento generalizada. A França sobe 16%, Reino Unido tem acréscimo de 19,2%, os EUA crescem 20% e as vendas para o Canadá quase que triplicam.
O presidente da ANIVEC, a associação do vestuário e da confeção, diz que o setor “está a passar um mau bocado”. Aos efeitos já conhecidos da guerra e da inflação, e que têm levado a uma retração do consumo, junta-se a metereologia, com as temperaturas de verão, em muitos casos acima dos 30 graus, a arrastarem-se até meio do mês de outubro, reduzindo a vontade de comprar artigos de inverno. “Com a chuva, as pessoas começam a comprar, mas o que se perdeu já não se vai ganhar. Até porque os clientes, agora, já ficam à espera dos saldos”, argumenta César Araújo, que acredita que a retoma “só se dará no outono-inverno de 2024. os clientes ainda estão com muito receio de gastar dinheiro”.
Com isto tudo, garante, as empresas estão “muito aflitas” e Portugal precisa de mais política económica. “É preciso pensar a economia. A proposta de orçamento do Estado pensou em tudo, menos na economia, e isso pode ser um erro fatal para o desenvolvimento do país. As empresas estão a resistir o máximo que podem, mas não aguentam para sempre. É preciso relançar linhas de capitalização, como já houve, mas que agora não há, acelerar os processos do Banco de Fomento neste âmbito e tentar negociar com o Banco Europeu de Investimento e o Fundo Europeu para Investimentos Estrategicos novas linhas. É preciso combater o atual estrangulamento da economia nacional”, defende César Araújo.
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