//Thomas Piketty sobre “bazuca” da UE: em breve “vamos perceber que não é suficiente”

Thomas Piketty sobre “bazuca” da UE: em breve “vamos perceber que não é suficiente”

O que gostaria, com a ideia de igualdade de rendimentos para todos, rendimento básico, impostos progressivos com diferentes taxas consoante o nível de rendimento, é razoavelmente transparente. Não é perfeito, mas, pelo menos, tentamos acompanhar o que foi anunciado e o que foi feito, podemos monitorizar a relação entre o discurso e a realidade.

Acredita que a pandemia pode trazer mudanças no actual sistema económico e acabar por influenciar a distribuição da riqueza?

A primeira consequência desta pandemia é exacerbar a desigualdade. É tudo mau! Porque há pessoas a morrer, porque há pessoas a perder o emprego, os jovens têm de ficar em casa e não podem ir para a universidade. É uma sequência terrível. Se algo de bom pode sair disto? Nesta altura é prematuro dizer. Tudo é mau, temos de sair disto.

No contexto do Plano Europeu de Recuperação, algumas pessoas defenderam que, pelo menos, temos esta nova capacidade de endividamento. Ao nível europeu, é uma nova forma de solidariedade, que subsidia os orçamentos nacionais dos países atingidos de forma mais severa pela pandemia. Isto é em parte verdade.

No entanto, o que foi decidido na Cimeira Europeia de julho não é muito extenso e receio que, nos próximos meses, vamos perceber que isto não é suficiente.

Por outro lado, nada está garantido. O problema é que ainda temos a regra da unanimidade, para questões orçamentais na Europa. Ou seja, qualquer país pode vetar. Penso que isto não funciona desta forma.

Qual é a alternativa?

Seria melhor um plano de recuperação com um número menor de países, talvez a Alemanha, França, Espanha, Portugal, Itália, Bélgica.

Não há problema se todos os 27 países estiverem prontos para participar, mas por vezes, é melhor um número menor de países, mas que estão prontos para decidir por maioria, numa nova forma de Assembleia Europeia, baseada nos membros dos parlamentos nacionais. Porque, contas feitas, são os deputados destes países que terão de validar qualquer plano de recuperação.

Em vez de uma sequência de vetos de cada país, é preferível ter uma Assembleia Europeia Comum, representativa destes parlamentos nacionais, onde submeteríamos a decisão à regra da maioria.

Dada a opinião pública atual, em Espanha, Portugal, Itália, França, Alemanha, acredito que esta Assembleia teria maioria para decidir um Plano de Recuperação ainda maior, do que o que foi apresentado. Ainda mais importante, poderemos adaptar-nos à evolução da situação.

Se dentro de três meses percebermos que isto é pouco, será muito difícil garantir uma unanimidade como tivemos em julho. E, mesmo essa unanimidade não será suficiente, porque o Plano de Recuperação ainda não está no terreno.

Isto não vai dividir a União Europeia?

A União Europeia já está dividida. Éramos 28, agora somos 27. Estamos à espera de quê? Vamos esperar até sermos 26, 25, 10, antes de alterarmos as regras do jogo?

Eu percebo este argumento e durante muito tempo também acreditei que precisávamos que todos os países concordassem, antes de passarmos a um novo sistema. O problema é que, se fizermos isso, nunca mudamos nada. Nunca teremos unanimidade para mudar a regra da unanimidade. Em algum momento teremos de aceitar isso.

A única forma de nos livrarmos da regra da unanimidade é com um subgrupo de países, que aceite dar o passo seguinte. Acredito que, no final, todos os países vão aderir. Um ou dois anos mais tarde ou assim que for possível, todos os restantes membros da UE vão perceber que devem participar neste plano de recuperação e juntar-se a este grupo de países que querem ter uma política económica comum, uma política fiscal comum.

Se esperarmos pela unanimidade, simplesmente não vai acontecer.

Essa é a única forma de os fundos que agora vão ser distribuídos por Bruxelas terem impacto na redução da desigualdade?

Sim! É uma condição. De outro modo, cada país vai tentar atrair individualmente os contribuintes e investidores. Acabamos numa situação em que reduzimos a tributação para a maioria dos agentes económicos móveis, para as grandes empresas com os maiores rendimentos e contribuições, e então acabamos por passar a carga fiscal para a classe média ou os grupos socioeconómicos mais baixos, porque têm mais dificuldade em evitar os impostos.

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