Suspeitas de branqueamento de capitais, fraude fiscal qualificada e burla qualificada levaram a buscas em bancos, residências e sedes de empresas. Investigação judicial começou em 2015.
Ainda não há arguidos mas a investigação prossegue. O Ministério Público deu mais um passo no caminho para descobrir de onde veio o dinheiro que serviu para empresários e seus familiares investirem no Banco Montepio em 2013. Foram ontem levadas a cabo buscas em sedes de bancos e empresas, na Associação Mutualista Montepio Geral (AMMG) e em domicílios.
Outra das operações alegadamente sob investigação é a da constituição do capital social do Banco BNI Europa, com sede em Lisboa, que tinha acionistas angolanos.
No caso do Montepio, as suspeitas remontam a uma altura em que o banco era presidido por António Tomás Correia, que afirmou ontem não saber de nada do que se estava passar, mas cuja residência em Lisboa terá sido um dos alvos das buscas. Estas baseiam-se em “suspeitas de branqueamento de capitais, fraude fiscal qualificada e burla qualificada”. Fonte oficial da Polícia Judiciária confirmou ao DN/Dinheiro Vivo que entre as operações suspeitas está a subscrição de unidades de participação (UPs) do Montepio, havendo dúvidas sobre a origem do dinheiro que serviu para a compra daqueles títulos. “Para já, não há arguidos”, disse a mesma fonte, adiantando que “agora vai decorrer a investigação”.
No centro das suspeitas estão, alegadamente, nomes como o do construtor José Guilherme – conhecido por ter dado um ‘presente’ a Ricardo Salgado de 14 milhões de euros – e seus familiares.
O que está a ser investigado
A Caixa Económica Montepio Geral (CEMG) – atual Banco Montepio – lançou, em 2013, uma oferta pública de subscrição (OPS) de 200 milhões de unidades de participação (UPs), com o valor nominal de um euro cada representativas do seu fundo de participação. A operação marcou a abertura do capital do banco ao investimento público.
Esta OPS, “tendo como principal finalidade o reforço dos fundos próprios de base da instituição, revelou-se um êxito com a procura a superar a oferta em 10,2%”, anunciou, na altura, a CEMG. As unidades foram admitidas à negociação na bolsa portuguesa em dezembro desse mesmo ano.
Naquele ano, o banco era presidido por António Tomás Correia, que também liderava a Associação Mutualista Montepio Geral.
As autoridades suspeitam da origem do dinheiro que serviu para a compra de UPs. A ideia é que o aumento de capital do Montepio possa ter sido financiado com empréstimos bancários da filial angolana do banco – o Finibanco Angola.
A Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) já tinha multado o Montepio em 150 mil euros, em 2018, por falhas na prevenção de branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, nomeadamente por o banco não ter procurado saber – como era obrigado a fazer – qual a origem de montantes usados para a compra de UPs. O regulador da bolsa chegou a pedir ao banco dados sobre os investidores em UPs que seriam clientes do Montepio. Na lista de subscritores de UPs do banco estavam Paulo Guilherme, filho do construtor civil José Guilherme. Também constava da lista o investidor angolano Eurico Sousa Brito.
A investigação abrangerá ainda a constituição do capital social do Banco BNI Europa, com sede em Lisboa. Estão alegadamente a ser investigados clientes que também eram clientes do Banco Montepio e que estiveram envolvidos na constituição do capital social do banco, que tinha acionistas angolanos. O Banco BNI acabou por ser comprado no ano passado pelo conglomerado chinês King Wai, de Hong Kong.
Também a ligação do Montepio ao construtor civil José Guilherme e seus familiares estará sob investigação, no âmbito do inquérito que está a ser conduzido pelo Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa, e que foi aberto em 2015. O construtor ficou conhecido por ter alegadamente oferecido 14 milhões de euros a Ricardo Salgado, ex-líder do BES. O Montepio terá financiado parte desse montante, no valor de 8,5 milhões de euros, através de um empréstimo concedido ao construtor em 2009, noticiou o Público em 2014. O Montepio terá emprestado ao todo 28,4 milhões de euros a José Guilherme, entre 2009 e 2014, que estavam, na quase totalidade, por liquidar.
Mas outras operações, envolvendo estes bancos e empresários, estarão na mira das investigações.
O que aconteceu ontem
O Ministério Público anunciou ontem que, no âmbito de um inquérito, estavam a ser levadas a cabo “várias diligências para cumprimento de 15 mandados de busca e apreensão, em instituições bancárias, na sede social de uma associação, em domicílios e em sedes de empresas”. A mesma entidade adiantou também que “as diligências incidem sobre um conjunto de clientes de instituições financeiras e de entidades suas detentoras, com o propósito de recolha de prova relativamente a operações bancárias realizadas por clientes entre 2011 e 2014, bem como documentação relacionada com estas operações”. E explicou que no âmbito do inquérito, “a Polícia Judiciária, através da Unidade Nacional de Combate à Corrupção investiga, além de outros, factos suscetíveis de enquadrar a prática de crimes de burla qualificada, branqueamento e fraude fiscal qualificada”.
O banco Montepio confirmou ontem ter sido alvo de buscas nas suas instalações, salientando que “se trata de diligências a propósito de operações de clientes, que reportam a factos ocorridos entre os anos 2011 e 2014”. A instituição frisou que “cumpre escrupulosamente os seus deveres de colaboração com as autoridades”.
Fonte oficial da Associação Mutualista Montepio Geral indicou que a instituição “não é visada” pelas investigações e que as buscas dizem respeito a “clientes bancários e empresas”.
Também o Banco BNI confirmou que a sua sede em Lisboa foi alvo de buscas por parte “de elementos do Ministério Público, Polícia Judiciária, Administração Tributária e do Banco de Portugal”, e sublinhou, em comunicado, que “o Banco BNI Europa não é visado no processo em causa, mas está a colaborar, como é seu dever, com as autoridades”, lembrando que o banco só iniciou “a sua atividade em Portugal em julho de 2014”.
António Tomás Correia, antigo presidente do Banco Montepio e da Associação Mutualista Montepio Geral, confirmou ao DN/Dinheiro Vivo o que tinha afirmado primeiro ao jornal digital Eco. Disse que não tinha conhecimento sobre o que se passava em torno das buscas da Polícia Judiciária e que desconhecia se a sua residência em Lisboa fora também um dos alvos da ação policial.
“Não faço ideia do que se passa”, afirmou o antigo banqueiro ao DN/Dinheiro Vivo, negando ainda que seja arguido ou que tenha recebido algum tipo de notificação sobre este caso.
Tomás Correia pediu para deixar o cargo de presidente da Mutualista em outubro de 2019, tendo saído em definitivo no dia 15 de dezembro, um ano depois de ter sido eleito para um quarto mandato à frente da dona do banco Montepio.
Nas diligências, o Ministério Público teve o apoio da Unidade Nacional de Combate à Corrupção da Polícia Judiciária e de peritos e consultores da Administração Tributária e do Banco de Portugal.
As diligências foram presididas por quatro juízes do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa e Amadora, acompanhados por quatro procuradores do DIAP de Lisboa, 90 elementos da Polícia Judiciária, quatro elementos da Autoridade Tributária e seis elementos do Banco de Portugal.
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