//Tomás Correia, o banqueiro “por acidente” que deixa Montepio 16 anos depois

Tomás Correia, o banqueiro “por acidente” que deixa Montepio 16 anos depois

O jurista Tomás Correia, que hoje abandona a liderança da Associação Mutualista Montepio Geral (AMMG), dividiu grande parte da sua carreira na banca, feita “por acidente”, entre a Caixa Geral de Depósitos (CGD) e a mutualista.

António Tomás Correia, nascido em 1945, considerou que fez a sua carreira na banca “por acidente”, em palavras ao semanário Sol em 2015. “Ao longo de toda a minha vida não almocei mais do que cinco vezes a sós com presidentes de outros bancos”, disse, à data.

Antes de chegar à CGD fez trabalho agrícola e trabalhou na antiga UTIC (União de Transportadores para Importação e Comércio), na zona industrial de Cabo Ruivo, em Lisboa. Posteriormente, ingressou na Faculdade de Direito lisboeta.

Jurista de formação, chegou ao Conselho de Administração do banco público em 1996, juntamente com Alexandre Vaz Pinto, Herlander Estrela e José Manuel Pereira, numa equipa presidida por João Salgueiro.

Antes de assumir funções na administração da Caixa, trabalhou na área internacional do banco, onde foi responsável nos bancos Luso-Espanhol, Simeon, Extremadura, Bandeirantes, Itaú, Franco-Portugaise e BNU Macau.

Entrou no Montepio em 2004 pelas mãos do presidente José da Silva Lopes e assumiu a presidência da mutualista quatro anos depois, na sequência da reforma do presidente.

Desde então manteve-se à frente da mutualista, e de acordo com o próprio, impulsionou, em 2012, a separação estatutária entre a Associação Mutualista e a Caixa Económica Montepio Geral, hoje conhecida como Banco Montepio, que gere o negócio bancário.

Acumulou os cargos de presidente da Mutualista e da Caixa Económica até 2015, quando José Félix Morgado assumiu a presidência do ramo bancário do Montepio Geral, ficando Tomás Correia aos comandos da mutualista.

Ao longo dos anos foi sempre enfrentando oposição à sua liderança no Montepio, e sempre a desacreditou.

“Esta casa precisa de estabilidade e não de ter pessoas nos órgãos sociais a dizer disparates todos os dias”, assinalou, realçando que “ao longo dos 178 anos do Montepio nunca uma lista da oposição saiu vencedora”, disse sobre a oposição de Ribeiro Mendes nas últimas eleições, em dezembro de 2018.

Sobre a competência de outros candidatos, como António Godinho, António Bagão Félix ou Eugénio Rosa, disse não lhes reconhecer “nenhuma”, numa entrevista à Sábado em 2017.

“Tem aparecido tudo. É só ir ver os currículos. Nomes como António Godinho, Bagão Félix… Sabe quem foi o António Godinho? Foi administrativo de um balcão no Montepio. De repente, aparece empresário do Norte. Não sei que raio de competência ele tem”, afirmou.

Sobre Bagão Félix, disse não perceber como apareceu como candidato do Conselho Fiscal noutra lista. “Em maio, almoçou aqui comigo e eu disse-lhe: ‘se estiver interessado em entrar numa lista para os órgãos sociais, por favor, diga-me’”. “Ele lá sabe”.

Sobre Eugénio Rosa, afirmou que “deve ter fantasmas na cabecinha”, e que a sua atuação era “um ataque permanente à reputação da instituição, camuflando com ataques pessoais” a si próprio, afirmando que dar importância “era reconhecer-lhe capacidade, idoneidade, sentido de responsabilidade, que efetivamente não tem”.

Sobre comparações entre o Montepio e o Grupo Espírito Santo, Tomás Correia disse ter “a consciência perfeitamente limpa”. “Não sou dono disto tudo nem de coisa nenhuma. A não ser daquilo que fui acumulando ou poupando ao longo da vida uma vida de trabalho, muito comedida nos gastos e no consumo.”

Em outubro de 2018 disse à Lusa que ganhava “muito bem”, mas vincou que não há dinheiro “que pague tudo o que tem sofrido” nos últimos anos à frente da instituição.

Nesse período, foi noticiado o seu envolvimento em processos sob investigação na Justiça e em análise no Banco de Portugal, por eventuais irregularidades no Montepio.

É suspeito de ter recebido 1,5 milhões de euros do construtor civil José Guilherme, algo a que reage “tranquilo, sem nenhuma preocupação”, pois diz não ter recebido tal valor.

Tomás Correia foi multado pelo Banco de Portugal (BdP) em 1,25 milhões de euros, juntamente com o próprio Montepio e outros membros da administração da Caixa Económica, decisão entretanto anulada pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, e de que o BdP recorreu.

Devido a essa multa, ao longo de 2019, e com a passagem da supervisão da Mutualista para a Autoridade de Supervisão dos Seguros e Fundos de Pensões (ASF), a polémica à volta da sua idoneidade para presidir à associação adensou-se, acabando por culminar no pedido de escusa da presidência, anunciado no Conselho Geral de 24 de outubro.

“Eu não sou condicionável por coisa nenhuma. Os senhores podem escrever, dizer, falar o que quiserem. Eu nunca fui condicionável na minha vida. Eu sou autónomo desde os meus 10 anos de idade, vivo com a minha própria capacidade e com o meu próprio discernimento”, afirmou Tomás Correia na semana anterior ao anúncio da sua saída, quando notícias davam conta de que a ASF se preparava para chumbar o seu nome para a presidência da instituição.

No dia seguinte ao anúncio da sua saída, afirmou deixar a presidência da mutualista com os objetivos do mandato “razoavelmente cumpridos”.

Tomás Correia já tinha expressado publicamente, várias vezes, o desejo de abandonar a direção do Montepio, mas nunca o tinha concretizado.

“É óbvio que eu, por razões de idade, numa dada altura, hei de sair do Montepio, até porque já não tenho condições físicas e até intelectuais, se quiserem pensar assim, para poder continuar a assumir esta responsabilidade”, afirmou também na semana anterior ao anúncio da sua saída.

Tomás Correia reconheceu que “é natural que alguém que vai a caminho dos 75 anos tenha caminhos diferentes para fazer”, mas que só sairia “quando entender que é o momento, em boa ordem”.

À Lusa, em outubro de 2018, afirmou ter como objetivo encontrar um substituto para o cargo de presidente da Mutualista.

“Isso dava-me uma tranquilidade que não imagina, porque entretanto tenho mais do que fazer”, afirmou, partilhando o seu gosto pela escrita.

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