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O governo quer rever a lei do serviço doméstico, que data de 1992 e, para isso, criou um grupo de trabalho, mandatado para apresentar propostas até 30 de junho, no sentido de agilizar processos e reforçar a proteção no desemprego. Mas a iniciativa em nada colide com a decisão do Parlamento de criminalizar o trabalho não declarado, incluindo o doméstico prestado a particulares.
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Assim que entrarem em vigor as alterações à lei laboral, aprovadas em fevereiro pela Assembleia da República, empresas e famílias que não comunicarem à Segurança Social, no prazo máximo de seis meses, os seus trabalhadores, incluindo os do serviço doméstico, arriscam-se a uma pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias. O diploma seguiu para Belém no último dia 10, aguardando a promulgação por parte do Presidente da República. Se Marcelo Rebelo de Sousa não levantar o cartão vermelho, através do veto ou do envio do diploma para o Tribunal Constitucional, as novas regras serão para cumprir a partir do início de abril.
O secretário de Estado do Trabalho, Miguel Fontes, explicou ao Dinheiro Vivo que “a medida não foi pensada especificamente para o trabalho doméstico, mas sobretudo para evitar práticas criminosas, redes de auxílio à imigração ilegal e até escravização”. “No entanto, tratando-se de uma norma universal, é para aplicar a todo o tipo de trabalho, incluindo o doméstico”, sinalizou o governante.
“Já hoje quem não declara os trabalhadores domésticos incorre numa prática ilegal”, advertiu Miguel Fontes. “Neste momento, está sujeito a uma contraordenação. A novidade é a criminalização que foi introduzida com as alterações ao Código do Trabalho”, esclareceu ao DV a especialista em legislação laboral Madalena Caldeira, sócia contratada da sociedade Abreu Advogados.
Ainda que a intenção não seja exclusivamente punir o trabalho doméstico não declarado, Miguel Fontes alerta que “as situações de informalidade, que ao longo de anos foram praticadas e aceites, são altamente lesivas”. “Por isso, temos pessoas que trabalharam uma vida inteira e têm reformas de miséria, porque não fizeram as contribuições para a Segurança Social”, reforça. Do mesmo modo, “esta população fica numa situação de grande vulnerabilidade quando fica sem trabalho ou adoece, porque não tem direito nem a subsídio de desemprego nem a baixa médica”, salienta.
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O objetivo do governo é atrair mais trabalhadores para a esfera da Segurança Social. Mas só uma alteração à lei não basta, até porque a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) “não pode entrar nas casas das pessoas”, reconhece o secretário de Estado. Neste caso, só através de uma denúncia é que a ACT poderia verificar a situação.
Assim, para facilitar o processo de comunicação à Segurança Social e incentivar o pagamento das contribuições, o governo criou um grupo de trabalho – por despacho assinado no dia 6 de março pelos secretários de Estado do Trabalho, Miguel Fontes, e da Segurança Social, Gabriel Bastos – que deverá apresentar até 30 de junho propostas de alteração ao Decreto-Lei n.º 235/92, de 24 de outubro, para que as novas regras possam entrar em vigor até ao final do ano.
“O procedimento para um particular declarar um trabalhador doméstico é muito burocrático”, constata Madalena Caldeira. Segundo o mais recente guia prático da Segurança Social sobre o serviço doméstico, a obrigação declarativa só pode ser feita por carta ou num balcão dos serviços. Um dos pontos que será revisitado na lei é a “desmaterialização e simplificação do serviço doméstico na Segurança Social”, possibilitando que as comunicações possam ser feitas por via digital.
Mudança nos descontos
Por outro lado, o governo quer fazer uma distinção entre “o trabalhador que presta a maior parte do seu serviço numa casa, ou seja, que é considerado economicamente dependente, daquele que só faz umas horas, que se enquadra mais como trabalho independente”, indicou Miguel Fontes. Esta diferenciação poderá levar a uma alteração dos regimes contributivos.
Neste momento, o empregado pode optar pelo convencional e descontar o mínimo, isto é, sobre o Indexante dos Apoios Sociais (IAS), que está nos 480,43 euros: 18,90% das contribuições ficam a cargo da entidade empregadora e 9,40% são pagas pelo trabalhador. Este sistema dá direito a subsídio por doença, mas não a prestação por desemprego.
Outra modalidade permite descontar sobre a remuneração real, se for igual ou superior ao salário mínimo (760 euros). Aqui, as contribuições são quase idênticas às exigidas no trabalho por conta de outrem, mas com uma nuance: o doméstico desconta igualmente 11%, mas o particular paga 22,30%, menos do que num contrato de trabalho normal (23,75%). Este regime já permite aceder ao subsídio de desemprego.
Em cima da mesa poderá estar a possibilidade de limitar o regime convencional, com menores contribuições, mas também proteção social mais reduzida, apenas aos trabalhadores considerados “independentes”, isto é, que prestam um serviço horário reduzido a um conjunto vasto de entidades. Eduardo Castro Marques, advogado na Dower Law Firm, considera, no entanto, que “o regime convencional é penalizador para o trabalhador”. Por isso, defende que “o contrato deste trabalhador deveria ser idêntico a um trabalhador por conta de outrem”, isto é, a Taxa Social Única também deveria ser semelhante (11% paga pelo trabalhador e 22,30% ou 23,75% pelo empregador).
Em termos fiscais, o doméstico não tem de abrir atividade nem passar recibos verdes, a menos que assim o deseje. Já a entidade empregadora ou o particular que não declarou mensalmente ao Fisco os rendimentos pagos, como sucede no serviço doméstico, tem a obrigação de entregar, por via eletrónica, e até fevereiro de cada ano, a declaração Modelo 10 com as remunerações pagas no ano anterior.
Em 2021, existiam 65 647 domésticos com descontos para a Segurança Social, segundo os dados mais recentes disponibilizados pelo Pordata. O número tem vindo a cair consecutivamente desde 2008, quando havia 141 477 trabalhadores: são menos 75 830, o que corresponde a uma quebra significativa de 53,6%.
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