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O Tribunal da Concorrência absolveu esta segunda-feira a Zurich e a Lusitânia das coimas aplicadas pela Autoridade da Concorrência (AdC), no processo em que a Tranquilidade e a Fidelidade assumiram práticas anticoncorrenciais, beneficiando do regime de clemência.
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O Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), em Santarém, considerou não provadas as acusações proferidas contra as duas seguradoras e os administradores visados num processo sobre o qual a juíza Mariana Gomes Machado fez vários reparos “pedagógicos” à AdC e advertências quanto ao uso do instrumento de clemência.
A AdC condenou, em 2019, a Lusitânia e a Zurich, dois administradores e dois diretores destas seguradoras a coimas superiores a 42 milhões de euros, valor ao qual se juntam os 12 milhões de euros pagos pela Fidelidade e Multicare (que beneficiou de redução por ter aderido ao pedido de clemência), tendo a Seguradoras Unidas (ex-Tranquilidade) ficado dispensada do pagamento de coima.
A abertura da investigação ocorreu em maio de 2017, na sequência de um requerimento de dispensa ou redução da coima (pedido de clemência) apresentado pela Seguradoras Unidas, à AdC, no que foi seguida pela Fidelidade – Companhia de Seguros e pela Multicare – Seguros de Saúde, tendo sido emitida uma nota de ilicitude em agosto de 2018 contra cinco seguradoras.
O TCRS deu como provada a existência de um acordo entre a Fidelidade, Multicare e Seguradoras Unidas, pelo menos entre 2010 e 2017, para fixação de preços e repartição de mercado, no segmento de grandes clientes no sub-ramo de acidentes de trabalho, frota automóvel e saúde.
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Contudo, não poupou críticas à forma como foram acusadas a Zurich e a Lusitânia, referindo, em particular, a junção de requerimentos complementares pelas seguradoras que assumiram práticas anticoncorrenciais, alterando depoimentos iniciais.
No caso da Tranquilidade, critica o facto de as declarações de colaboradores terem sido recolhidas por advogados contratados pela empresa e não diretamente pela AdC.
A sentença cita o caso de Sérgio Teodósio, colaborador da Seguradoras Unidas (Tranquilidade), que confessou ter apagado ou modificado e-mails e de ter instruído um colaborador para fazer o mesmo, o qual viu o processo contra si ser arquivado, não sofrendo qualquer sanção nem impedimento do exercício de funções.
Para Mariana Machado, o arquivamento dos processos das pessoas singulares da Fidelidade e da Tranquilidade foi feito “sem fundamentação”, tendo a diferença de tratamento para os visados particulares da Lusitânia e da Zurich sido alvo de um despacho que proferiu em dezembro propondo a retirada da acusação, a que a AdC se opôs.
A sentença conclui que, ao longo do julgamento, não ficou provada a existência de um acordo ou sequer de participação dos recorrentes no processo, havendo, sim, indícios de uma “utilização abusiva do mecanismo de dispensa/redução de coima e transação” por parte da Fidelidade e da Tranquilidade, “com aceitação tácita” por parte da AdC.
Mariana Machado salienta que a não demonstração do envolvimento da Zurich e da Lusitânia se fundamenta no facto de o Tribunal não ter reconhecido credibilidade à parte da clemência que incrimina estas empresas e por ter dúvidas quanto à prova resultante das buscas e apreensões.
Referindo a “novidade” do instituto de clemência no regime jurídico português, a sentença considera que, o facto de acarretar benefícios patrimoniais concretos, o seu uso deve “suscitar particular sentido crítico, quer porque a conduta confessória é premiada, quer por que o regime trata de modo distinto” o agente que toma a iniciativa, instigando “uma espécie de ‘corrida à delação'”.
“Em consequência, a clemência é suscetível de, distorcida, gerar iniquidades dificilmente toleráveis no quadro das necessidades de prevenção (especial e geral), pondo em causa o núcleo essencial da responsabilidade contraordenacional — a coima -, dado que admite a sua dispensa total”, acrescenta.
Aponta, ainda, o facto de o segundo pedido, para beneficiar de redução de coima, ter de trazer novas provas e informações, num “controverso incentivo à incriminação de concorrentes”, e ser “suscetível de se traduzir numa grave perturbação do funcionamento concorrencial do mercado”, por, aquele que violou a norma, poder ter “relevante vantagem patrimonial” e ainda prejudicar um concorrente.
Para Mariana Machado, o facto de este instrumento dispensar, “erradamente”, a intervenção do Ministério Público, enquanto terceiro equidistante, “é suscetível de propiciar a inobservância dos princípios da legalidade e da igualdade”.
A juíza sublinha não pretender “colocar em causa a relevância de institutos de colaboração e premiação dessa colaboração no âmbito do direito da concorrência”, mas, afirma, não poderia deixar de “sinalizar que estes autos constituem um exemplo – pedagógico – dos usos perniciosos que os mesmos podem acarretar”.
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