Uma auditoria do Tribunal de Contas revelada esta quinta-feira conclui que a resolução bancária em Portugal não é independente.
A Autoridade Nacional de Resolução (ANR) foi criada para lidar, a nível nacional, com as decisões sobre as instituições financeiras em falência iminente e funciona no âmbito do Banco de Portugal, mas não “de forma operacionalmente independente das demais funções desse Banco, designadamente as de supervisão bancária.”
Na prática, indica o relatório da auditoria que visa o segundo mandato de Carlos Costa enquanto governador, “as decisões relativas ao exercício das funções da ANR são tomadas pelo Conselho de Administração do BdP”.
“Tábua rasa” das regras europeias
O Banco Central começou a decidir sobre resolução bancária em resposta à crise do subprime, em 2007, o que levou à resolução do BES em 2014 e do BANIF em 2015.
As novas regras europeias, em resposta à incapacidade revelada na altura pelas instituições de prevenirem e reagirem à falência dos bancos, só surgiram em 2012. A União Europeia decidiu avançar para a União Bancária e colocou em funcionamento o Mecanismo Único de Resolução (MUR) em 2016, para garantir “a resolução das instituições insolventes de forma ordenada e com custos mínimos para os contribuintes e para a economia real.”
Ao nível europeu, o MUR é aplicado através do Conselho Único Europeu (CUR) e, a nível nacional, pelas Autoridades Nacionais de Resolução (ANR). Em Portugal, estas funções foram atribuídas ao Banco de Portugal (BdP), com a orientação de garantir a independência da supervisão e demais funções.
Apesar de a crise financeira de 2007 exigir uma resposta urgente e “mecanismos eficazes para prevenir e reduzir os riscos das medidas de resolução”, esta tardou em chegar.
“A tomada de decisões [pela ANR] deve ser parte integrante dessa independência; porém, isso não se verifica visto que as decisões […] são tomadas pelo Conselho de Administração do Banco de Portugal”
“A tomada de decisões [pela ANR] deve ser parte integrante dessa independência; porém, isso não se verifica visto que as decisões […] são tomadas pelo Conselho de Administração do Banco de Portugal”
“O processo escolhido pelo BdP para viabilizar a exigida independência operacional das funções de resolução demorou a ser implementado, tendo o seu Departamento de Resolução definido a sua estrutura orgânica vigente apenas em 2018”, critica o Tribunal de Contas.
Além de tardia, ainda não está garantida a independência da ANR, um dos pontos essenciais do projeto, é adiantado no relatório.
“Assegurar a independência operacional da ANR tem por fundamento válido (como reconhece o BdP) evitar o risco de complacência da função de supervisão para com as instituições supervisionadas, bem como evitar conflitos de interesse. Para o efeito, a tomada de decisões (por exemplo, aprovar planos de resolução) deve ser parte integrante dessa independência, sob pena da sua ineficácia prática. Porém, isso não se verifica visto que as decisões relativas ao exercício das funções de ANR são tomadas pelo Conselho de Administração do BdP”.
Autoridade sem recursos nem independência
A instalação da ANR também não está concluída, sublinha a auditoria. A Autoridade ainda não exerce todas as suas funções, falta “formalizar os procedimentos para definir e auditar todas as cadeias de trabalho, formalizar os procedimentos e responsabilidades das várias unidades de execução no âmbito de uma medida de resolução, formalizar acordos de articulação e de protocolos de partilha e troca de informação com outros departamentos do BdP e definir procedimentos operacionais a aplicar em situações de emergência no âmbito da resolução bancária.”
A esta longa lista acrescenta-se também “insuficiências de recursos humanos, de sistemas de informação, de controlo da atividade e de autonomização de contas devido à ANR ser, na prática, um dos departamentos do BdP”. São insuficiências que, mesmo já reduzidas, “também limitam a pretendida independência operacional”.
Dos 27 planos iniciais de resolução que compete à agência elaborar, faltam ainda quatro. Foram ainda detetadas insuficiências em planos já aprovados.
A auditoria conclui, por isso, que “a ANR ainda não se encontra habilitada para exercer as suas competências de resolução bancária com independência operacional”. Uma situação que se agrava no actual contexto de crise pandémica, em que são reportados riscos signicativos e são “suscetíveis de serem agravados com o impacto adverso da pandemia da Covid-19”.
Recomendações
O Tribunal de Contas recomenda ao ministro das Finanças, João Leão, que promova um modelo de Autoridade Cacional de Resolução que “assegure a exigência legal de independência das suas funções de resolução e evite potenciais conflitos de interesse com funções de supervisão bancária ou outras”. A proposta deverá seguir para o Parlamento.
Ao novo governador, Mário Centeno, o TC recomenda que não limite “a exigência legal de independência das funções de ANR, nomeadamente assegurar que esta entidade exerce todas as funções de resolução e só essas, bem como eliminar as insuficiências de recursos humanos, de sistemas de informação, de controlo da atividade e de autonomização de contas, devido à ANR ser um dos departamentos do Banco de Portugal”.
O documento recomenda ainda ao supervisor que elabore os “planos de resolução em falta (cuja elaboração é da sua competência)” e dê resposta às insuficiências dos planos através da revisão permanente e atualizada do seu conteúdo.
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