Como é que se diminui a desigualdade?
Primeiro é preciso perceber que a desigualdade, no rendimento e na riqueza, tem vários problemas e fontes, “decorrentes da globalização, do aumento da concorrência, do próprio progresso técnico enviesado em favor do trabalho qualificado, mas também razões que se relacionam com as instituições, com a existência ou não de salários mínimos, com os níveis de proteção do emprego, como a taxa de sindicalização”, explica Paulo Mota.
As próprias políticas macroeconómicas têm efeitos económicos importantes sobre o produto, sobre o desemprego, sobre a inflação, mas também têm efeitos redistributivos. Por isso o autor sublinha que “se levantam sérias questões de deixar a política macroeconômica adstrita a instituições tecnocráticas, sem escrutínio democrático”. “Reduzir as desigualdades implica intervir nestas vertentes”, defende.
Há medidas que podem ser aplicadas a priori, para diminuir a desigualdade de oportunidades: “em educação, a procura de melhores escolas, a saúde, o acesso a melhores cuidados de saúde, a própria rede de contactos, tudo isso são coisas que se reproduzem geracionalmente e afetam a igualdade de oportunidades que depois têm ligações com a produtividade”, explica.
Há ainda medidas pragmáticas, como o imposto sucessório, “não sobre pequenos patrimónios que são transmitidos de pais para filhos, mas sobre grandes fortunas que deveriam ser tributadas a taxas razoáveis, precisamente para limitar essa reprodução geracional dos rendimentos, que se liga claramente com a questão das oportunidades e com a desigualdade de acesso a determinadas profissões”.
Para as empresas, defende ainda que os administradores só sejam aumentados se os restantes trabalhadores também forem: “uma possibilidade era legislar no sentido de limitar o elevado rácio da remuneração dos executivos de topo em relação à média dos salários dos trabalhadores das empresas. Isto não impediria que os executivos de topo ganhassem mais, mas o aumento dos salários de topo teria de vir acompanhado de um aumento dos trabalhadores dessas empresas”.
Paulo Mota defende também um imposto único progressivo, para todos os rendimentos, como “medida de grande alcance”. Este imposto iria incluir desde as rendas aos rendimentos resultantes de mais valias. “Todos os rendimentos deveriam ser englobados e tributados a uma mesma taxa, em função do escalão e, portanto, seguindo o princípio da progressividade”, diz.
2 – “As dívidas têm sempre de ser pagas”
Muitos ainda se lembram da célebre frase do ex-primeiro-ministro José Sócrates, “as dívidas não são para pagar, gerem-se”, e da polémica que levantou na altura.
Nem Sócrates falava na altura sobre as dívidas das famílias ou das empresas, nem Paulo Mota. O que está aqui em causa é a dívida pública.
O economista explica que “existe nos mercados financeiros uma relação bem estabelecida entre a rentabilidade e o risco.” Nas obrigações do Estado, por exemplo, “a maior rentabilidade desses ativos vem associada também a um maior risco”, que implica que, “de tempos a tempos, os devedores não pagam atempadamente, pagam apenas parcialmente ou até nem pagam de todo”, acrescenta”.
Dito de outra forma, “se todas as dívidas tivessem de ser pagas, não existiria este binómio risco rentabilidade, quer dizer que quem teria investido num instrumento de maior rentabilidade estava na verdade a ter um almoço grátis, porque não estava a incorrer em risco”, conclui Paulo Mota.
Portugal está no grupo de países com níveis muito elevados de dívida pública, decorrentes de sucessivas crises financeiras. Só é possível libertar o Estado para que possa “aplicar investimento público que potenciasse o investimento privado e que possibilitasse um maior crescimento económico, se houvesse uma forma de reestruturação da dívida pública.”
Não é nenhuma ideia radical ou inédita, a própria Alemanha desenvolveu-se com base no perdão de praticamente metade da dívida do país, após a Segunda Guerra Mundial.
Hoje Portugal tem um “claro problema de investimento”, defende Paulo Mota, que tem obrigado “à contínua aplicação de medidas de política orçamental restritivas, com a exceção dos anos de recuperação da pandemia”. Considerando que “a aplicação do PRR não chega para neutralizar esse sentido restritivo da política orçamental”, isso “coloca grandes dificuldades à possibilidade de a economia portuguesa crescer”, avisa.
É preciso mais investimento e a ideia de que “primeiro temos que diminuir a dívida pública, reduzindo em educação, em novas tecnologias, ou seja, nos fatores que potenciam o crescimento económico no longo prazo, não é uma ideia que vá dar bons resultados”, alerta.
3 – “Tal como uma família o Estado não deve gastar mais do que o que ganha”
Esta também não é uma ideia consensual. Há economistas, como Paul Krugman, que defendem a estabilidade de preços e orçamentos equilibrados para gerar crescimento económico. “É a Fada da confiança”, diz Paulo Mota, que admite que a ideia existe, mas considera “que é errada”.
As “contas certas”, agora tão faladas, já vêm do tempo da troika. É o equilíbrio orçamental, imposto pelas regras de Bruxelas e pela pressão do BCE. Na base está a ideia, que Paulo Mota considera errada, de que “é através do orçamento equilibrado que se gera confiança e que a partir daí se vai gerar mais investimento privado, mesmo num contexto de baixa procura agregada”.
Sublinha que “isso não se tem visto. Isso não se vê em lado nenhum”. Por isso defende que se puxe pela procura, “mas para puxar pela procura é preciso investir. E num contexto de crise ou de recuperação de diversas crises, o Estado tem de dar o mote”.
“O que nós deveríamos fazer é investir mais, mas vai implicar no imediato, um défice orçamental maior”, defende. São “défices orçamentais maiores no curto prazo, que poderiam gerar mais crescimento económico e que se poderiam pagar a si próprios na forma de défices mais baixos no futuro.”
Acrescenta ainda que “a evidência empírica mostra que os multiplicadores orçamentais do investimento público em áreas estratégicas são bastante elevados em situação de recessão ou de recuperação de crises graves.” Estamos a falar de investimento em tecnologia, na transição digital ou em educação.
No entanto, na prática, estamos a assistir ao oposto: o Banco Central Europeu pressiona os governos para retirarem os apoios à economia e a Comissão Europeia alerta sobre os riscos de derrapagens orçamentais. Isto “restringe o crescimento económico e é prejudicial para o investimento público”, diz Paulo Mota.
4 – “A única forma de ultrapassar a crise é através do aumento das exportações”
“É estranho dizer que o crescimento é não sustentado, porque é baseado em consumo”, diz Paulo Mota. “O que são exportações? Exportações significa que estamos a vender produtos e serviços ao exterior e, do outro lado, alguém está a consumir. Exportações são consumo do exterior”, lembra.
O problema, quando apostamos tudo nas exportações para sair do nosso problema económico, quando tentamos crescer à custa do exterior, é que “o exterior pode querer fazer exatamente o mesmo e se tentar fazer o mesmo, nem todos os países podem crescer ao mesmo tempo a partir das exportações”.
“Como dizia Martin Wolf, colunista do Financial Times, o mundo não pode ter um superavit comercial com Marte e nós vivemos todos no mesmo planeta”, cita Paulo Mota.
Em alternativa, o professor da FEP defende “um crescimento equilibrado, que se baseie nas exportações e no dinamismo da competitividade externa, mas também potenciado pela procura interna”.
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