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A redução temporária de impostos indiretos, como o IVA, com o objetivo de aliviar a pressão da inflação dos bens essenciais sobre os orçamentos das famílias (amortecer a perda de poder de compra), é das piores soluções que existem em política económica, sobretudo se a intenção for ajudar as famílias mais vulneráveis, defende a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO).
O novo estudo da UTAO (link aqui, abre diretamente em PDF) defende que é preferível conceder apoios direcionados (subsídios diretos) às pessoas que mais precisam; no caso do IVA dos alimentos, as pessoas com menos rendimentos que, por isso, dedicam uma maior proporção do seu orçamento mensal a esse tipo de despesa básica.
Primeiro, porque, mesmo que as empresas deixem refletir no preço final a descida do IVA determinada pelo governo, haverá sempre uma parte desse “subsídio indireto” que tende a ficar no bolso dos empresários, indicam vários estudos citados pela unidade coordenada pelo economista Rui Baleiras.
Adicionalmente, a decida do IVA em certos bens alimentares (embora a UTAO não dê o exemplo do IVA 0%), mesmo que temporária, é uma medida transversal a toda a economia e pode, por isso, contribuir para a subida da inflação. “A política orçamental não deve contrariar a orientação anti-inflacionista da política monetária”, avisa o economista.
Em segundo lugar, descer o IVA é pouco eficaz e não usa as melhores práticas que existem para o efeito. Isto porque há outros instrumentos que, está mais do que provado, são mais eficazes a conceder o apoio desejado e concebido pelo governo, defende a UTAO: subsídios diretos e direcionados às famílias de acordo com o seu rendimento entregam resultados melhores e maximizam o erário público disponível, por exemplo.
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Esta semana, o governo anunciou que vai avançar com a aplicação de uma taxa de 0% de IVA num cabaz de produtos alimentares essenciais (cerca de 44 bens) e o reforço dos apoios à produção.
A medida é para durar apenas seis meses (abril a setembro) e deve custar cerca de 600 milhões de euros ao Orçamento do Estado.
Com isto em pano de fundo, a entidade que apoia o Parlamento em assuntos orçamentais e económicos acaba de lançar a pré-edição de um estudo que é um “livro”, um manual sobre o problema da inflação e formas de a combater.
Coordenado por Rui Baleiras, ele próprio autor do trabalho em parceria com António Antunes e Jorge Faria Silva, o manual intitulado “Inflação: um estudo pedagógico sobre os dilemas que a política económica enfrenta” refere que “de uma maneira geral, só uma parte da despesa pública com o subsídio indireto [redução do IVA ou do ISP, por exemplo] se traduz numa redução do preço pago pelas famílias”
Assim é porque “ao criar uma diferença entre o preço a pagar pelas famílias e o preço a receber pelas empresas, altera os incentivos de uns e outros no mercado”.
“Conscientes ou não deste facto, uns e outros agentes vão lutar por captar para si a maior fração possível do subsídio por unidade de bem transacionada” e, portanto, “o resultado irá depender do poder de negociação das partes”.
“Salvo situações extremas de procura perfeitamente rígida e procura perfeitamente elástica, que são implausíveis no mundo real, quanto maior for o poder relativo da oferta sobre a formação de preços, menor será a redução no preço que a procura consegue captar”, defendem os economistas.
Expectativas sobre a inflação podem ficar destorcidas
Acresce ainda que é de admitir que muitos consumidores sejam insensíveis à descida do IVA, o que tira eficácia económica e política à medida. “O facto de os consumidores poderem estar tão bem com cabazes diferentes que envolvam mais unidades de um bem e menos de outro faz com que um subsídio direto nunca seja pior que um subsídio indireto”.
Isto é, o subsídio direto vê-se e sente-se, o IVA é um imposto indireto e, não poucas vezes, silencioso. Ou seja, muitos consumidores não sentem essa descida e vão continuar a achar que os bens que consomem (cabaz) estão mais caros. Isto gera expectativas que alimentam a noção de que a inflação continua alta. A ideia dos bancos centrais é precisamente contrariar essa noção.
Ontem, Isabel Barros, a presidente da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED), declarou que “estou certa de que juntos iremos assegurar uma execução exímia desta medida [redução temporária do IVA de 44 alimentos para 0%].
O ministro das Finanças está sintonizado. Diz que com o pacto assinado entre o Governo e os representantes da distribuição (APED) e da produção (os agricultores da CAP), Fernando Medina acredita que estão “criadas as condições para fazer o IVA zero, com acordo” e que o valor do IVA não cobrado “vai parar ao bolso” dos portugueses.
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