O volume de apoios que o governo prevê conceder às empresas portuguesas está muito abaixo do que está a ser seguido noutros países europeus para combater a crise pandémica, acusa o presidente da CIP. Por essa razão, António Saraiva alerta que as empresas nacionais vão ficar em desvantagem em termos de competitividade com as suas congéneres da União Europeia.
“Mais uma vez seremos os patinhos feios”, lamentou o dirigente nesta quarta-feira no Estado da Nação, programa do Dinheiro Vivo e da TSF, em parceria com o Santander, que pretende ser um guia para as empresas lidarem com os efeitos da pandemia. No debate moderado pela diretora do DV, Rosália Amorim, participaram também Daniel Traça, diretor da Nova SBE, João Duque, professor do ISEG, e Rui Constantino, economista-chefe do Santander Portugal.
“Se compararmos a dimensão das medidas expressas em função do PIB, vemos que França atuou com medidas correspondentes a 23% do PIB, a Alemanha 51%, Itália 21%, Espanha 11 %, o Reino Unido quase 18%, a Hungria 8,7%, enquanto nós estamos em torno dos 6%”, especificou António Saraiva. “Há aqui falta de coragem”, conclui, apelando às autoridades para que os mecanismos que venham a ser encontrados a nível nacional e europeu sejam disruptivos, “porque esta é uma crise sem precedentes”.
800 mil pessoas estão a ter ajudas de Estado
É esta mesma excecionalidade que leva António Saraiva e os restantes colegas de debate a defenderem os chamados coronabonds como mecanismo de financiamento desta crise. “Não vejo outra solução, até porque a receita fiscal de Portugal e dos estados não vai ser suficiente para este enorme aumento de despesa. Só até segunda-feira, já estavam mais de 800 mil pessoas com ajudas de Estado. Há 700 mil em lay-off, de 33 mil empresas, 115 mil em assistência à família pelo fecho das escolas, 12 mil em isolamento profilático, enfim…” A alternativa seria um insuportável aumento da carga fiscal, que está no limite, afirmou.
A solução da emissão conjunta de dívida é igualmente defendida por Daniel Traça, que considera importante separar bem eurobonds de coronabonds. “O que estamos a defender é a mutualização dos custos desta crise e não das dívidas dos países. Isto facilitaria o diálogo com os países do norte, porque haveria menos preocupação com os riscos para o futuro.” Trata-se de emitir títulos de dívida, partilhados por todos, que teriam que ver com os custos sanitários e os custos de estímulo e manutenção da economia, explica. “E esta emissão deveria ser muito baseada no BCE. A dívida seria emitida pelo Mecanismo Europeu de Estabilidade que, depois, entregaria o dinheiro que recebia dessa emissão aos estados, de acordo com os custos de lidar com o novo coronavírus. Por sua vez, essa dívida, em vez de estar a pairar no mercado e a fazer crescer as taxas de juro dos países europeus, poderia estar no BCE a um prazo muito alargado, de 50 anos, e coberta por emissão monetária. Uma operação deste tipo, uma vez na vida, era algo que tirava da discussão política toda a confusão que temos hoje”, considerou o economista.
Quem paga os coronabonds?
Embora defendendo os méritos dos coronabonds, João Duque não acredita que venham a ser adotados. “A emissão de dívida tem sempre de mostrar a quem compra como é que se vai pagar, e até não estar resolvido quem paga quando alguém falhar o pagamento, os coronabonds não têm qualquer hipótese de avançar.” Para o economista, “o instrumento até pode ser interessante, na medida em que dissipa a pouca atratividade que alguma desta dívida possa ter no futuro, nomeadamente a portuguesa”. Mas, observa, “ou se cria um imposto europeu para servir esta dívida – e é preciso que os países cedam esse direito a uma entidade supranacional para entrar no seu espaço fiscal e exigir aos seus contribuintes um pagamento -, ou se afeta uma percentagem para garantir esta dívida ou cada um trata da sua.
Rui Constantino aponta um risco de não se seguir pela via dos coronabonds. “Essa emissão de dívida tirava o ónus dos Estados nacionais de vir a ter novamente uma crise soberana, depois de uma crise sanitária.” Porque numa situação como essa, voltam a cometer-se os mesmos erros, voltam as agências de rating e Portugal corre o risco de regressar para a notação de lixo, observa. Antevendo tal cenário, o economista-chefe do Santander prossegue dizendo que os investidores deixam de procurar a dívida e as garantias dadas para as linhas do BEI tornaram-se caríssimas, porque a dívida portuguesa deixou de ser aceite. “Sendo os coronabonds para uma situação excecional, e bem explicado que não se trata de mutualizar 60% da dívida (que era o cenário dos eurobonds), seria uma boa solução.”
Dinheiro não está a chegar às empresas
A morosidade com que o dinheiro dos apoios anunciados está a chegar às empresas é outro problema denunciado pela CIP. “Temos de reconhecer que o governo está a tentar, mas depois há toda uma teia burocrática no crivo dos critérios de seleção para aceder às medidas, que está a dificultar o processo”, nomeadamente da parte da banca, “de onde nos têm chegado queixas”, denunciou António Saraiva. E vai mais longe: “A banca tem de dar uma diretriz a toda a sua estrutura para que certos excessos de zelo não aconteçam nesta fase e, se acontecerem, sejam corrigidos e eventualmente punidos. Já passaram três semanas e há empresas que ainda não viram um euro de ajuda.”
Respondendo ao repto dos empresários, o economista-chefe do Santander, Rui Constantino, garantiu que “a banca está a tentar operacionalizar o mais rapidamente possível as linhas existentes. Temos já um número significativo de clientes que estão a pedir a moratória e o processo está em análise”.
Rui Constantino reiterou que “os bancos estão disponíveis para apoiar os seus clientes porque, uma vez passada a crise, são eles que vão trabalhar connosco”. Mas, lembra: “Temos de nos cingir às regras a que o BCE e a Autoridade Bancária Europeia obrigam.”
Banca presa aos critérios de risco
As famílias têm cerca de cem mil milhões de endividamento ao sistema bancário nacional, notou o economista-chefe. Desse montante, a parte mais significativa é crédito hipotecário. “Neste sentido, as moratórias para o crédito hipotecário respondem às necessidades da maior parte dos clientes. Haverá outras situações, que são menos de 25%.”
Sobre a lentidão de resposta, o responsável do Santander insiste que “o banco vai tentar acelerar o processo, mas não pode deixar de cumprir um conjunto de regras definidas para as linhas de crédito criadas, que acarretam uma carga burocrática”. Rui Constantino acredita que “tudo se tornará mais fácil e fluido a partir dos primeiros casos aprovados e decididos”.
Irrealismo para os sócios-gerentes
Daniel Traça destaca que “a chave aqui é a quantidade e rapidez”. A ajuda só é útil se for em quantidade suficiente – e nós estamos abaixo de outros países – , e sobretudo se chegar muito rapidamente às empresas que precisam dela. “Mais vale correr o risco de algumas empresas receberem dinheiro sem precisar do que não fazer chegar o dinheiro a todos os que precisam.”
E a esse propósito, João Duque relembrou o caso dos sócios-gerentes, que só agora viram reconhecido o direito a apoios, mas em condições que considera insuficientes, por se limitar a quem não tenha empregados e fature até 60 mil euros.
“Acho que quem define este limite não tem sensibilidade para perceber que em setores em que a margem é muito pequena (tipo 20%) como, por exemplo, um mediador de viagens, 60 mil euros de faturação anual corresponde a 12 mil euros de rendimento.” Isto “nem chega para pagar o salário desse gerente, mais os encargos sobre remunerações. E o resto? A energia, as rendas, não se paga?”, questiona o professor do ISEG, que estimou nesta semana um recuo entre 4% e 8% do PIB.
Com tantos constrangimentos “prevejo que as pessoas comecem a cometer ilegalidades… por exemplo, sei que há empresas que estão a abrir a porta encapotadamente porque não têm dinheiro”. Por isso, diz, “é preferível cometer erros por excesso, porque é fácil penalizar pessoas por ilegalidade se estiverem vivas, se estiverem mortas não”.
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