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Após anos anómalos devido à pandemia de covid-19 e aos problemas nas cadeias de produção que afetaram o fornecimento de componentes, a indústria automóvel teve, em 2023, um ano de retorno à normalidade, o que se refletiu nos valores de veículos matriculados um pouco por toda a Europa: nos primeiros 11 meses do ano, todos os mercados da União Europeia cresceram, com exceção da Hungria, de acordo com dados da Associação Europeia de Construtores Automóveis (ACEA).
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Faltando ainda os dados relativos ao mês de dezembro, o ano de 2023 apresta-se a ser também de crescimento sólido no mercado português: entre janeiro e novembro, registou-se uma subida de 27,8% face a igual período do ano passado, segundo valores da Associação Automóvel de Portugal (ACAP), com o seu secretário-geral, Helder Pedro, a realçar que, “o ano de 2023 é, de facto, de recuperação, embora ainda abaixo dos valores de 2019, que é o ano que comparamos pré-pandemia. Mas estamos em linha com os outros países da Europa – a situação é semelhante, digamos, a tender para a estabilização do mercado”.
Nesse sentido, baseando-se nas estimativas da ACEA, o responsável da ACAP entende que o próximo ano será também de crescimento, mas não com as percentagens vistas em 2023, ou seja, assistindo-se então a uma certa estabilização do mercado.
Como condutora desse movimento de crescimento, a eletrificação “está na ordem do dia, é uma situação que tem vindo a crescer de uma forma exponencial em Portugal e também na Europa”, prevendo-se que assim se mantenha em 2024. No entanto, é importante manter os incentivos à aquisição de elétricos, atendendo à vontade política de regulamentar a transição para as emissões zero.
“Na ACAP, continuamos a manter a posição que a questão da eletrificação, de algum modo, parte de uma base também política, ou seja, nós estamos na União Europeia e aquilo que acontece é que, quer a Comissão, quer o Parlamento, quer o Conselho, todos os órgãos de decisão apostaram nestas metas de descarbonização que conhecemos: até 2030, reduzir 55% as emissões e, depois, em 2035, só ter veículos com emissões zero. Portanto, há um caminho rápido que tem de ser percorrido e o que nós temos dito é que a indústria automóvel faz parte da solução e todos os dias coloca no mercado novos modelos elétricos e eletrificados. Isto não se faz também sem um esforço do lado público, uma vez que foram, digamos, os políticos que quiseram também dar um impulso na Europa”, observa.
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Os apoios financeiros à aquisição de elétricos são, pois, encarados como necessários para se apostar, verdadeiramente, na transição para a mobilidade sem emissões. “Achamos que nem todas as pessoas têm ainda acesso à eletrificação e que deve continuar a haver um apoio à compra destes veículos. Neste ano falou-se que [o apoio] passaria a ser para o carregamento, mas depois aquilo que foi afirmado, e é isso que está em cima da mesa, é a continuação dos incentivos para a compra de elétricos. Não sabemos que tipo de incentivos, porque a quantidade concedida é já insuficiente face ao mercado destes veículos, mas deverá continuar a existir um apoio”, sublinha.
UVE destaca recorde elétrico
Alinhando pelo mesmo diapasão, Henrique Sánchez, presidente da Associação de Utilizadores de Veículos Elétricos (UVE), destaca o ano de 2023 como aquele em que “foram batidos todos os recordes de vendas de veículos elétricos novos em Portugal e no mundo”, traduzindo-se então num balanço muito positivo, justificando-o com factos, como a entrada no mercado de novos construtores e a conversão de muitos dos já existentes para o caminho da eletrificação “pura”.
“Houve um aumento muito significativo da oferta de novas marcas e de novos modelos elétricos à venda em Portugal, com maior autonomia – a média dos carros 100% elétricos à venda no país é de mais de 400 quilómetros – e um preço cada vez mais comparável ao dos equivalentes com motor de combustão interna”, destaca. Com efeito, esse esforço da indústria automóvel traduz-se, atualmente, na existência de mais de 200 modelos elétricos em comercialização no mercado nacional.
Tal como Helder Pedro, também o presidente da UVE sublinha a questão dos incentivos à aquisição dos veículos sem emissões, os quais foram “mais um fator na decisão de muitos cidadãos no momento de adquirirem um automóvel novo, no montante de 4000 euros para particulares e de 6000 euros para as empresas”, a que se junta o facto de a “rede pública de carregamento ter tido uma expansão muita significativa, quer na sua capilaridade quer na potência disponível, tendo atingido os 10 mil pontos de carregamento, dos quais 3000 são carregadores rápidos, super-rápidos e ultrarrápidos”, afirma Sánchez.
A manutenção dos incentivos no próximo ano com um teto máximo do preço de venda mais reduzido, “vai permitir a quem tiver menor poder aquisitivo aceder a estes incentivos, pois eliminará candidaturas com os valores de venda mais altos”, sublinha o responsável. Outro ponto que destaca é o da viragem por parte das empresas para o mercado dos elétricos, salientando as “frotas de inúmeras empresas eletrificadas, de que os CTT são um exemplo, com 650 veículos elétricos ao seu serviço, além de que foram vendidos cerca de 300 autocarros elétricos que reforçaram as frotas das diferentes operadoras concessionadas”.
Para 2024, abunda o otimismo, com Sánchez a afirmar que “as indicações que temos são ainda mais otimistas, dada a entrada de novas marcas com uma oferta mais económica, com modelos mais acessíveis entre os 20 000 e os 30 000 euros, o que vai permitir que cada vez mais cidadãos possam adquirir um veículo elétrico”. Mas, complementa esse otimismo com outros fatores, como a “entrada em vigor, em abril, do Regulamento da Infraestrutura para os Combustíveis Alternativos (AFIR, Alternative Fuels Infrastructure Regulation), com o roaming obrigatório a passar a ser uma realidade em todo o espaço da União Europeia, facilitando as viagens em carro elétrico por todo o território”, recorda.
“As projeções que temos apontam para uma aceleração das vendas de veículos elétricos generalizada em 2024, devido ao aumento da oferta em todas as categorias. Acresce ainda as cada vez maiores preocupações ambientais dos cidadãos e das empresas e a absoluta necessidade de reduzir o consumo de combustíveis fósseis através da eletrificação dos transportes rodoviários e da descarbonização da economia”, conclui.
Usados também poderiam ser opção
Num país onde o poder de compra não é equivalente ao de outros países da Europa, o setor dos usados é, muitas vezes, a solução de recurso para os condutores lusos. Tendo estabilizado na oferta e nos preços após os picos registados durante a pandemia, o mercado de automóveis usados teve um ano de 2023 positivo, como aponta Nuno Silva, Presidente da Associação Portuguesa de Comércio Automóvel (APDCA), mas “a queda do Governo e alguma demora na implementação de algumas sugestões que nós demos que estão cada vez mais a piorar o próprio setor, deixando-o apreensivo”.
Também aqui a questão dos incentivos é tópico relevante, com Nuno Silva a dizer que seria importante incluir os usados até seis anos numa proposta de incentivo à aquisição de modelos mais recentes em vez de penalizar os proprietários de automóveis anteriores a 2007 com um aumento do IUC, como chegou a estar em cima da mesa no Orçamento do Estado para 2024.
“Sendo [os novos automóveis] mais verdes, é normal que todos nós queiramos que as pessoas atualizem as viaturas, por uma questão de segurança, pela poluição e por tudo e mais alguma coisa. Mas, para isso, tem de haver outro tipo de incentivos e o que propusemos ao Governo, e aguardamos que nas próximas eleições se volte a este tema, é não um aumento do IUC, mas que se criem condições para a troca de viaturas que nós entendemos que podem ser viaturas usadas até seis anos, porque já eram os motores Euro 6 que, em tempos, também já beneficiaram do apoio ao abate”.
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