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Depois de fechar 2022 a cair quase 7% em valor e 2,2% em quantidade, o vinho do Porto arrancou o ano em terreno negativo. E manteve-se lá, mesmo ultrapassado o primeiro trimestre, por natureza o menos dinâmico no setor, contrabalançando as grandes compras para o período natalício. Os dados já existentes até abril mostram que as vendas totais de vinho do Porto estão a cair cerca de 10%, quer em volume quer em valor, com os mercados externos a anularem completamente os ganhos em Portugal. Para o presidente do Instituto dos Vinhos do Douro e Porto, estes são números que causam apreensão e “devem merecer uma reflexão”.
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No total, entre janeiro e abril, foram vendidos mais de 18 milhões de litros de vinho do Porto, no valor global de 94,4 milhões de euros. Portugal mantém-se como o principal mercado de venda de vinho do Porto, não pelo que os portugueses consomem, mas à boleia do turismo, e está a crescer quase 8% em valor, para 19,7 milhões de euros, embora, em volume, registe um recuo de 1,3% para 3,3 milhões de litros.
Mas os restantes mercados no top 10 dos maiores consumidores de vinho do Porto estão a cair, com exceção do Reino Unido que cresce quase 14% em valor (num total de seis milhões de euros) e 25% em volume (1,071 milhões de litros). Uma reação estratégica dos operadores britânicos de antecipação de compras face à subida anunciada, a partir de agosto, dos impostos sobre as bebidas alcoólicas, na ordem dos quase dois euros por garrafa.
França, EUA, Países Baixos, Bélgica, Alemanha, Dinamarca e Canadá são mercados com quebras que vão dos 12 aos 30%. A vizinha Espanha, que ocupa a 10ª posição nos maiores compradores de vinho do Porto, é a que tem a menor quebra, de 2,3%, neste grupo.
Mas também os vinhos do Douro, que em 2022 cresceram 12,5% em valor e 7,2% em quantidade, para um total de 221,3 milhões de euros correspondentes a 47 milhões de litros, estão, neste ano, a cair 1,3% em valor e 8,5% em volume, num total de 13,5 milhões de litros e 64 milhões de euros. Ao contrário do vinho do Porto, cujo preço médio cresce apenas 0,3% para 5,22 euros por litro, os vinhos do Douro foram vendidos, em média, a 4,74 euros, mais 7,8% do que em igual período do ano passado.
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O contexto inflacionista está a afetar os principais mercados de vinho do Porto. O mercado nacional cresce, mas pouco
Do mesmo modo aqui as boas notícias vêm do Reino Unido, que está a comprar menos garrafas mas a preços substancialmente mais altos, pelo que o mercado está a crescer acima dos 7%, para 3,3 milhões de euros. O Brasil, o sexto maior consumidor de vinhos do Douro, cresce 2,4% em volume e só 0,3% em valor, num total de 1,5 milhões de euros. O mercado nacional, que assegura dois terços das vendas da denominação de origem Douro, está 0,9% acima do ano passado em valor, num total de 42,4 milhões de euros, embora em quantidade esteja a cair 6,8% para 9,1 milhões de litros vendidos.
Ainda sem dados do mercado nacional do mês de maio, o IVDP tem, no entanto, já dados sobre as exportações da Região Demarcada e que mostram um agravamento desta tendência, com as vendas ao exterior de vinho do Porto a cair acima dos 10% quer em quantidade quer em valor e as de vinhos do Douro a cair 12,2% em volume e 4,2% em valor. Aqui, o preço médio da Denominação de Origem Protegida (DOP) Douro está a crescer 9,1% para 4,93 euros o litro, mas, no caso do vinho do Porto, está a cair 1,6% para 5,06 euros.
E é essa quebra de valor do preço unitário que mais preocupa o líder do instituto. Para Gilberto Igrejas, é preciso “reestruturar e reformar a Região Demarcada do Douro no sentido de acautelar que o valor a médio-longo prazo é restabelecido”. Como? “Todos sabemos que aquilo que é abundante não tem valor. Temos de criar a raridade das nossas DOP Porto e Douro para que elas assumam valor. Estamos a falar de uma região de viticultura de montanha que é de difícil trabalho, tem custos de mão-de-obra muito superiores ao da maioria das regiões, e nós temos que transportar esses custos e esse trabalho para a garrafa”, defende.
No entanto, este responsável recusa que a solução seja uma redução da produção de vinho do Porto na próxima vindima, sendo que o quantitativo autorizado será definido, no próximo mês, pelo Conselho Interprofissional do IVDP, no qual produção e comércio estão equitativamente representados. “Conhecemos as dificuldades do comércio e da produção, mas não podemos deixar que a conjuntura individual de um ou dois anos possa afetar o equilíbrio entre as profissões; queremos acreditar que isto decorre de um contexto específico, de um ano marcado pelo contexto inflacionista”, diz, sublinhando: “Não podemos agora hipotecar todo o trabalho que tem vindo a ser feito por um ano que não está a correr tão bem do ponto de vista internacional”.
Produção e comércio concordam, mas reconhecem que há muitos stocks acumulados, o que vai complicar tudo. “É preciso olhar para os números com realismo, sobretudo perante uma vindima que se antecipa como sendo de média a grande dimensão. As empresas de vinho do Porto têm comprado mais do que o que têm vendido, possivelmente as intenções de compra para a próxima vindima vão baixar”, diz o presidente da Associação das Empresas de Vinho do Porto (AEVP), António Filipe.
Já o líder da Casa do Douro – Federação Renovação do Douro critica a política de cativação de saldos de gerência do IVDP, pelo Estado, quando este é um organismo “totalmente financiado por dinheiros privados”, uma medida que tem “limitado substancialmente a atuação do instituto no seu trabalho de promoção e abertura de novos mercados”. Rui Paredes considera que é cedo para antecipar uma vindima farta, sobretudo atendendo aos efeitos do mau tempo recente e do granizo que afetou várias zonas da região, mas reconhece que a existência de grandes stocks é uma grande preocupação, sobretudo com os pequenos viticultores que, em caso de redução do quantitativo de benefício “ficam sempre bastante limitados nos seus rendimentos”.
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