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Marian Salzman é uma das mais influentes comentadoras de tendências culturais do mundo e ocupa o lugar de vice-presidente da comunicação da Philip Morris International. Habitualmente, a responsável traça caminhos que vão marcar o ano que arranca e explora as perspetivas capazes de influenciar as nossas escolhas de vida e comportamentos.
Ainda a ultrapassar a pandemia e com um ano contado sobre a invasão da Ucrânia, que trouxe a guerra de volta à Europa, estes são os cinco aspetos que vão marcar-nos, neste ano, segundo Salzman.
1. Perder a mão da realidade
No Merriam-Webster, a Palavra do Ano de 2022 foi gaslighting, que se traduz em ‘ato ou prática de enganar alguém, especialmente em proveito próprio’. O perigo do deep fake já não é algo distante, está aqui, pela mão da Inteligência Artificial e traz questões sobre representação e distribuição de lucros. Há influencers a aproveitá-la para se tornarem virais, há notícias feitas por robôs e saté uma série de podcasts totalmente feita por IA. E até há um amigo virtual on-demand, o Replika. tudo isto fora do metaverso. A questão é: em que é que podemos acreditar? Num mundo de desinformação e despersonalização para cujos efeitos até a ONU já alertou, instigando os EUA a adotarem políticas que apoiem a literacia digital há uma nova doença mental: chama-se DPDR e os sintomas passam por sentir-se longe dos demais, deconectados da realidade e de si próprio. Os médicos recomendam terapia, mas o que acontecerá quando houver adesão em massa à IA?
2: Confrontar vendedores de banha da cobra
Há uma revolução a acontecer, a nível social e cultural, e muito dela encontra as suas raízes na pandemia e nas disrupções que provocou, levando muitos a abrir os olhos para a realidade da sua existência e terem vontade de mudar de vida. Os problemas, as injustiças, a discriminação, as alterações climáticas entraram nas agendas pessoais e começaram a gerar reação. Em 2023, tudioo isto irá intensificar-se e a busca de equilóbrios será uma prioridade. Porque passámos a questionar absolutamente tudo. Longas horas de trabalho, empregos mal pagos, falta de vida pessoal, stress, os sacrifícios que antes se fazia sem pensar duas vezes são agora linhas vermelhas, originando a necessidade de repensar modelos e padrões até ao âmago. Até o capitalismo e a globalização são postos em causa – um estudo de 2020 da Pew research revela que só 4 em cada 10 americanos entre os 18 e os 29 anos têm uma visãoo positiva do capitalismo e a nível global a maioria considera que traz mais males do que bem. Num mundo em plena mudança, há muitas lutas a serem travadas e uma revolução maior: a da mobilidade, com o carro a ser cada vez mais visto como um inimigo.
3. Normalizar a sustentabilidade
O que nos leva ao terceiro ponto, a sustentabilidade. A preocupação ampliada e generalizada sobre o impacto das alterações climáticas e a visibilidade adquirida em pandemia, mas também nas recentes catástrofes naturais, sobre os seus efeitos, alertaram o mundo, que nunca esteve tão apreensivo sobre este tema. Um estudo da GlobeScan em 17 países mostra que dois terços consideram que vivemos uma situação ‘muito grave’, de tal forma que 40% nhão querem ter filhos. A ecoconsciência nasceu está a solidificar-se rapidamente, sem perdão para empresas que não façam a transição para a descarbonização.
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4. O poder do som
Há muitos anos, começámos a ver relatórios sobre o impacto da música em pessoas com Alzheimer e demência; agora assistimos a um crescimento em outros usos dados ao som, do áudio erótico ao espacial. São pontos de partida que evocam sentimentos de euforia, calma ou dormência. As marcas já estão a produzir sons originais para o TikTok, por exemplo, e o som é crescentemente visto como uma solução potencial para pelo menos parte do que aflige a sociedade moderna – ao ponto de se receitar banhos de som e mapeamento de som para reduzir a ansiedade ou melhorar a concentração. “Em 2023, continuaremos a explorar novas (e antigas) aplicações de sons, incluindo a relação entre voz e doença. Há até um grupo de investigadores a recolher dados de voz para desenvolver IA capaz de diagnosticar doenças com base na voz da pessoa. Soa bem!”
5. Construir o mundo à nossa medida
A última tendência apontada já vem dos anos 80, quando o “casulo” se tornou relevante, mas as pessoas estão cada vez mais a criaer os seus pequenos mundos, concentrando-se nas suas casas, muitas vezes hoje acumuladando funções de escritório. Não é mero conforto, é segurança, auto-capacitação e autoconfiança. “As pessoas sentem uma maior necessidade de proteção – contra tudo, de vírus mutantes e eventos climáticos a mercados de trabalho e cadeias de logística incertas – e a resposta é fecharem-se com a tecnologia, mantimentos e opções de entretenimento para uma eventual crise. Com a saúde mental e o bem-estar em foco, a forma como as nossas casas nos fazem sentir tornou-se quase tão importante como a sua funcionalidade.” Efeito disto, além do boom de decoração que invadiu as cidades há uma nova tendência de regresso aos jogos de tabuleiro.” As pessoas buscam sentimentos de pertença, segurança e empoderamento. Em 2023, veremos mais pessoas a tornar as suas casas em santuários de saúde e bem-estar – só o mercado de plantas de interior deverá chegar aos 26 mil milhões de dólares em 2029, bem acima dos 18 mil milhões de 2021.
No geral, conclui Marian Salzman, o que veremos em 2023 é uma inclinação para a esperança e auto-capacitação. “À medida que as pressões externas aumentam, iremos procurar identificar elementos que se encaixam perfeitamente nas vidas que desejamos viver e incorporá-los nas nossas casas e hábitos. Defendendo a verdade, repensando as instituições e abordagens que já não funcionam para a maioria, adotando estilos de vida mais adequados ao planeta, aproveitando o poder do som e criaando peças menores e mais ricas, vamos injetando propósito e estabilidade a uma existência que muitas vezes parecia frenética e sem rumo.”
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