O
programa de vistos gold em Portugal apresenta um sério risco de ser usado de
forma “abusiva” por corruptos ou criminosos, por carecer de “critérios claros”,
segundo o relatório publicado pela Transparência Internacional.
O texto, divulgado esta quarta-feira em Bruxelas e denominado
“Escapadela Europeia – Dentro do Obscuro Mundo dos ‘Vistos Gold’, salienta que devido
à falta de “critérios claros” e “requisitos de diligência devida”, o programa
apresenta “um maior risco de ser usado de forma abusiva por corruptos ou por
indivíduos que possam estar a investir o produto de um crime ou a esconder-se
da justiça”.
“Uma pobre gestão operacional e a falta de controlos internos
podem incrementar as oportunidades para a corrupção em Portugal, permitindo que
agentes públicos peçam subornos em troca de uma conclusão bem-sucedida do
processo de aplicação”, pode ler-se no texto resultante da investigação
conjunta com a organização não-governamental Global Witness.
A Transparência Internacional (TI) insta o Governo português a
permitir o escrutínio público do processo de atribuição de vistos e a
aumentar “a transparência e a responsabilização na gestão do programa, a
informação sobre as Autorização de Residência para a Atividade de Investimento
[ARI] – incluindo, pelo menos, o número de pedidos recebidos (e os países de
origem), os concedidos e os recusados”, publicando informações numa base
regular.
A investigação, que incidiu sobre os programas de Chipre, Malta
e Portugal no espetro da União Europeia (UE), revela que a Transparência e
Integridade, a representação em Portugal da TI, pediu acesso à informação sobre
os pedidos de ARI “às autoridades competentes”, para esclarecer dúvidas, mas
“as autoridades portuguesas responderam que toda a informação disponível sobre
o programa já tinha sido publicada”.
A organização alerta ainda que, desde a última revisão do
programa, em 2017, não foram feitos esforços “significativos” para dar resposta
aos problemas identificados no relatório hoje divulgado, elencando uma série de
falhas.
“Os candidatos têm apenas de apresentar uma certidão de registo
criminal do país de origem ou, caso já não residam neste, do país onde
residiram por mais de um ano. Tal significa que quando o candidato deixa o seu
país após ter sido condenado por um crime, pode facilmente providenciar um
certificado do país de residência de modo a que as autoridades portuguesas não
tomem conhecimento do seu registo criminal”, nota.
A TI aponta ainda como lacunas do programa português a falta de
independência na verificação dos documentos e informação apresentadas pelos
candidatos, a possibilidade de o solicitante principal servir como “cavalo de
Troia” para outros membros da família que teriam mais dificuldade em “passar a
inspeção”, e a ausência de investigação quanto à fonte de riqueza ou aos fundos
usados para investimento no país.
“kit” de alerta para políticos
A organização Transparência e Integridade entrega hoje aos ministros Adjunto, dos Negócios Estrangeiros e da Administração Interna, e a deputados de todos os grupos parlamentares, um kit que visa alertar para os perigos do programa de vistos gold.
O pacote, sugerindo uma mala de viagem, é constituído por diversos elementos, entre os quais um passaporte, uma ‘pen’ em formato de chave – uma referência ao facto de “95% das ARI atribuídas em Portugal resultarem do investimento imobiliário – e um postal ou uma brochura “Vistos Dourados. Investimento ou Branqueamento?”.
“Desde o início, o programa tem estado sob suspeita, não só no que diz respeito à corrupção de funcionários com responsabilidades na gestão do sistema, mas também no que toca aos riscos reais de lavagem de dinheiro e crime económico associado, alegou a vice-presidente da Transparência e Integridade, Susana Coroado, citada em comunicado.
“Agora que a própria União Europeia se prepara para intervir neste negócio de venda de passaportes, Portugal não pode continuar a adiar a discussão e o escrutínio público sobre os vistos gold, defende.
Desde a criação do programa, em outubro de 2012, e agosto
deste ano, já foram atribuídas 6.498 autorizações de residência, 3.936 dos
quais a cidadãos chineses, segundo o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras
(SEF). De acordo com os dados, estes vistos já renderam aos
cofres do Estado 3,967 mil milhões de euros, com cerca de 3,600 mil milhões a
resultarem da aquisição de bens imóveis, e pouco mais de 370 mil de
transferência de capital.
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