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O campeonato dos grandes na venda de carros em Portugal tem-se jogado na última década num confronto franco-alemão. A liderança hegemónica da Renault tem como rivais mais próximos a Volkswagen (VW) e a Peugeot. Este ano o trio da frente desfez-se, com estrondo. A insígnia de Wolfsburgo caiu para o 9º lugar. Mas o que motiva a descida abrupta de uma marca que andava perto da liderança? E era esperada?
Os problemas começaram há cerca de um ano e meio. “Desde aí que o negócio descarrilou imenso”, afirma à Renascença uma fonte ligada ao sector.
O problema maior e porventura explicador de todo o processo são as dificuldades financeiras do importador da marca alemã, a Siva. A empresa pertence ao grupo SAG, liderado pelo empresário João Pereira Coutinho, e cujos problemas financeiros se têm agravado.
Alienar negócio
Em julho do ano passado, o “Jornal Económico” noticia que os problemas da SAG a vão levar a alienar o negócio da importação de carros em Portugal.
O semanário diz que a Porsche Holding Salzburg, a maior distribuidora europeia de automóveis, detida a 100% pela fabricante alemã Volkswagen, está em negociações avançadas para passar a distribuir diretamente em Portugal as marcas que são importadas e distribuídas pela SIVA, detida pela holding portuguesa SAG GEST – Soluções Automóvel Globais.
As marcas representadas pela Siva em Portugal são a VW, a Audi, a Skoda, a Lamborghini, a Porshe e a Bentley. As três primeiras apresentaram resultados “absolutamente desastrosos”.
A Audi perdeu metade do negócio e a VW um terço. A Skoda perdeu 21% das vendas. Isto tudo num mercado que cresceu quase 3% e se venderam mais sete mil unidades.
Buraco ou estratégica
“Há um buraco grande na [SIVA] e os bancos estão à frente da situação. Há grande dívida à banca, e são os bancos que estão a acompanhar a passagem para outro comprador e importador”, afirma à Renascença outra fonte do setor automóvel.
O Económico escrevia em agosto que a maioria da dívida bancária está nas mãos de quatro bancos (entre eles a Caixa Geral de Depósitos, Millennium bcp e Novo Banco) e que qualquer reestruturação será feita em conjunto por estes bancos e não de forma isolada por cada um deles.
À Renascença, fonte oficial da Siva apresenta ouras razões para a crise. “A estratégia comercial passa por reduzir a sua participação nos canais de “rent a car” e “km zero” que representam cerca de um terço do mercado. Isso afetou a quota de mercado”, começou por explicar.
A outra razão é exógena, aponta: “A passagem para o ciclo de medição de emissões WLTP [procedimento global harmonizado para Veículos Ligeiros que define um padrão para determinar os níveis de CO2, emissões poluentes, consumo de combustível ou energia, e autonomia elétrica para veículos ligeiros] atrasou notoriamente as homologações dos veículos em comercialização do Grupo VW, com impacto negativo nas vendas”.
Por fim, a fonte da Siva usa o argumento de que “a greve dos estivadores penalizou a normal entrega de carros novos na fase final do ano”.
Uma surpresa
Um outro profissional que acompanha o setor há muito tempo afirma que esta situação “não era possível antecipar”. “Foi uma supressa para tudo e para todos. Se calhar só quem estava lá dentro é que sabia”, analisa.
A explicação para que uma empresa líder de vendas como a Siva tenha caído desta forma é explicada por uma fonte do mercado com a perceção de que houve dinheiro “desviado” entre negócios da SAG. A Siva que sempre deu dinheiro terá financiado outras atividades.
“O negócio é rentável desde que as pessoas façam as coisas como deve de ser”, argumenta.
A situação periclitante da empresa faz com que a venda do importador esteja a ser “tratada com pinças”. Fonte conhecedora do processo de venda afirma à Renascença que há quatro austríacos da Porsche Holding Salzburg a tratar do processo de compra e não há pressa para fechar o negócio.
“Andam a ver os números, com auditores para trás e para a frente. Isto é um negócio de centenas de milhões de euros. Querem saber tudo com todo o cuidado”, explica a mesma fonte.
Negociações demoradas
Para já vai-se jogando no xadrez demorado da negociação. “O Pereira Coutinho quer mais dinheiro, a Porsche quer dar menos, e os bancos não querem perder. A dinâmica habitual”, resume a mesma fonte.
“A VW quer resolver isto. Caiu para um nível mesmo mau. Aliás, se fosse um negócio muito bom já havia outros interessados”, finaliza.
Esteve marcado para setembro o finalizar das negociações, mas agora não há data. A Siva, em resposta à Renascença, diz que não comenta a possível venda da empresa.
Uma das fontes ouvidas, e que conhece bem o trabalho dos concessionários da VW, espera que rapidamente se resolva o problema.
“Se isso não acontecer, vai deixar muitos concessionários numa situação muito difícil. Há compromissos assumidos que podem por em causa a capacidade de sobrevivência”, explica.
A ideia é secundada por outra fonte: “O estado da rede e das marcas é preocupante. A Audi ficou atrás da Volvo. É um absurdo”.
A Nissan, a Fiat e a Citröen foram as marcas que mais capitalizaram com subidas robustas acima dos 15% em qualquer um dos casos.
No conjunto, as três marcas mais vendidas da Siva (Volkswagen, Audi e Skoda) venderam no ano passado menos 9 317 unidades.
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